Cartoonista António nega antissemitismo e defende o direito à crítica

O cartoonista António, há décadas a publicar no semanário Expresso, viu o seu trabalho envolvido em polémica depois de o New York Times ter publicado e logo de seguida “despublicado” um trabalho seu com uma nota a lamentar o alegado teor anti-semita do cartoon. António rejeita a ideia de antissemitismo, reafirmando antes a ideia de uma crítica expressa à política expansionista de Telavive.

Paulo Alexandre Amaral - RTP /
DR

Há décadas a pontuar nas páginas do Expresso, António é um cartoonista premiado internacionalmente, podendo ler-se na sua entrada na Wikipédia uma definição do próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa: “Melhor caricaturista político da ainda jovem Democracia portuguesa”.

O seu trabalho de 19 de Abril está, contudo, sob os holofotes internacionais por alegada carga anti-semita. À RTP, António rejeitou essa ideia, sublinhando que o trabalho é antes uma crítica à política de “um Estado expansionista” que há muito cultiva esta estratégia, “muito conveniente”, de alimentar a confusão entre o que é antissemitismo e anti-sionismo.

“É fundamental separar as águas do que é a política de Israel e o que é o antissemitismo”, declarou o cartoonista.

O cartoon republicado na última quinta-feira pelo NYT – António acredita que o jornal norte-americano terá chegado a este trabalho a partir do Courrier Internacional – chegou este fim-de-semana à Casa Branca. O primeiro ataque partiu do filho mais velho de Trump, Donald Trump Jr.

Num tweet, Trump Jr. afirma: “Não tenho palavras para o flagrante antissemitismo aqui exposto. Imaginem se isto não estivesse num jornal de esquerda?”; e reproduz outros tweets que criticam o trabalho de António.


Foi um dia até que o próprio presidente abrisse a sua conta para também ele atacar a decisão do NYT de publicar o trabalho do cartoonista português. Donald Trump refere-se ao episódio como “o ponto mais baixo do jornalismo” do New York Times, dizendo tratar-se de um “terrível cartoon anti-semita”.




Confrontado com o tweet de Donald Trump, António desvalorizou a crítica do presidente norte-americano, “um comentário que é de quem o faz”, com um conceito de jornalismo assente nas “fake news”.

Entre as duas publicações da família Trump no Twitter já entretanto o NYT se retractara numa declaração pública: “Um cartoon político na edição internacional impressa do NYT na quinta-feira incluía uma mensagem antissemita (…) A imagem era ofensiva, e foi um erro publicá-la".




O cartoonista lamenta a polémica, mas em particular o que considera uma tentativa de silenciar as críticas ao que – reafirma – são políticas erradas do Estado de Israel e essa estratégia montada (por Telavive e Washington) para que não se fale desses assuntos incómodos da ocupação sionista na Palestina e nos Montes Golan.

À questão sobre a atitude que devem manter os jornalistas que abordam estas temáticas, António não tem dúvidas: “O jornalista tem de ter coragem. E, quando necessário, fazer a crítica às políticas desses Estados”.

Entretanto, ao final da tarde, também o Expresso veio assumir uma posição editorial, reafirmando a defesa da "liberdade de expressão e de opinião, princípios dos quais não abdicamos".

Concretamente sobre o cartoon de António, o documento afirma tratar-se de "um espaço de opinião onde, neste caso, o autor reflete a sua visão da política externa dos Estados Unidos".  E acrescenta: "Entendemos que o mesmo não inclui, nem propaga, qualquer mensagem antissemita".

A isto acrescenta o Expresso que "nunca foi intenção retratar Israel ou a religião judaica e o seus fiéis de forma menos digna.”

O cartoonista António não é alheio a polémicas. É conhecido o cartoon do papa João Paulo II com um preservativo no nariz, na altura uma crítica mordaz contra as ideias defendidas pelo Vaticano de que a abstinência era a melhor arma contra a propagação da sida.

Numa abordagem anterior às políticas israelitas, já antes António retratara os massacres de Sabra e Chatila com uma imagem de soldados israelitas mimetizados em uniformes nazis com estrelas de David no lugar das suásticas. Nesse cartoon, os soldados apontam as armas a uma criança e vários outros palestinianos, uma cena que evocava a agressão aos judeus no Gueto de Varsóvia.

Na altura, vencedor do Salão Internacional do Cartoon de Montreal, o trabalho de António seria visado pela forte comunidade israelita do Canadá, mas o júri não recuou na sua decisão.
PUB