Monsanto. O pulmão verde lisboeta que nasceu há 90 anos

Situado a oeste da grande mancha urbana lisboeta, o Parque Florestal de Monsanto oferece atualmente um vasto espaço para lazer, desporto e muito ar puro. Mas nem sempre foi assim.

Este espaço verde apresentava-se, há menos de um século, árido e desértico, após anos de exploração cerealífera que secou os cerca de mil hectares que agora se apresentam com mais vida e biodiversidade.


Hoje com mais de 250 mil árvores, cerca de dez hectares de reserva para a conservação da biodiversidade e 15 miradouros panorâmicos, Monsanto convida a conhecer e recebe com gosto todos os que o procuram. E para os amantes do desporto aventura, corridas e passeios pedestres, a manta natural tem para oferecer 88 quilómetros de trilhos, três rotas técnicas de BTT, um parque infantil temático, vários jardins e um centro de interpretação que dá a conhecer o que existe por aqui e toda a história dos últimos 90 anos.
Monte-Santo

Replantado em 1934, o parque natural de Monsanto, instalado numa das mais pronunciadas colinas de Lisboa, esconde agora no meio do vasto arvoredo as cicatrizes de um passado menos vistoso, que os séculos passados impuseram a este espaço.

No passado este espaço ofereceu à cidade e à população de Lisboa muito do que hoje pisamos. A maioria do granito existente na calçada portuguesa que cobre a capital veio de uma pedreira ainda hoje ali rasgada.

Mas não só. Foi também este “Monte-santo” que alimentou a população durante décadas com culturas intensivas de cereal que tornaram este lugar, num espaço desértico e árido.
Embora não se conheça com precisão a raiz do nome e apenas associação, o mesmo sugere que este espaço possa ter sido palco de rituais sagrados. Embora diversos investigadores atribuam a sua origem à concessão de uma parcela do seu terreno, feita por D. Dinis, a um conde, de apelido Castro, oriundo da vila de Monsanto.

Do conhecimento que só a serra guarda, resta-nos apenas a certeza de que, nas suas encostas, a presença humana foi uma constante desde a Pré-História.

Constituído por um núcleo central de calcário, envolvido por um manto de basalto, o solo de Monsanto foi, durante séculos, usado para pastagens de sequeiro, onde pontificavam moinhos destinados a triturar os cereais que se cultivavam nos terrenos férteis do manto basáltico.

A partir do século XVI, a serra é também ocupada por várias coutadas de caça e matas de recreio, como a mata de S. Domingos de Benfica e a do Paço Real, hoje Tapada da Ajuda. Além destas duas manchas verdes, pouca vegetação de grande porte se avistava, então, nas suas encostas.

A proximidade de diversos cursos de água terá sido o principal fator de atração das primeiras populações. Embora mais tarde, com o advento da agricultura, as caraterísticas do seu solo, demasiado pobre para terrenos de cultivo, tenham desencorajado a fixação permanente e duradoura.

Esgotado pelo plantio sistemático de cereais, Monsanto chegou ao século XIX com o solo completamente depauperado, apenas com um coberto vegetal pobre, quase inexistente, e diversas pedreiras em atividade.


Uma paisagem que não se enquadra nas novas teorias higienistas que surgem em meados do século passado, como reação à era industrial, e que preconizam para as cidades o retorno à natureza e ao embelezamento dos espaços.

Esta cultura emergente e o aparecimento de uma nova classe profissional em Portugal, a dos engenheiros silvicultores, são decisivos para que, pela primeira vez, se discutisse a possibilidade de arborizar Monsanto, mudando definitivamente a fisionomia de Lisboa.

A ideia foi lançada em 1868 e as primeiras sementes caíram ao solo em 1934 impulsionadas pela "mão forte" do engenheiro Duarte Pacheco.


Monsanto. Nove décadas do Parque Florestal
É com o intuito de dar a conhecer o passado o present - e o que se pretende para o futuro do espaço florestal de Monsanto -  que se apresenta ao público a exposição “Nove Décadas do Parque Florestal de Monsanto”.

