Armando Vara pede suspensão de mandato no BCP

Armando Vara requereu esta terça-feira a suspensão do seu mandato como vice-presidente do Millennium BCP, confirmou o banco liderado por Carlos Santos Ferreira. O pedido do antigo governante socialista foi formalizado depois de o presidente do BCP ter dito que as notícias sobre o processo Face Oculta estavam a prejudicar a imagem da instituição.

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"O sector realmente precisa de exemplos", reagiu o governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio RTP

O pedido de Armando Vara, um dos 14 arguidos do processo Face Oculta, foi comunicado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) pelo presidente do Conselho Geral e de Supervisão do Millennium BCP. Na nota, o responsável indica ter recebido esta terça-feira, "com efeitos imediatos, um pedido de suspensão do mandato como vice-presidente e membro do conselho de administração executivo".

O Conselho Geral e de Supervisão do Banco Comercial Português, lê-se no comunicado de Luís de Melo Champalimaud, vai abordar o afastamento de Vara durante uma reunião agendada para 11 de Novembro.

O comunicado do órgão de supervisão do BCP surge poucas horas depois de o presidente do banco ter reconhecido que os desenvolvimentos da operação Face Oculta levantavam uma "questão de idoneidade e de oportunidade". À margem de uma conferência na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Carlos Santos Ferreira remetia os "juízos" decorrentes da condição de arguido para o próprio Armando Vara e para o Banco de Portugal.

"Os órgãos sociais, na minha opinião, estão a funcionar e é isso que é relevante. As notícias que tem havido sobre esta matéria não são boas para a imagem do banco", sublinhava ainda o administrador.

Suspensão de mandato "foi muito importante"

O governador do Banco de Portugal já reagiu ao pedido do antigo governante socialista. Para Vítor Constâncio, "foi importante que Armando Vara tivesse suspendido o seu mandato". Isto porque "o sector bancário precisa de exemplos".

"O sector realmente precisa de exemplos e, felizmente, tem sido possível em vários casos identificar as irregularidades, por vezes com atrasos, porque as coisas estão bem escondidas", vincou o responsável pelo organismo de supervisão, adiantando que tem estado em contacto com a Procuradoria-Geral da República e com Carlos Santos Ferreira: "Solicitei todas as informações e tive a garantia do Procurador-Geral da República de que haverá um espírito de cooperação dentro dos limites da lei".

"A melhor dissuasão para o futuro é de facto a capacidade que as autoridades tiverem para punir as irregularidades. Neste caso, não há ainda uma prova visto que há apenas uma suspeição que levou à constituição de arguidos", enfatizou Constâncio.

O pedido de suspensão de mandato estende-se à presidência do Millenium Angola e à vice-presidência do Banco Internacional de Moçambique, segundo uma fonte próxima do processo citada pela agência Lusa.

Investigações internas
A operação Face Oculta, desencadeada na passada quarta-feira pela Polícia Judiciária, envolveu três dezenas de buscas domiciliárias e a locais de trabalho. A investigação incide sobre indícios de crimes económicos alegadamente praticados por um grupo com sede em Ovar, do qual faz parte a empresa O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais. É a esta entidade que está ligado Manuel Godinho, o único arguido em prisão preventiva.

As diligências da polícia de investigação criminal levaram à constituição de 14 arguidos, entre os quais Armando Vara, antigo secretário de Estado da Administração Interna no Executivo de António Guterres, José Penedos, presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), e o seu filho Paulo Penedos, advogado da empresa de Manuel Godinho SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica S.A.

O mandado judicial revelado na semana passada pela RTP aponta vários contactos de Manuel Godinho com quadros de algumas das empresas participadas pelo Estado que se encontram agora sob o escrutínio das autoridades judiciais. No centro da investigação permanece a REN e José Penedos, constituído arguido na segunda-feira. O presidente da Rede Eléctrica Nacional, que deverá ser ouvido em tribunal na próxima semana, está indiciado de vários crimes de corrupção em que o filho terá protagonizado uma acção directa, de modo a favorecer os negócios do empresário do Norte.

Nos termos do mandado, Manuel José Godinho é referido como o mentor de um esquema "tentacular" que terá permitido beneficiar um grupo de empresas na adjudicação de concursos e consultas públicas relativas à recolha e à gestão de resíduos industriais. A rede teria por objectivo assegurar negócios com as principais empresas participadas pelo Estado, mediante o pagamento de luvas ou a oferta de bens valiosos, incluindo dois automóveis de alta cilindrada apreendidos pela Polícia Judiciária de Aveiro, que o empresário terá dado a dois quadros de empresas em que o Estado é accionista único.

A par das diligências judiciais decorrem inquéritos internos em quase todas as empresas com participações do Estado envolvidas no processo. São exemplos a petrolífera Galp, a REN e o grupo da indústria do papel Portucel Soporcel.

Face Oculta chega à EMPORDEF

Uma das empresas citadas no processo Face Oculta é a EMPORDEF, uma holding da indústria de defesa que gere as participações sociais do Estado em sociedades ligadas ao sector. O presidente da empresa confirmou, nas últimas horas, o envolvimento de um alto quadro na investigação, adiantando que está em marcha uma auditoria interna.

"Nós, como outras empresas, já determinámos um inquérito para apurar se há algum problema", indicou hoje António Jorge Rolo, à margem de uma visita do Presidente da República à Base Aérea do Montijo. A empresa, disse o responsável, teve conhecimento na passada quinta-feira do envolvimento de um administrador da Indústria de Desmilitarização da Defesa (IDD), "indicado como um dos arguidos": "Soubemos pelo próprio que foi envolvido".

De acordo com a edição de terça-feira do Jornal de Negócios, funcionários da EMPORDEF e da empresa Estradas de Portugal terão sido objecto de subornos com vista a favorecer Manuel Godinho na adjudicação de contratos.

Cavaco Silva em silêncio

Confrontado com os desenvolvimentos do caso, Cavaco Silva apoiou-se no "princípio da separação de poderes" para se recusar a tecer quaisquer comentários.

"Entendo que, no respeito pelo princípio de separação de poderes, não devo fazer qualquer comentário sobre processos em curso que estão a ser investigados por entidades judiciárias", declarou o Presidente da República.

Por sua vez, o ministro da Defesa escusou-se a abordar "questões de Justiça". Augusto Santos Silva confirmou, porém, ter sido informado de que "a EMPORDEF já iniciou processos de auditoria interna para verificar se em alguma das empresas suas participadas foi cometida alguma ilegalidade". Adiante disse crer "que não se possa falar de um envolvimento da empresa".

"Evidentemente que os processos judiciais que estão em curso devem seguir o seu caminho e as investigações devem apurar se existiu alguma irregularidade ou a prática de algum crime e os responsáveis devem ser chamados à Justiça", concluiu Santos Silva.

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