Vegetais em boas condições para consumo recolhidos do caixote do lixo Marta Jorge - RTP

Comida ao Lixo. As toneladas de alimentos que desperdiçamos

O mundo desperdiça um terço dos alimentos produzidos. Na cadeia alimentar há fugas desde o produtor ao consumidor. Só em Portugal, cerca de um milhão de toneladas de alimentos em bom estado acaba no lixo.

Grande reportagem do Linha da Frente que pode ver aqui na íntegra.

São nove da noite no centro de Lisboa, hora de fecho da maioria de supermercados de rua. Minutos depois os caixotes do lixo são colocados no passeio.

Debaixo da tampa de plástico escondem-se quilos de produtos alimentares em bom estado: pão, bolos, fruta, vegetais, iogurtes, peixe, carne.

“Não faz sentido nenhum”, diz Anna Masiello. A italiana a viver em Portugal resgata todas as semanas comida do lixo. Não por necessidade. “Eu tenho dinheiro suficiente para ir ao supermercado e comprar“, mas por consciência ambiental.

Sob luz do telemóvel, Anna e os amigos fazem dumpster diving, um mergulho no lixo. “Às vezes encontro centenas de euros de comida num caixote. É só abrir e encontras comida para 15, 20 pessoas só numa noite. Qual numa noite! Em 15 minutos”.
 

Dumpster diving em frente a vários supermercados em Lisboa. | Marta Jorge - RTP
O mundo produz mais alimentos do que consome. Segundo as Nações Unidas um terço dos produtos alimentares vai para o lixo. Na cadeia do desperdício todos são responsáveis, desde o produtor ao consumidor.
Ditadura da beleza vegetalLúcia Silva gere com o marido uma produção de hortícolas: “Isto dá muito trabalho, muita despesa. Se houver mudanças de temperatura, como este ano, as culturas ficam logo com determinados defeitos e depois já não conseguimos vender. Hoje em dia, no mercado, o que interessa é a aparência”.
Por semana, o campo na região de Loures produz cerca de 500 quilos de feijão-verde, mas 200 quilos nunca chegam a entrar no mercado convencional, porque não têm o tamanho ou a aparência considerada normal. “Passávamos-lhe o trator”, lembra a produtora agrícola.

O concurso de beleza vegetal deixa na terra toneladas de fruta e legumes em todo o país, em todo o mundo.

Há cerca de um ano Lúcia juntou-se à Fruta Feia, uma cooperativa sem fins lucrativos que recolhe e distribui os vegetais imperfeitos que os grandes supermercados deixaram para trás.
Prazos de validadeNos supermercados e em casa, são os prazos de validade as maiores catapultas de alimentos em bom estado para o lixo.

Na indicação de fim da vida dos produtos há dois mundos distintos: “consumir de preferência antes de” ou “consumir até” uma determinada data.

No caso dos rótulos “consumir de preferência antes de”, não está em causa a segurança alimentar e os produtos podem ser consumidos após essa data. Já os produtos com o rótulo “antes de” não podem ser consumidos depois do dia indicado. São sobretudo os frescos, como leite, iogurtes, carne ou peixe.

Os custos do desperdícioOs maiores responsáveis pelo desperdício alimentar são os consumidores, segundo o estudo Fusions da União Europeia.

“Todos deitamos um bocadinho nem que seja um bocadinho”, avança a investigadora Iva Pires. A autora do Perda, o único estudo sobre desperdício em Portugal, propõem uma multiplicação: “Se cada uma das famílias deixar apodrecer uma pera ou uma maçã, como somos quatro milhões de famílias nessa semana estamos a falar de 4 milhões de peças de fruta, de peras ou maçãs, desperdiçadas”.

Em 2012, a altura em que foi realizado o estudo, Portugal desperdiçava cerca de um milhão de toneladas de alimentos por ano.

Por cada alimento não aproveitado vão para o lixo recursos naturais e dinheiro.



“Aquilo que mais se desperdiça nas nossas casas são os produtos hortícolas, a fruta e o pão”, afirma a Helena Real. A secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição acrescenta que “os portugueses compram muito por impulso, muito associado às promoções dos produtos e isso faz com que comprem mais quantidade do que precisam.Como reduzir o desperdícioO planeta mobiliza-se para encontrar alternativas e Portugal não fica atrás.

As grandes superfícies tentam minimizar as perdas. Colocam etiquetas com depreciação de preço, reaproveitam alguns alimentos e, sobretudo, doam produtos danificados ou em fim de vida. Milhares de alimentos são distribuídos todos os dias por instituições de apoio social em todo o país.

Na comida confecionada, associações como a Dariacordar e a Refood recolhem e oferecem refeições a quem mais precisa.

No mundo digital, várias aplicações - como a To Good to Go e a Phenix -  oferecem excedentes de restaurantes a preços reduzidos e encontra-se um supermercado diferente. A Good After vende alimentos com embalagens descontinuadas, perto do fim de validade ou mesmo fora de prazo. No armazém do supermercado, no Porto, encontram-se produtos com a validade expirada há meses ou mesmo anos. Nas prateleiras saltam à vista umas bolachas salgadas com prazo preferencial de 2017. Chantal Gispert, uma das co-fundadoras do projeto, abre o pacote e mostra a crocância: “São fantásticas como no primeiro dia. Estão óptimas, porquê deitar fora?”.