Inaugurada no Centro de Interpretação de Monsanto, esta exposição não só mostra a evolução do pulmão verde de Lisboa, como promove a atual consulta pública sobre a gestão da sua paisagem, na qual é convidado a participar até 3 de maio.

Ana Rita Ramos, historiadora e promotora desta exposição, apresenta-nos este trabalho como “uma espécie de túnel do tempo” que revisita o passado, o presente e o futuro do Parque Florestal de Monsanto. “Este parque não é como muitos pensam, uma floresta autóctone”, diz Rita Ramos. “Foi construída pela mão do Homem e é, por isso, prova de que, afinal, o Homem não serve apenas para destruir. Temos fotografias da Serra completamente nua, sem uma única árvore. Quem conhece hoje Monsanto, percebe essa mudança incrível. Mas as fotografias demonstram também a forma como se vivia naquela altura. E contar a história de um lugar é contar também a história das pessoas que viviam esse lugar, no antes e no depois.
Além de fotografias, a exposição inclui também documentos escritos e testemunhos em vídeo de quem vive, trabalha ou frequenta Monsanto. “É preciso contar esta história enquanto ainda há pessoas que a podem contar na primeira pessoa, como, por exemplo, um senhor de 90 anos, que vive no bairro do Alvito desde os 14 anos e é literalmente a memória viva do parque em construção”, revela Rita, que convida as pessoas a visitar a exposição no local, onde já abriu ao público, ou a descobri-la online, a partir de 10 de maio. “Não exclui a experiência física, mas o site que vamos lançar permitirá fazer a visita da mesma forma e inclui conteúdos extra”.
Nascimento do Parque Florestal de Monsanto
No dia 1 de novembro de 1934 foi promulgado o Decreto-Lei nº 24625, a propor a criação do Parque Florestal de Monsanto, imputando a sua execução à Câmara Municipal de Lisboa (CML), sob fiscalização do Governo, então Estado Novo, e atribuindo à Direção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a responsabilidade dos trabalhos de arborização.

Apesar de definido o regime de expropriações inédito em Portugal, o diploma ditava que o projecto tinha de ter início nos seis meses consequentes ao diploma, mas só quatro anos depois é que a obra começa.

Um interregno que se explica pela saída abrupta do Governo de Duarte Pacheco, principal impulsionador. Mas felizmente Monsanto não foi dado ao esquecimento por Duarte Pacheco que, com o seu regresso em 1938, onde acumulou funções de presidente da Câmara de Lisboa com as de ministro das Obras Públicas, as expropriações e ações de florestação arrancaram quase de imediato.

Empenhado em concretizar a obra no mais curto espaço de tempo, Duarte Pacheco classifica-a de “superior interesse público” e convoca um autêntico exército, composto por militares, presidiários e elementos da Mocidade Portuguesa, para lançar à terra as sementes do novo Parque Florestal de Monsanto.

Esgotado pelo plantio sistemático de cereais, Monsanto chegou ao século XIX com o solo completamente depauperado, apenas com um coberto vegetal pobre, quase inexistente, e diversas pedreiras em atividade. Esta cultura emergente e o aparecimento de uma nova classe profissional em Portugal, a dos engenheiros silvicultores, são decisivos para que, e pela primeira vez, se discutisse a possibilidade de arborizar Monsanto, mudando definitivamente a fisionomia de Lisboa. A ideia foi lançada em 1868 e as primeiras sementes caíram ao solo em 1934 impulsionadas pela "mão forte" do engenheiro Duarte Pacheco. Créditos fotográficos: CML - Monsanto 9 Décadas de Parque Florestal/DR

Inspirado nos bosques urbanos europeus, o arquiteto Francisco Keil do Amaral, convidado pelo impulsionador da ideia, redesenha este pulmão verde e insere neste espaço manchas de vegetação que se estendem de ambos os lados da autoestrada, na altura em construção até à Cruz Quebrada, diversos equipamentos para usufruto da população.

