Frente-a frente sem emoção entre Santana e Sócrates

por Agência LUSA
Fair-play entre adversários Lusa

Os líderes do PSD e do PS travaram um debate televisivo sereno, sem agressividade, embora tivessem dedicado a maior parcela dos 90 minutos de discussão à polémica em torno dos boatos da campanha eleitoral.

A estreia de um novo modelo de discussão terá condicionado a vontade de cada um dos protagonistas em interromper o adversário num debate moderado pelos jornalistas Ricardo Costa, Maria Flor Pedroso, José Gomes Ferreira e Rodrigo Guedes de Carvalho.

No único frente-a-frente entre os líderes dos dois maiores partidos, José Sócrates procurou orientar a discussão para o "julgamento" dos três anos de governação PSD/CDS, enquanto Santana Lopes tentou passar a imagem de um primeiro-ministro capaz de resistir às dificuldades em contraponto com o que considerou ter sido "a fuga de António Guterres".

Apesar da elevação do debate, o tema que motivou maior discussão e obrigou os candidatos a consumir mais tempo foi o dos boatos da campanha eleitoral, introduzido logo no início pela jornalista Maria Flor Pedroso.

"A pergunta não deve ser dirigida a mim", respondeu José Sócrates, voltando nas várias réplicas ao discurso do adversário a criticar as "alusões absolutamente brejeiras" de Santana Lopes a propósito de "boatos mentirosos" e a classificá-las como "uma página negra na vida do PSD".

Santana Lopes insistiu que não fez quaisquer insinuações relativamente à vida privada do seu adversário político e sustentou que a vida privada não deve contar para o voto.

"Também lhe quero dizer olhos nos olhos que o senhor tem sido levado ao colo por alguns sectores da sociedade", sublinhou o líder social-democrata, que voltou a não convencer o secretário-geral socialista, para quem o PSD faz "uma campanha negra, ainda por cima de forma cobarde", como disse mostrarem alguns dos cartazes da JSD.

Por outro lado, os líderes do PSD e do PS comprometeram-se a não aumentar os impostos, embora José Sócrates tenha assumido que também não os vai baixar.

"O caminho é o caminho do crescimento", defendeu o líder socialista, enquanto o presidente do PSD tentava demonstrar que as contas públicas começaram a entrar nos eixos e poderá a prazo haver margem para uma descida do IRC.

Antes de entrarem na questão da solidariedade para com os idosos, Sócrates lembrou que Durão Barroso prometeu um choque fiscal que ficou na gaveta e co-responsabilizou Santana Lopes pelo incumprimento desse objectivo.

José Sócrates voltou a garantir que a pobreza voltará à agenda política, prometendo que atribuirá uma prestação complementar às pensões dos idosos com rendimento inferior a 300 euros mensais.

"Não peçam a um socialista para virar a cara para o lado quando existe pobreza", frisou o secretário-geral do PS.

Santana Lopes tentou contrariar o seu rival político, afirmando que a convergência das pensões mais baixas com o salário mínimo posta em prática pela actual maioria prossegue a bom ritmo.

Santana Lopes e José Sócrates admitiram ir mais longe nas possibilidades de levantamento do sigilo bancário, mas divergiram quando se abordaram matérias como a despenalização do aborto, os casamentos e as adopções por casais homossexuais, a eutanásia e a clonagem.

O líder do PS garantiu que a alteração da lei que regula a interrupção voluntária da gravidez só poderá fazer-se através de um referendo nos mesmos moldes da consulta de 1998.

Santana Lopes introduziu então a questão dos casamentos homossexuais, da eutanásia e da clonagem, levando José Sócrates a afirmar que "esses não são os temas da agenda política".

"O dr. Santana Lopes não tente inverter a agenda", exclamou o secretário-geral do PS, ao que o presidente do PSD replicou: "Dizer que estes temas não estão na agenda não faz sentido! Então e o choque tecnológico? Estes temas estão na agenda política em Espanha, nos Estados Unidos e na maioria dos países europeus".

Num frente-a-frente sem surpresas ao nível das propostas políticas, José Sócrates propôs-se recuperar 150 mil empregos na próxima legislatura, desafiando Santana Lopes a explicar como foram perdidos 150 mil postos de trabalho nos últimos três anos.

Na resposta, o líder social-democrata socorreu-se de um gráfico para mostrar que o maior nível de desemprego ocorreu em 1996, quando António Guterres era primeiro-ministro.

Sócrates insistiu na co-incineração para o tratamento dos resíduos industriais perigosos, lembrando que o problema não foi resolvido nos últimos anos e tentando mostrar que muitos países europeus adoptaram exactamente a mesma solução.

Santana Lopes respondeu que "a maioria dos portugueses está de acordo com a decisão do Governo" de suspender a co-incineração, que classificou de "obstinação teimosa" do secretário-geral do PS.

No final, Sócrates voltou a reclamar a maioria absoluta para o PS e Santana a acusar o PS de estar a preparar uma aliança com o Bloco de Esquerda.

"Uma derrota é o PS perder as eleições. Quem ficar à frente é o partido que ganha as eleições", acentuou o secretário-geral dos socialistas, assegurando que o objectivo da maioria absoluta "não é para ter mais poder ou para desprezar as oposições", mas para dar a Portugal a estabilidade necessária.

Santana Lopes escusou-se a dizer qual será o "limiar mínimo" para se manter na liderança do PSD, em caso de derrota eleitoral, e acusou o PS de ter a mesma equipa de governo de António Guterres.

"A equipa do PS é a mesma que agora quer voltar depois das contas públicas estarem mais em ordem", argumentou.

"Esta oratória do PS no sentido da maioria absoluta é para levar a que não se diga com quem é que se coliga", acrescentou.

No final, nos poucos minutos reservados a uma declaração livre, Sócrates sublinhou: "Quero transmitir aos portugueses energia, uma ambição. Estou aqui porque acredito em Portugal e nos portugueses".

"Contem comigo. Eu atrevo-me também a dizer que conto convosco", concluiu Santana Lopes no encerramento do único frente-a-frente entre os dois candidatos a primeiro-ministro nas legislativas do próximo dia 20.

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