Visão Global 2017: Luís Nuno Rodrigues

por Luís Nuno Rodrigues - Director, Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL
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Personalidade do ano: Donald Trump
Donald Trump trouxe à liderança dos Estados Unidos uma mudança muito significativa quando comparado com os seus antecessores. Essa mudança só não foi mais surpreendente porque, ao contrário do que se previa, uma vez chegado à Casa Branca, Trump não modificou o seu comportamento e o modo de actuar que tinham caracterizado a sua campanha eleitoral.

Continuou a utilizar o tweeter como meio de comunicação preferencial na sua busca incessante de “monsters to destroy”, para utilizar a expressão de John Quincy Adams.

Trump manteve nestes primeiros meses o tom acusatório, apontando o dedo a personalidades e instituições nacionais internacionais que considera verdadeiramente responsáveis por tudo o que de menos bom ocorre nos Estados Unidos: desde os acordos internacionais multilaterais, aos meios de comunicação social norte-americanos, passando pelo establishment liberal de Washington, tantas vezes criticado durante a campanha de 2016.

Em termos internos, os seus primeiros meses de mandato ficam marcados pela incapacidade de fazer avançar algumas das suas promessas mais emblemáticas durante a campanha para a presidência, como sejam a construção do muro na fronteira com o México e a revogação e substituição do Obamacare, processo que contou, aliás, com a oposição de figuras de relevo do partido Republicano.

O Presidente, contudo, suspendeu o chamado DACA, que autorizava o prolongamento da permanência dos filhos de imigrantes ilegais. Já nos primeiros dias de dezembro, Trump terá conseguido aquela que foi, porventura, a sua mais significativa reforma a nível interno: a aprovação pelo Senado da sua proposta de reforma fiscal.

A nível externo, Trump cumpriu o que anunciara promovendo o abandono de acordos e organizações multilaterais, como o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, a UNESCO, da qual, aliás, os EUA já tinham estado ausentes entre 1984 e 2002, e a política comum da ONU sobre migrações.

A sua viagem à Europa levou Angela Merkel a concluir que os europeus deviam, cada vez mais, ser senhores do seu destino. A nível externo, a tensão e a escalada do conflito verbal com a Coreia do Norte foi uma constante, conhecendo o seu ponto alto no primeiro discurso de Donald Trump na Assembleia-Geral das Nações Unidas, no qual apelidou Kim Jong-un de “Rocket Man”.

Por fim, o primeiro ano de Trump ficou também marcado pela instabilidade sentida dentro da própria administração, com demissões frequentes, desde o director do FBI, James Comey, até ao chefe de gabinete, Reince Priebus, e ao seu principal conselheiro, Steve Bannon, passando por dois porta-vozes da Casa Branca, como Sean Spicer e Anthony Scaramucci.


Não surpreende que Trump chegue ao fim de 2017 com uma taxa de aprovação abaixo dos 40%, muito inferior à dos seus antecessores em igual fase de mandato. Números que só podem ser matizados se considerarmos que no seu próprio partido Trump consegue ainda, segundo a Gallup, uns extraordinários 81% de aprovação.
Acontecimento do ano: transformações políticas na África subsariana
Um dos acontecimentos mais relevantes – e porventura mais inesperados – do ano de 2017 foi um conjunto de mudanças políticas registadas em África que afastaram do poder homens que governavam os seus países há décadas.

Na Gâmbia, o presidente Yahya Jammeh, após 22 anos no poder, foi derrotado em eleições que tiveram lugar ainda em 2016, sendo sucedido já em 2017 por Adama Barrow. Em Angola, apesar da continuidade do MPLA no poder, João Lourenço sucedeu a José Eduardo dos Santos após 38 anos de presidência.

No Zimbabwe, os militares afastaram Robert Mugabe, líder do país desde a sua independência em 1980, colocando no seu lugar Emmerson Mnangagwa.

No Quénia, apesar de Uhuru Kenyatta ter vencido as eleições, estas acabaram por ser anuladas pelo Supremo Tribunal e repetidas, semanas depois, sem a participação da oposição, que continua a contestar a legitimidade do Presidente.

Na Libéria, o poder judicial também impediu em 2017 a realização da segunda volta das eleições presidenciais, esperando-se uma decisão sobre o assunto ainda antes do final do ano.

A mudança na Gâmbia parece prometedora e sem dúvida que traz uma lufada de ar fresco a um país no qual a alternância democrática não tinha sido prática comum em anos recentes. O mesmo se pode aplicar a Angola e ao Zimbabwe.

No entanto, ainda é cedo para avaliarmos a dimensão e as consequências destas mudanças políticas e para podermos falar numa verdadeira “primavera africana”, com consequências para países como o Camarões ou a Guiné Equatorial, cujos presidentes estão há, respetivamente, 35 e 38 anos no poder.

Por um lado, alguns dos novos líderes apresentam um passado de participação em governos anteriores, por vezes com posições de destaque; por outro lado, como no caso de Angola, a mudança de Presidente não significou alternância partidária; por fim, o afastamento de Robert Mugabe não foi protagonizado por movimentos sociais ou por amplas manifestações de ruas.

Em grande medida, a intensidade dos “ventos de mudança” dependerá da capacidade de resistência das elites há muito instaladas no poder político e dominadoras do poder económico. No entanto, não é de excluir um eventual efeito dominó noutros países africanos, o que poderá trazer mudanças mais permanentes e consistentes.

A título de exemplo, refira-se o caso da África do Sul, onde o ANC se prepara para escolher um novo líder para substituir Jacob Zuma, cuja popularidade se encontra há muito em declínio devido a acusações de corrupção.

Ou o caso da República Democrática do Congo, cujas eleições foram adiadas para Dezembro de 2018 e onde Joseph Kabila parece querer perpetuar-se no poder. Nos primeiros meses de 2018, decorrerão ainda eleições locais na Guiné-Conacri (as primeiras desde 2005), eleições presidenciais na Serra Leoa, eleições regionais e municipais no Mali e eleições gerais no Zimbabwe.

Vai valer a pena estar atento em 2018 para saber se as mudanças no topo da hierarquia política registadas na Gâmbia, em Angola e no Zimbabwe trarão aos respectivos países as necessárias reformas políticas, sociais e económicas e se serão capazes de gerar um efeito de contágio noutros países africanos.
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