Um projeto que não viria a ser cumprido na totalidade, mas que ainda hoje diversos equipamentos e edificados chegaram até aos nossos dias, destacando-se os miradouros Moinhos do Mocho, Moinho de Alferes, Pedreira do Penedo, Luneta dos Quartéis, Parque Infantil do Alvito, Casa de Chá de Montes Claros e Clube de Ténis de Lisboa.

Após o 25 de Abril, muitos destes espaços foram dados ao abandono, absorvendo Monsanto uma imagem menos positiva, onde a prostituição e delinquência aproveitavam este espaço como naturalmente seu, criando uma forte clivagem entre a cidade e o espaço verde.

Só mais tarde e no início dos anos 2000 é que as políticas camarárias decidiram tomar rédeas deste enorme espaço verde, criando infrastruturas de lazer, cortando vias rodoviárias onde a prática da prostituição era normal, colocando um maior número de vigilantes e elementos da guarda com patrulha a cavalo.

Hoje Monsanto apresenta-se com um rosto novo, onde o edificado existente, aos poucos, ganha uma nova vida e com a população e turismo a usar este espaço com total tranquilidade em comunhão com a natureza.

Este espaço verde há menos de um século apresentava-se árido e desértico, após anos de exploração cerealífera que secou os cerca de mil hectares que agora se apresentam com mais vida e biodiversidade. Créditos Fotográficos: Nuno Patrício - RTP


“Um vulcão-verde”
Quem sabe de geologia e olha para os terrenos de Monsanto reconhece, à partida, o passado deste espaço, muito embora os séculos de vida presentes neste espaço tenham deformado muito da sua origem.

Prova de um passado vulcânico são os vestígios da extração de pedra calcária em alguns locais de Monsanto, destacando-se o Parque da Pedra, com uma escarpa de mais de 30 metros, rasgada nas entranhas da serra, onde hoje se pratica desportos aventura como a escalada e o rapel.

Com a evolução civilizacional, esta vasta área instalada na foz do Tejo, com vista privilegiada para o Atlântico, ganhou os contornos de sustentação de vida e de recursos.

A primeira notícia sobre a presença humana em Monsanto data de 1879, quando Possidónio da Silva, primeiro Presidente da Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses, identifica uma sepultura tardo romana, na Tapada da Ajuda.

Trabalhos não muito valorizados e prontamente interrompidos. Só passados dez anos e devido à construção do túnel ferroviário que ainda hoje liga o Rossio a Campolide é que se volta a ter notícia de descobertas arqueológicas na área de Monsanto, quando o geólogo Paul Choffat em 1888, descobre galerias subterrâneas do Neolítico e únicas identificadas em Portugal.


Apesar da descoberta e com a crescente necessidade de evolução da sociedade, a monarquia portuguesa não deu muito valor aos vestígios encontrados, voltando a surgir novidades em 1895, quando o antropólogo Fonseca Cardoso descreve, nesse ano, a primeira estação do paleolítico no vale de Alcântara, descoberta por António Mendes, coletor da Comissão dos Trabalhos Geológicos de Portugal.

Mas seria necessário chegar a 1912 para estes achados serem publicados, em três artigos que referem a descoberta de vários sítios do Paleolítico, Neolítico e Calcolítico na zona oriental de Monsanto por Vergílio Correia.

O local mais célebre é o povoado do Neolítico de Vila Pouca onde, em 1959, foram identificados diversos fundos de cabana e recolhidos materiais que vão do Paleolítico ao Calcolítico.

Em 1943, é também descoberto o segundo grande povoado de Monsanto, em Montes Claros, onde se destacam achados do Neolítico e Calcolítico.


Só passados mais de 70 anos, em 2016, a equipa do Centro de Arqueologia de Lisboa dará a conhecer materiais de épocas mais recentes: Idade do Ferro, Período Romano, Antiguidade Tardia e Período Islâmico.

Testemunhos que estiveram guardados desde as escavações dos anos 44/45 do século XX e que atestam o interesse que a serra de Lisboa sempre despertou nos povos que, ao longo dos tempos, a escolheram como morada.

