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Crise sísmica nos Açores. Atividade diminui mas autoridades mantêm alerta

por Andreia Martins - RTP
David Moir - Reuters

Depois de uma noite de sobressalto, o pior já terá passado em São Miguel, nos Açores. Centenas de sismos de pequena magnitude - pelo menos 300 - foram registados desde a madrugada de segunda-feira e ao longo do dia, com uma diminuição de eventos durante a tarde. Destes, cerca de 30 foram sentidos pela população. Não há registo de quaisquer danos, mas a atividade sísmica deixou autoridades e população em alerta.

Os abalos diminuíram de frequência e de intensidade, mas a atividade sísmica na zona central da ilha de São Miguel, nos Açores, mantém-se “acima dos valores de referência” segundo informa o Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica nos Açores (CIVISA), o sistema da região para vigilância da atividade sísmica e vulcânica.  
 
João Luís Gaspar, do CIVISA (Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica nos Açores) confirmava a diminuição da atividade sísmica na zona centra de S. Miguel durante o dia depois de uma atividade mais intensa de madrugada.

Ao início da noite, em declarações à RTP, notava a diminuição em termos de frequência mas também na sua magnitude. O último sismo sentido aconteceu perto das 13h00 (hora local).

"A atividade que estamos a registar está ainda acima daquilo que são os valores de referência para esta zona dos Açores. Isso leva-nos a crer que nas próximas horas teremos mais registos de microssismos neste setor de São Miguel", refere.

Apesar de se tratarem de eventos de baixa magnitude, em grande parte inferiores a 3 na escala de Richter, cerca de 30 sismos foram sentidos devido aos epicentros bastante próximos de zonas habitadas, entre o Congro e a Ribeira do Fogo, na região central de São Miguel. 

Várias povoações sentiram os abalos, com destaque para Vila Franca do Campo, na zona sul da ilha, onde os eventos foram registados com maior intensidade. 

Entre as centenas de sismos, o mais forte foi registado às 6h18 (hora local), com intensidade V na Escala de Mercalli modificada. O primeiro sismo desta crise foi registado pouco depois da meia-noite. Das várias centenas de sismos, a população terá sentido cerca de 30. 

Segundo a descrição do IPMA, este é considerado um sismo “forte”, que pode ser sentido fora de casa, pode derrubar objetos e acordar as pessoas.  População deve ficar “atenta e vigilante”
De facto, houve quem passasse a noite em claro. A Proteção Civil recebeu várias chamadas da população que pediam informação sobre os sismos.  

Carlos Neves, da Proteção Civil dos Açores, recomenda à população que permaneça calma, mas que se mantenha “atenta e vigilante” perante a possibilidade de novas réplicas.

De resto, as autoridades aconselham a população para analisar se as casas sofreram danos graves com os abalos e abandonar o espaço caso suspeitem que não oferece as condições de segurança necessárias.  

A população não deve acender fósforos ou isqueiros de forma a evitar fugas de gás e o especial cuidado com os circuitos de gás, eletricidade ou água. O uso de elevadores deve ser evitado, alertam as autoridades.  

A zona de fratura que atravessa o território insular sofreu forte atividade de uma forma que já não era registada há 13 anos. Nessa altura, em 2005, viveu-se uma crise sísmica idêntica, precisamente na mesma zona. João Luís Gaspar, do CIVISA, explica que a crise sentida em 2005 foi "mais complexa" e durou vários meses.

João Fonseca, diretor técnico do co-laboratório para as Geociências, explica que nessa altura os eventos resultaram da movimentação de magma de profundidade.  

Sobre a crise sísmica desta segunda-feira “não há ainda informação suficiente para se avaliar se a atividade sísmica representa movimentação de magma em profundidade ou se é apenas uma atividade tectónica, ou seja, deslizamento numa falha”, explica o responsável.
Entre três placas tectónicas
O professor e investigador Mário Lopes, do Instituto Superior Técnico, considera que a região desta crise está sujeita a este tipo de eventos e que a população se deve manter “com atenção redobrada” e seguir os conselhos da Proteção Civil.

De acordo com o especialista, a construção e preparação dos Açores para situações desta natureza é superior à registada no Continente.  

Mário Lopes lembra que o Governo dos Açores tem seguido de forma mais rigorosa as regras técnicas para a resistência sísmica depois do sismo de 1998, no Faial., que deixou grande parte do parque habitacional daquela ilha destruído.  

Miguel Miranda, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), reconhece que esta crise sísmica deve merecer uma atenção especial por parte das autoridades, população e investigadores.  

De realçar que o arquipélago dos Açores se situa num espaço geofísico de enorme complexidade, uma vez que se encontra na fronteira entre três placas tectónicas: a norte-americana, a euroasiática e a africana.

No caso de São Miguel, a ilha “tem um risco sísmico elevado”, ainda que os sismos recentes de maior magnitude nos Açores tenham ocorrido na ilha Terceira ou no Faial. É atravessada a meio pelo sistema Vulcano-tectónico do Folgo-Congro de norte a sul.

No entanto, o responsável alerta que a ilha de São Miguel é “particularmente ativa, em que a geodesia deteta movimentos internos à ilha significativos”.

Miguel Miranda recorda o sismo “destrutivo”, de intensidade X na escala de Mercalli, que ocorreu neste território no século XVI, mais precisamente entre 21 e 22 de outubro de 1522.  

O abalo, seguido de tsunami, provocou a destruição generalizada da ilha de São Miguel, sobretudo a zona de Vila Franca do Campo – naquela altura a capital da ilha - onde a atividade sísmica foi sentida esta segunda-feira com maior intensidade. Na altura terão morrido pelo menos três mil pessoas.  

Na obra do historiador Gaspar Frutuoso, aqui citada através do site do CIVISA, surgem várias referências a um acontecimento descrito como um “grandíssimo e espantoso tremor de terra” que foi sentido em toda a ilha. “Durou por espaço d’um credo, em que parecia que os elementos, fogo, ar e água, pelejavam no centro d’ela”, assinala o historiador e sacerdote.  

“Em uma só triste noite foram acabadas muitas vidas e ficou tudo tão coberto que nem nobres casas, nem altos edifícios, nem sumptuosos templos, nem nobres e vulgares pessoas pela manhã apareceram, ficando tudo raso e chão, sem sinal nem mostra onde vila estivesse”, pode ler-se em trechos da obra “Saudades da Terra” (1586). 

Para além da crise sísmica nos Açores desta segunda-feira, o Continente tem registado vários sismos assinaláveis desde o início do ano, com destaque para o que ocorreu no passado dia 15 de janeiro, com epicentro em Arraiolos, numa magnitude de 4,9 na escala da Richter. 
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