Grupo Portucel Soporcel realiza inquérito interno

por RTP
O empresário Manuel Godinho, único arguido detido pela Polícia Judiciária, vai aguardar julgamento em prisão preventiva Paulo Novais, Lusa

O grupo Portucel Soporcel, da indústria de produção de papel, revelou este sábado que tem em curso uma investigação interna para fazer um "levantamento exaustivo" de eventuais relações entre os seus funcionários e as entidades empresariais detidas por Manuel Godinho, o alegado responsável pela rede tentacular investigada na operação "Face Oculta".

Perante os desenvolvimentos da operação "Face Oculta", que já levou à constituição de 14 arguidos, a Portucel Soporcel promete "desencadear os processos disciplinares internos que se justifiquem, caso venham a ser apurados factos que confirmem a ligação de qualquer funcionário das empresas" pertencentes ao grupo.

"A Direcção de Auditoria Interna irá prosseguir com o levantamento já em curso e a Comissão Executiva irá solicitar junto das entidades judiciárias toda a informação que possa ser obtida", adianta o grupo numa nota citada pela agência Lusa.

O grupo da indústria do papel assegura que os eventuais processos disciplinares internos "serão levados até às últimas consequências, dentro do quadro normativo aplicável".

Manuel Godinho em prisão preventiva

Manuel José Godinho é para já o único arguido detido no decurso da operação "Face Oculta". O empresário, que vai aguardar julgamento em prisão preventiva, é acusado de vários crimes económicos e apontado como o mentor de um esquema que terá beneficiado um grupo de empresas na adjudicação de concursos e consultas públicas relativas à recolha e à gestão de resíduos industriais.

A investigação da Polícia Judiciária incide sobre alegados crimes económicos cometidos por um grupo de Ovar que inclui a O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais, empresa a que está ligado Manuel Godinho.

Durante a operação, efectuada na quarta-feira em diferentes pontos do país, os agentes da polícia de investigação criminal procederam a três dezenas de buscas domiciliárias e a postos de trabalho de empresas com participações do Estado. Na noite de sexta-feira, ao cabo de várias horas de interrogatório no Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro, o empresário viu ser-lhe aplicada a medida de coacção mais pesada.

O mandado judicial, a que a RTP teve acesso, refere que a alegada rede teria por objectivo assegurar negócios com as principais empresas participadas pelo Estado, mediante o pagamento de luvas ou a oferta de bens valiosos, incluindo dois automóveis de alta cilindrada apreendidos pela Polícia Judiciária de Aveiro, que Manuel Godinho terá dado a dois quadros de empresas em que o Estado é accionista único.

Armando Vara e José Penedos no conjunto de arguidos

Entre as 14 pessoas constituídas arguidas estão o presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), José Penedos, o seu filho Paulo Penedos, que é advogado da empresa de Manuel Godinho SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica S.A., e Armando Vara, vice-presidente do Millennium BCP e antigo secretário de Estado da Administração Interna no Executivo socialista de António Guterres.

A RTP apurou que Armando Vara mantinha contactos frequentes com o empresário Manuel Godinho. A relação de alegado favorecimento terá começado em 1998, durante a Exposição Internacional de Lisboa, quando o socialista integrava o Governo de Guterres. E terá perdurado até à actualidade, com Armando Vara na administração do Millennium BCP.

Os relatos de vigilância obtidos pela RTP reportam-se a vários quadros superiores e envolvem quase todas as empresas públicas, da EDP à Petróleos de Portugal. Referem mesmo um alegado pagamento pedido por Armando Vara e concretizado no seu gabinete na sede do banco em Lisboa: "Por fim, Armando Vara solicitou a Manuel Godinho dez mil euros em numerário pelas diligências por si encetadas".

Constâncio atento a Vara

O governador do Banco de Portugal mandou entretanto averiguar o papel alegadamente desempenhado por Armando Vara no processo "Face Oculta". Na condição de regulador, Vítor Constâncio quer saber se está em causa a credibilidade do gestor e se os fundos confiados ao Millennium BCP estão acautelados.

Armando Vara mantém-se, para já, em silêncio. Num comunicado aos colaboradores do banco, porém, afirmou-se inocente e "seguro de que a investigação em curso confirmará que as suspeitas levantadas carecem de qualquer fundamento".

Para a administração do banco, não se verifica quebra de confiança. Em comunicado remetido à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o presidente do BCP, Luís de Melo Champalimaud, garantiu ainda a defesa dos interesses da instituição.

Negócios com autarquias sob investigação
A RTP sabe que estão também a ser investigados negócios de Manuel Godinho com várias autarquias, entre as quais a Câmara Municipal de Gouveia - o edifício da autarquia foi assaltado, mas o presidente da Câmara considera excessiva qualquer ligação ao processo "Face Oculta".

A Câmara Municipal de Gouveia admite ter realizado um negócio com a O2, empresa ligada a Manuel Godinho, garantindo no entanto o "cumprimento escrupuloso" da legalidade.

"Em Janeiro de 2009, o Município de Gouveia efectuou uma consulta a seis empresas para encaminhamento de resíduos VFV (Veículos em Fim de Vida). A esta consulta responderam três empresas, sendo que a proposta mais favorável(...) foi apresentada pela O2 Ambiente - Tratamento e Limpezas Ambientais SA, pelo valor de 400 euros", adianta a autarquia em comunicado.

A Câmara reitera "a transparência e cumprimento escrupuloso dos trâmites legais neste único processo relativamente à empresa referida".

Instado a reagir, na sexta-feira, aos resultados da investigação, o primeiro-ministro, José Sócrates disse aos jornalistas que não se pronuncia sobre processos judiciais.

À margem de um almoço-convívio na Quinta da Atalaia, o secretário-geral do PCP pediu hoje, por seu turno, o "apuramento da verdade e o fim da impunidade nestes casos". "Mantendo como princípio que ninguém deve ser condenado sem ser julgado, é fundamental o apuramento da verdade, o prosseguimento da investigação com conclusões e o julgamento justo. Hoje existe, por parte da maioria dos portugueses, um sentimento de impunidade em relação a alguns, como se a justiça não fosse igual para todos, como se esse princípio constitucional não existisse", sublinhou Jerónimo de Sousa.

O Bloco de Esquerda, pela voz de João Semedo, defende uma "completa autonomia" no processo de investigação da operação "Face Oculta" e acusa o Governo de ter impedido a aprovação de medidas de combate à corrupção nos últimos quatro anos.

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