Ferreira Leite cita cenário de “seis meses sem democracia”

por Carlos Santos Neves, RTP
O PSD argumenta que Manuela Ferreira Leite se limitou a fazer uma crítica irónica à actuação do Governo Mário Cruz, Lusa

A presidente do PSD entrecortou esta terça-feira uma intervenção contra a implementação de reformas hostis às classes profissionais com a alusão a um cenário de “seis meses sem democracia”. As palavras de Manuela Ferreira Leite mereceram fortes críticas por parte do líder parlamentar do PS, que acusou a líder do maior partido da Oposição de ser detentora de uma “cultura autoritária”.

As afirmações da líder dos sociais-democratas foram proferidas durante um almoço organizado pela Câmara de Comércio Luso-Americana.

Depois de se referir à reforma do sistema de justiça como a “primeira prioridade” na política de resposta às dificuldades sentidas pelas empresas portuguesas, Manuela Ferreira Leite apontou baterias a José Sócrates, acusando o primeiro-ministro de hostilizar as diferentes classes profissionais para introduzir reformas.

A dada altura, a presidente do PSD questionou-se mesmo se não seria “bom” haver “seis meses sem democracia” para pôr o país “na ordem”.

“Quando não se está em democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se. E até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia. Mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia”, afirmou Ferreira Leite.

"Agora, em democracia, efectivamente, não se pode hostilizar uma classe profissional para de seguida ter a opinião pública contra essa classe profissional e então depois entrar a reformar, porque nessa altura estão eles todos contra”, prosseguiu a líder social-democrata.

“Não é possível fazer uma reforma da justiça sem os juízes, fazer uma reforma da saúde sem os médicos”, concluiu.

Manuela Ferreira Leite fez, por fim, um diagnóstico negro das reformas implementadas pelo Executivo de José Sócrates: “Qualquer político que pretenda alterar um sistema não o pode fazer contra esse sistema. Portanto, eu acho que estão arrumadas, no mau sentido, as reformas da Educação, Saúde, Administração Pública, Justiça. Fizeram-se umas coisitas, mas não é a reforma”.

PS capitaliza afirmações de Ferreira Leite

Na resposta às críticas de Manuela Ferreira Leite, o PS procurou cilindrar a ironia da líder social-democrata com a apologia da “ética” e da “técnica” da democracia.

“Não há ironia quando se apela a uma ideia de interrupção da democracia. A democracia custou muito a construir aos portugueses, é uma ética e uma técnica, uma forma de Governo e um conjunto de valores e um dos valores essenciais é o da liberdade”, afirmou o presidente do grupo parlamentar socialista, Alberto Martins.

No entender do dirigente socialista, “a democracia não pode ter intervalos de seis meses”.

“O contrário da democracia é a ditadura e só quem não sabe o que foi a ditadura pode admitir intervalos lúcidos para a democracia”, insistiu Alberto Martins, para quem a presidente do PSD produziu declarações “inaceitáveis”.

“A suspensão de um deputado [do PND] na Madeira, as declarações xenófobas sobre ucranianos e cabo-verdianos, a insensibilidade social com o aumento do rendimento mínimo e o silêncio cúmplice com o Banco Português de Negócios são traços distintivos de uma atitude não democrática e não responsável por parte da líder do PSD”, acusou.

Na mesma linha, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, instou Manuela Ferreira Leite a esclarecer a ideia de suspender a democracia por seis meses, sustentando que há "fundadas dúvidas" sobre a concepção de regime da líder social-democrata.

O PSD marcou entretanto uma conferência de imprensa para classificar de "imprópria" a reacção do líder parlamentar socialista.

Segundo o secretário-geral do partido, Marques Guedes, Manuela Ferreira Leite limitou-se a fazer uma crítica irónica à actuação do Governo.
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