Despachos sobre escutas a Vara criticam juiz de Aveiro

por RTP
Os despachos de Noronha Nascimento, datados de 3 de setembro e de 27 de Novembro, foram agora tornados públicos André Kosters, Lusa

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sustentou, nos despachos sobre as escutas de conversas telefónicas ente Armando Vara e José Sócrates, que "o conteúdo" das gravações não consubstanciavam uma "dimensão de ilícito penal". Noronha Nascimento teceu também críticas ao juiz de instrução criminal de Aveiro por ter dado "sequência a conhecimentos fortuitos".

O "conteúdo" das escutas ao antigo ministro socialista Armando Vara que envolveram o primeiro-ministro, "se pudesse ser considerado, não revela qualquer facto, circunstância, conhecimento ou referência susceptíveis de ser entendidos ou interpretados como indício ou sequer como uma sugestão de algum comportamento com valor para ser ponderado em dimensão de ilícito penal". Foi com base nesta argumentação que o presidente do STJ declarou nula, há quatro meses, a validação, por parte do juiz António Costa Gomes, da extracção de cópias das gravações e decretou a eliminação dos respectivos suportes.

Nos dois despachos sobre o processo Face Oculta, cujo conteúdo é citado pela agência Lusa, Noronha Nascimento conclui, com base no que "é salientado pelo Ministério Público na posição que tomou no processo", que os "produtos não continham qualquer interesse quanto aos factos averiguados no processo em que foi autorizada a intercepção". Os suportes, prossegue o juiz conselheiro nos documentos agora tornados públicos, "devem ser destruídos, porquanto afectam o direito à palavra e à autonomia informacional do titular de função de soberania especialmente protegida".

Adiante o presidente do Supremo deixa uma crítica ao magistrado António Costa Gomes: "A decisão do JIC [juiz de instrução criminal], ao retirar consequências de conversações interceptadas em que interveio o primeiro-ministro, valorando e dando sequência a conhecimentos fortuitos revelados por uma conversação, viola as regras da competência material e funcional (...) sendo, consequentemente, nula".

Os "conhecimentos fortuitos" constituem "aqueles elementos informacionais colhidos de conversações ou comunicações interceptadas, que são estranhas ao objecto de investigação cuja natureza justificou a intercepção".

Sócrates interceptado em 11 escutas a Vara

Segundo a Procuradoria-Geral da República, José Sócrates foi interceptado em 11 das escutas telefónicas a Armando Vara no âmbito da investigação a indícios de corrupção e outros crimes económicos praticados por uma alegada "rede tentacular" encabeçada pelo empresário de Ovar Manuel Godinho, com ligações a empresas de capitais públicos.

Numa primeira fase, a 26 de Junho e a 3 de Julho, o Procurador-Geral da República recebeu duas certidões do Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro extraídas do processo. O primeiro-ministro, lia-se a 14 de Novembro numa nota do gabinete de Pinto Monteiro, intervinha em seis das escutas transcritas, num total de 23 discos. As certidões seriam remetidas a 23 de Julho ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com a Procuradoria-Geral a suscitar "a questão da validade dos actos processuais relativos à intercepção, gravação e transcrição" das conversas em causa, embora tenha considerado que "não existiam indícios probatórios que levassem à instauração de procedimento criminal".

As certidões e os respectivos suportes em CD chegaram à secretária de Noronha Nascimento a 4 de Agosto. Daí a um mês era assinado um despacho a declarar nula a validação, por parte do juiz de instrução criminal de Aveiro, da extracção de cópias das gravações e a decretar a destruição dos suportes.

Quanto às restantes cinco escutas, Pinto Monteiro voltaria a argumentar que não existiam "elementos probatórios" a justificar "a instauração de procedimento criminal" contra José Sócrates, tendo ordenado o arquivamento dos documentos.

"Decisões integrais" de Noronha Nascimento

Numa nota emitida há uma semana, Pinto Monteiro indicava que as "decisões integrais" do presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre as escutas do processo Face Oculta poderiam "ser consultadas por todos aqueles que provassem ter interesse legítimo".

Contudo, o Procurador-Geral da República deixava também claro que não permitiria o acesso às certidões do processo, argumentando que se impunha o "acatamento" da decisão de Noronha Nascimento sobre a nulidade dos documentos, "razão pela qual não é possível facultar o processo".

Nos despachos, Noronha Nascimento sublinha que, "quando o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro intervenham acidentalmente e como terceiros, em comunicações interceptadas, o OPC [órgão de polícia criminal] responsável operacionalmente pelo acompanhamento da intercepção deve comunicar o facto imediatamente ao Ministério Público, que por seu turno deve transmitir ao presidente do STJ, por intermédio do juiz do processo, o auto de intercepção, bem como os respectivos suportes físicos".

Competência do Supremo Tribunal de Justiça

A competência do presidente do Supremo Tribunal de Justiça para "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro e determinar a sua destruição", salienta Noronha Nascimento nos despachos citados pela Lusa, está prevista no Código de Processo Penal e decorre do "chamado acordo político-parlamentar sobre questões de Justiça", firmado entre socialistas e sociais-democratas.

Noronha Nascimento lamenta, por outro lado, que o acordo parlamentar não tenha acautelado "idêntico procedimento deferido aos presidentes dos Tribunais das Relações quando estivessem em causa os demais titulares de órgãos de soberania e magistrados judiciais e do Ministério Público a exercer funções em tribunais superiores".

Na sequência das investigações do processo Face Oculta foram constituídos 18 arguidos, entre os quais o antigo governante socialista e vice-presidente do Millennium BCP Armando Vara, que suspendeu as suas funções no banco, o presidente da REN - Redes Eléctricas Nacionais, José Penedos, que viu as suas funções suspensas por decisão do juiz de instrução criminal, e o seu filho Paulo Penedos, que é advogado da SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica S.A., do empresário Manuel Godinho, actualmente em prisão preventiva.

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