O mar está a "roubar" cada vez mais terra a Portugal

O mar sempre desgastou a costa nacional, mas este fenómeno natural está a ser cada vez mais rápido com Portugal a ficar cada vez mais pequeno devido à erosão costeira. A justificar este fenómeno estão novos dados climáticos, bem como ações por parte do homem que ajudam a acelerar o processo.

Dados por satélite mostram mar a avançar na costa nacional


“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. O ditado popular aplica-se na grande generalidade a milhares de “fontes de água”, presentes por este país fora, em que a água corrente vai furando as pedras duras existentes na base das estruturas. Mas na realidade também se pode falar deste processo de desgaste com a erosão marítima.

Um processo natural erosivo em que a ondulação do mar e as marés vai desgastando as arribas e conquistando terreno à plataforma continental.

Apesar de o desgaste costeiro ser considerado “normal”, o que está a levantar alguns alarmes é a rapidez com que este se desenrola.

Uma aceleração que provoca já um recuo de costa em alguns locais de 2,5 metros e que coloca em risco estruturas e zonas ribeirinhas.

Há décadas que as áreas costeiras estão sujeitas a intensa urbanização e crescimento populacional. Infelizmente, essas áreas atraentes são uma das mais dinâmicas da Terra e sofrem graves riscos costeiros devido à atividade de tempestades e subida do nível do mar. Foto: Gil Ribeiro - Unsplash
Há zonas costeiras em que o mar já roubou mais de dois metros
Estão claramente identificados os locais onde o mar já conquistou vários metros ao território continental português.

Os dados são avançados por uma equipa de investigação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, dando conta que, por exemplo, nas margens da Costa da Caparica a linha de praia tem recuado cerca de 2,5 metros por ano.

O mar está a "roubar" metros à Costa da Caparica. Foto: RTP

Mas não se pense que é só por esta área em específico. Mais a norte, o areal entre a Lagoa de Óbidos e a praia do Baleal surge com uma tendência de recuo de cerca de 2,1 metros por ano.

Preocupantes são também as taxas de recuo da costa entre Troia e Sines e vários pontos da costa Algarvia, onde a região de Cacela Velha é a mais afectada.

São pontos de erosão costeira nacional detetados por um inédito programa lançado pela Agência Espacial Europeia (ESA), de nome Space for Shore, que monitoriza a erosão costeira europeia a partir do espaço, e que tem na Universidade de Aveiro a coordenação em Portugal.

À frente deste projeto de monitorização costeiro está o investigador Paulo Baganha baptista que, em conversa com a RTP, refere que as causas a nível global é a consequente subida dos níveis do mar com cenários pouco animadores.

“Os cenários para este século apontam, no cenário mais pessimista, uma subida média global na ordem dos 80 centímetros. E, num cenário menos pessimista, 40 centímetros.”

Uma subida que aparentemente parece ser ligeira, mas com uma costa baixa, como grande parte da costa portuguesa, em períodos de inverno e de temporal as águas, ainda que com subidas relativamente pequenas, podem causar problemas adicionais a infrastruturas e populações ribeirinhas.



A erosão da plataforma continental por acção marinha é uma das preocupações dos investigadores que trabalham no programa Space for Shore.

Um problema que Paulo Baganha diz acabar por mostrar grande utilidade, pois permite fazer uma avaliação quer para o futuro, quer para o passado, através de dados obtidos quinzenalmente, em tempo real , através de satélite, do território em estudo nos últimos quatro anos.

Dados obtidos pelo programa Space for Shore que revelam as zonas costeiras onde o mar já "ganhou" território. Foto: UAveiro - DR
Construção de barragens ajudou a diminuir zonas de costa marítima
Toda a evolução de um território é dinâmica e os rios e seus afluentes têm também um papel fundamental na moldagem e manutenção territorial.

Os cursos de água desempenham uma função de transporte de sedimentos que ao chegarem às zonas costeiras e da foz são depositados, construindo desta forma uma barreira natural que “impede” que as vagas marítimas, ao atingirem a costa, sejam menos severas e por consequência menos abrasivas.

Foto: RTP

Algo que ocorre cada vez menos devido à falta de águas das chuvas, que aumentam os caudais ribeirinhos originando o transporte de detritos até à foz, mas sobretudo pela construção de barreiras artificiais, como as barragens ao longo dos cursos fluviais.

“As causas principais são directamente relacionadas com o défice sedimentar e com a subida do nível médio do mar, embora o défice sedimentar seja aquela que tem mais peso relativo neste balanço natural”, diz o coordenador português do programa Space for Shore. “Quando nós não temos sedimentos nas praias, surgindo um evento de temporal, uma agitação marítima mais severa, o impacto dessa agitação sobre a costa será naturalmente potenciada.”
Decisores políticos conscientes mas com pouca intervenção
Com base na observação por satélite da zona costeira, para prevenir e mitigar a erosão costeira, o programa Space for Shore já identificou e deu a conhecer muitos problemas decorrentes da subida das águas do mar devido às alterações climáticas.

Problemas e preocupações que são partilhadas e debatidas com os gestores políticos das regiões mais afectadas pelo problema, refere à RTP o investigador: “O grande foco deste projeto foi precisamente esse”, diz Paulo Baganha Baptista. “O Space for Shore teve o cuidado de envolver desde o início todos os interlocutores a nível das várias regiões da Europa que têm decisão política, começando - por exemplo, em Portugal - a nível local pelos municípios, a nível regional pelas ARH e depois a nível mais nacional com a Agência Portuguesa do Ambiente, ligada ao Ministério do Ambiente.”



Contudo, há a inacção dos decisores politicos, relembra. Por isso é preciso agir e acautelar eventuais cenários, criando barreiras artificiais “para manter a linha de costa estável” e impedir o avanço do mar.

Paulo Baganha dá conta de algumas politicas nesse sentido, mas alerta que se deixar de haver esse investimento na gestão territorial “haverá naturalmente galgamento e afectação das zonas onde existe edificado”.



Durante quatro anos, mais de 70 organizações científicas e de gestão costeira dos seis países membros do programa (França, Alemanha, Portugal, Grécia, Roménia e Noruega) partilharam as suas preocupações e expressaram a necessidade de dados e informações regulares para caracterizar a dinâmica do litoral, no sentido de avaliar a evolução do risco de erosão e vulnerabilidade das zonas costeiras face às alterações climáticas.

Este trabalho permitiu já cobrir cerca de 4.500 quilómetros de costa nestes seis países, desde as costas do Mediterrâneo e Mar Negro, passando pela costa do Atlântico-Canal da Mancha-Mar do Norte, até ao Ártico (Arquipélago de Svalbard).

Para cada um dos países europeus que participaram no estudo, aponta o coordenador português, “foram produzidos diversos indicadores de erosão costeira, entre os quais a linha de espraio máximo, a linha de base da duna, a posição da base e da crista de arribas rochosas”.

Space for Shore - DR

Paulo Baptista aponta que, apesar deste programa europeu lançado em 2019 sob a égide da ESA estar a chegar ao fim, os resultados “são muito promissores”.

O fim do financiamento deste projeto por parte da Agência Espacial Europeia não significa que deixem de ser gerados indicadores de erosão costeira.

O investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro lembra que “está em estudo a disponibilização, para a comunidade de utilizadores com interesses na gestão do litoral, de serviços dedicados de geração para a totalidade do território nacional, em tempo quase real, dos vários indicadores de erosão costeira considerados neste projeto, e para os quais foram desenvolvidos algoritmos específicos para o seu cálculo em modo automático”.