Viagem pelos umbiguismos europeus

Bernardo Pires de Lima visitou as 28 capitais da União Europeia. Durante 11 meses calcorreou muitos milhares de quilómetros de avião, de comboio, de autocarro e a pé. Nestes tempos de incerteza, quis saber in loco o que sentem e o que pensam os povos europeus. Cada cidade é um caso, mas há muitos casos comuns. O investigador de assuntos internacionais anotou um defeito geral: «o umbiguismo inebriante, perigoso etnocentrismo militante que nos tira perspectiva, relevância e influência». Não podia ser mais assertivo.

Quando olhamos para o futuro europeu deparamos para uma enorme dificuldade de resposta à exigência dos desafios. Não é apenas uma questão de ritmo, é mesmo um défice pronunciado de convicção.

Marcelo Rebelo de Sousa discursou há poucos dias em Florença e mostrou-se preocupado com a falta de ambição europeia. Com o Brexit no horizonte, o orçamento da UE é curto de ambição, injusto na coesão e nas assimetrias da moeda única.

A solidez do projecto europeu está em risco. E os recursos financeiros comuns são apenas uma prova palpável. O pressuposto democrático, com os respectivos freios e contrapesos, revela um desgaste inusitado em muitas paragens. É já a separação de poderes e até o estado de direito que se põem em causa.

Com eleições para o Parlamento Europeu no horizonte podem vir aí maiores representações populistas. Como diz Bernardo Pires de Lima no livro que regista as suas viagens pelo nosso interior («O Lado B da Europa», Tinta da China), «a história dos últimos 60 anos não pode ser reduzida a lirismos romantizados sobre o ‘projecto europeu’, o ‘sonho dos pais fundadores’ ou a ‘solidariedade europeia’. Foi muito mais crua, suja e política do que isso».

Foi. Nem por isso podemos desistir de dar esperança ao muito que construímos em comum.

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