Navio-escola Sagres. Diário de Bordo 16 de janeiro

por António Louçã (jornalista) e Rui Manuel Silva (repórter de imagem) - RTP

António Louçã (jornalista) e Rui Manuel Silva (repórter de imagem) - RTP

O navio-escola Sagres está a cumprir desde o início de janeiro a viagem de circum-navegação, com partida em Lisboa. O percurso ocupará 371 dias. A bordo, durante parte da rota, seguem o jornalista António Louçã e o repórter de imagem Rui Silva.

Quinta-feira, 16 de Janeiro - Às 18 horas, estamos a 21º28' de latitude norte, em frente à costa da Mauritânia. O vento aumentou um pouco e a orientação da corrente ajuda a Sagres a avançar mais rápido do que ontem. Continua a navegar à vela, mas atingiu seis nós.

Num exercício com simulação de incêndio, a guarnição teve um desempenho eficaz e foi felicitada pela exigente equipa de avaliadores externos que acompanha esta tirada da viagem. Amanhã será o exercício com simulação de incêndio na casa das máquinas – ainda mais difícil de controlar.

Ao fim da manhã, foi lançada à água uma bóia derivante do Projecto Científico GDP, destinado a monitorizar os oceanos e o clima, medindo temperatura superficial da água, correntes marítimas, pressão atmosférica e vento. A bóia foi à sua vida e será seguida por um organismo norte-americano, a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration). Já veremos se este organismo, mensageiro de más notícias, não será mais um a dissolver pelos negacionistas das alterações climáticas que actualmente ocupam os principais escalões do poder. Quanto à bóia, seguirá a sua deriva até, um dia, ir dar a alguma praia.

O acolhimento de expedições científicas nas grandes viagens, não necessariamente de circum-navegação, tem largas e ilustres tradições na história náutica. Em 1799, o eminente zoólogo, botânico, geólogo, químico, enfim o enciclopedista alemão Alexander von Humboldt desembarcava em Tenerife a bordo de um veleiro espanhol, a caminho da América do Sul.

Também nós, e sem o sabermos também vários membros da guarnição da Sagres, andámos ao mesmo tempo pelos trilhos que Humboldt percorreu, nas faldas do Pico de Teide. Mesmo assim, há 220 anos, sem teleférico, e sem necessidade de pedir autorizações especiais, limitadas a uma quota diária de 100 pessoas, Humboldt pôde ir mais longe e chegar ao cume. Nós tivemos de contentar-nos com a visão da “paisagem lunar” que é a caldeira imponente, com 40 Km de diâmetro, de um vulcão que uns milhões de anos antes precedera o Teide.

Muito menos sorte que Humboldt ou mesmo que os visitantes portugueses de 2020, teve em Tenerife o jovem naturalista Charles Darwin. Em 1831 chegou à ilha canária a bordo do navio britânico Beagle, mas toda a guarnição foi impedida de ir a terra por uma ordem de quarentena destinada a evitar a propagação da cólera.

A bordo, Darwin tivera lugar como uma espécie de entertainer cultural do comandante FitzRoy, que apreciava essa interlocução sofisticada, mas que, na sua filosofia criacionista de estrita inspiração bíblica, dificilmente o teria convidado para a expedição se adivinhasse que tinha à sua frente o futuro descobridor da evolução das espécies. Sem o saber, FitzRoy albergou a bordo do Beagle os primórdios de um projecto científico que se opunha pelo vértice à sua visão do mundo.

Darwin não pôde começar nas Canárias as observações científicas que iriam conduzi-lo a escrever o clássico A origem das espécies, mas acabou por fazê-lo na então colónia portuguesa de Cabo Verde. Da sua estadia de três semanas na ilha de Santiago, deixou-nos no seu diário de bordo páginas entusiásticas sobre a natureza que aí foi encontrar.

Entretanto já é impossível encontrar a mesma natureza. Continuamos sem avistar animais e o comandante continua sem peixe algum que morda o isco rebocado à pôpa. Alguns oficiais apostaram que ele chegaria à Cidade da Praia sem nada ter pescado. Têm a seu favor as alterações climáticas, a poluição oceânica, a perda de biodiversidade. O comandante precisará de ter a sorte a seu favor.

Hoje, entrevistámos o médico de bordo, Diogo Alpuim Costa, filho de um antigo repórter de imagem da RTP, Vítor Santos Costa: nada da visão de que a equipa de saúde se destina apenas a prescrever fármacos. Um dos papeis mais importantes a desempenhar por essa equipa situa-se ao nível psicológico.
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