Monsanto atual: vias pedonais, ciclovias e pontos de água. Créditos CML/DR
Infrastruturas e edifícios associados à gestão
Aquando da replantação do Parque Florestal de Monsanto (PFM), foram criadas diversos edificados que serviam não só como espaços de lazer, como os miradouros, diversos parques de merendas ou mesmo espaços de lazer como o restaurante panorâmico, que após os 25 de Abril foram sendo abandonados ou desativados.

Atualmente, dentro do perímetro do PFM, as estruturas ligadas à gestão florestal são as instalações municipais do Parque Infantil do Alvito, as edificações do Centro de Interpretação de Monsanto (CIM), assim como o Lx CRAS (Centro de Recuperação e Animais Silvestres de Lisboa) e os edifícios dos viveiros da Quinta da Fonte e da Quinta da Pimenteira.

No perímetro do PFM, existem ainda outras infraestruturas de apoio a serviços não relacionados com a gestão florestal, como a Proteção Civil Municipal, a EDP e a EPAL.

Ainda dentro do perímetro florestal de Monsanto encontram-se 51 moradias de guardas-florestais, que exerceram um papel fundamental na instalação do PFM, mantendo ainda hoje um papel significativo na segurança do PFM. A grande maioria depende da Polícia Municipal, mas existem outras, fora do ativo, que foram recuperadas e entregues a associações ligadas à cultura e desporto.


Uma das responsáveis por este projeto de revitalização do edificado do PFM é a arquiteta Maria Hélder Furtado, que já efetuou várias intervenções em alguns edifícios.

Confrontada com a atual apresentação do antigo restaurante Panorámico de Lisboa, a arquiteta refere que, ainda assim, este espaço icónico e emblemático de Monsanto é considerado um caso de sucesso, lembrando Maria Hélder Furtado que este espaço já foi palco de vários espetáculos culturais.


Quanto aos grafitis que o edificio apresenta, a arquiteta refere-se-lhes como um exemplo dinâmico de arte urbana.

Monsanto 2030. Um parque em constante renaturalização

Com os olhos postos no futuro, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou a realização do Projeto Monsanto 2030, cujo objetivo passa por desenvolver ferramentas que permitam vocacionar uma estratégia de naturalização do Parque Florestal:

• Criar um Plano de Paisagem para o Parque Florestal de Monsanto que, num contexto de alterações climáticas, vise a sua renaturalização, considerando a sustentabilidade ecológica, a ativação da biodiversidade e a redução do risco de incêndio;

• Ajustar o Plano de Gestão Florestal existente a esse Plano de Paisagem, de modo a operacionalizar a sua concretização;

• Contribuir para uma revisão do Plano Diretor Municipal no que respeita à área do Parque Florestal sde Monsanto (PFM);

• Potenciar novas oportunidades de utilização do Parque pelos seus visitantes.

Tais propósitos não se atingem de um dia para o outro. Exige um plano de médio e longo prazo, empenho e financiamento e uma intervenção conhecedora e persistente, porque a paisagem criada pelo homem é dinâmica, evolui e transforma-se ao longo do tempo.
Este plano constituirá o início de uma nova etapa para o Projeto 2030, onde todos temos um papel importante a desempenhar. Na sua sequência, a CML irá propor a discussão pública da proposta e dos seus objetivos e submeter o programa à aprovação, pelos órgãos municipais, de modo a fornecer ferramentas de planeamento e gestão que determinarão o futuro próximo do Parque Florestal de Monsanto.

Aprovada por unanimidade pela autarquia, a proposta de Estratégia de Gestão da Paisagem do Parque Florestal de Monsanto está disponível para consulta pública até 3 de maio, data até à qual será possível enviar o seu contributo através de e-mail (dmaevce.dev@cm-lisboa.pt). Em causa, está a aceleração da naturalização do parque através de um conjunto de ações capazes de tornar a floresta mais resistente ao clima e mais rica em biodiversidade.