"Não sabia sequer bem ao que vinha". Salgado regressou a tribunal mas não prestou declarações devido a Alzheimer

por Joana Raposo Santos - RTP
O antigo presidente do Grupo Espírito Santo é o único arguido neste processo que ainda não falou. Paulo Cunha - Lusa

O antigo presidente do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado, compareceu esta sexta-feira em tribunal no âmbito do julgamento do Caso EDP, após a perícia médica a que foi sujeito ter indicado que o ex-banqueiro poderia ser interrogado. No entanto, o arguido foi apenas identificado, com a defesa a alegar que o cliente não iria prestar declarações "a bem da dignidade".

Salgado esteve cerca de dez minutos no tribunal, tendo sido apenas identificado, já que, segundo os advogados, o antigo banqueiro não tinha condições para responder a qualquer questão.

O coletivo de juízes perguntou ao ex-banqueiro o seu nome completo e o dos pais, ao que o arguido respondeu após ter de se aproximar dos juízes pois não conseguia ouvir bem as questões.

Foi-lhe também perguntado se conhecia Manuel Pinho e a mulher, ao que respondeu afirmativamente. Disse ainda saber que tinha estado no Grupo Espírito Santo.

Questionado sobre o que estava em causa neste julgamento, disse não saber bem. Foi nesse momento que a defesa interrompeu para afirmar que Ricardo Salgado não iria prestar declarações “a bem da dignidade”, tendo em conta o diagnóstico de Alzheimer.

“Está há bastante tempo provado, por diferentes documentos, perícias independentes, que o doutor Ricardo Salgado sofre de Alzheimer. A doença de Alzheimer não é uma brincadeira, é uma coisa grave, que afeta a capacidade cognitiva”, declarou aos jornalistas o advogado Francisco Proença de Carvalho. “Ele não pode esclarecer com o mínimo de consistência o que quer que seja num processo com esta complexidade”, acrescentou o advogado.

O meu cliente muitas vezes não sabe o dia em que está, não sabe onde está, perde-se em casa. Muitas vezes não sabe o nome de familiares próximos, portanto, como é evidente, não é só na defesa da dignidade humana dele, é na defesa da história dele e na defesa da dignidade da justiça portuguesa” que não pode ser interrogado, referiu à saída do tribunal.

Segundo a defesa, Ricardo Salgado compareceu em tribunal “porque foi convocado e porque nós o trouxemos, porque a verdade é que ele não sabia sequer bem ao que vinha”.

"Uma imagem vale mais do que mil palavras"
Ao contrário do que aconteceu há dois anos, quando Ricardo Salgado entrou pelo interior do tribunal para não passar pelos jornalistas, esta sexta-feira o antigo banqueiro entrou pela porta da frente, acompanhado pela mulher e pela defesa.

Questionado pela opção de entrar pela porta principal, o advogado Francisco Proença de Carvalho respondeu que “às vezes uma imagem vale mais do que mil palavras”, pelo que “seria bom que vissem”.

À entrada, a defesa tinha já declarado que o seu cliente não falaria à comunicação social “por razões óbvias”, tendo já pedido anteriormente aos jornalistas que não abordassem Ricardo Salgado diretamente devido ao seu diagnóstico de Alzheimer.

O antigo presidente do Grupo Espírito Santo é o único arguido neste processo que ainda não falou. O antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, e a mulher, Alexandra Pinho, já prestaram declarações perante o coletivo de juízes no início do julgamento.

Manuel Pinho esteve também em tribunal esta sexta-feira e disse aos jornalistas que Salgado lhe pareceu "muito envelhecido".

Ricardo Salgado está ser julgado por crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais. A última vez que o ex-banqueiro marcou presença num tribunal foi há dois anos, num processo separado da Operação Marquês.

Na altura, Salgado alegou não estar em condições para prestar declarações devido à doença de Alzheimer, a mesma patologia que esteve na base da perícia neurológica realizada agora no âmbito do Caso EDP.
"Alzheimer é causa mais provável do quadro clínico"
Em 2022, quando compareceu na sessão destinada às alegações finais, Ricardo Salgado ainda não tinha sido submetido a perícia neurológica, apesar de a defesa já então apresentar documentos e atestados da situação clínica do antigo presidente do Banco Espírito Santo.

"Meritíssimo, não estou em condições de prestar declarações. Foi-me atribuída uma doença de Alzheimer", afirmou na altura o ex-banqueiro perante o coletivo de juízes, que veio a condená-lo em março de 2022 a seis anos de prisão por três crimes de abuso de confiança.
A sentença seria agravada em 2023 no Tribunal da Relação de Lisboa para oito anos de prisão, continuando ainda a ser contestada no Supremo Tribunal de Justiça.

Segundo o relatório da perícia, conhecido há cerca de um mês, "a doença de Alzheimer é causa mais provável do quadro clínico" do arguido, que "revela alterações significativas ao nível da orientação, atenção e memória (...) e lentificação psicomotora", mas que pode ser interrogado judicialmente, embora não esteja garantido o rigor das declarações.

No mesmo documento é possível ler que "na análise de eventual esforço insuficiente ou tentativa de simulação durante o processo de avaliação, o examinando efetua relatos de sintomas neurológicos ilógicos ou muito atípicos e sintomas relacionados com distúrbios de memória que são inconsistentes com padrões de comprometimento produzidos por disfunção ou dano cerebral real, sugestivos da tentativa de exacerbar dificuldades".

Entretanto, a defesa de Ricardo Salgado pediu a renovação da perícia médico-legal e esclarecimentos dos peritos, apontando "insuficiências, incoerências e contradições". Contudo, o tribunal já rejeitou a renovação da perícia, aceitando apenas os esclarecimentos dos peritos

c/ Lusa
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