Óleos alimentares usados: da confeção ao pesadelo da contaminação

O óleo alimentar tradicionalmente usado para a confeção de fritos é um produto de origem vegetal que, quando mal reaproveitado, acaba por se converter num agente de forte contaminação do meio ambiente.

Por incúria ou distração, muitos consumidores domésticos acabam por despejar os óleos alimentares usados no normal sistema de esgotos, causando problemas a jusante nos canos e posteriormente nos sistemas de tratamento de águas residuais.O óleo não se mistura com a água e cria uma fina película isoladora à superficie, impedindo a oxigenação e dando origem à asfixia da fauna aquática.

Para ter a noção do problema, um litro de óleo doméstico deitado no ralo da cozinha chega a contaminar, de uma só vez, um milhão de litros de água, o suficiente para a sobrevivência de uma pessoa até aos 40 anos.

Esta contaminação manifesta-se através da criação de uma fina película isoladora à superfície da água, impedindo a normal oxigenação. Pode mesmo provocar asfixia à fauna existente em lagos e circuitos de água fechados, além de tornar a própria água imprópria para consumo humano.



Este problema pode ser minimizado ou mesmo eliminado, se o consumidor separar e acondicionar este produto depois de usado.


Óleo usado ainda tem valor

Os óleos alimentares usados (OAU) podem ser valorizados em produtos como biodiesel e sabão, sendo por isso essencial proceder à recolha seletiva e encaminhá-los para destinos adequados.

Por exemplo, mil litros de óleo alimentar usado permitem produzir entre 920 a 980 litros de biodiesel. Combustível que apresenta índices de emissão de dióxido de carbono mais baixos, podendo chegar a ser 80 por cento inferiores aos emitidos por um veículo que consuma gasóleo.Um litro de óleo doméstico deitado através do esgoto da cozinha pode contaminar, de uma só vez, um milhão de litros de água.

Os óleos alimentares usados são considerados um resíduo, segundo a Lista Europeia de Resíduos (LER), e em Portugal o produtor é responsável pelos resíduos que gera e pelo destino final destes (Decreto-lei n.º 178/2006 de 5 de setembro).

A lei portuguesa já obriga à recolha de óleos alimentares usados na restauração. São milhares de litros utilizados na confeção em massa de géneros alimentícios, que de outra forma acabariam por contaminar esgotos, aquíferos, ribeiras, estações de tratamento de águas e o ambiente em geral.

O Decreto-lei n.º 267/2009, de 29 de Setembro estabelece o regime jurídico da gestão de óleos alimentares usados, produzidos pelos sectores industrial, da hotelaria e restauração (HORECA) e doméstico.

É também este diploma que estabelece um conjunto de normas que visam quer a implementação de circuitos de recolha seletiva, o correto transporte, tratamento e valorização, por operadores devidamente licenciados para o efeito, quer a rastreabilidade e quantificação de óleos usados.

Existe contudo um especial enfoque na recolha de OAU no sector doméstico, atribuindo um papel de relevo aos municípios e estabelecendo objetivos concretos para a constituição de redes de recolha seletiva.

Apesar da importante intervenção dos municípios, o regime jurídico existente assenta na corresponsabilização e no envolvimento de todos os intervenientes no ciclo de vida dos óleos alimentares, como os consumidores, produtores de óleos alimentares, operadores de distribuição, produtores de OAU e operadores de gestão.

Mas há outros atores a participar na recolha deste tipo de produto contaminante, que tem um particular interesse neste resíduo. Como é o caso das empresas produtoras de biocombustível.Recuperação de OAU
A recolha de óleos alimentares usados passou a ter uma especial atenção desde 2009, quando da publicação de uma diretiva comunitária que referia este subproduto como uma mais-valia para a produção de biodiesel, em benefício do uso e eliminação deste contaminante.Os municípios são obrigados a um conjunto de normas para implementação de pontos de recolha seletiva de OAU, transporte, tratamento e valorização.

Aproveitando esta norma, foram várias as pequenas e médias empresas que se estabeleceram em Portugal na recolha e tratamento dos OAU. Todavia, os principais fornecedores dos óleos pertenciam à grande indústria, restauração e hotelaria. Mas estes apenas representavam uma pequena fração do material produzido.

Face à necessidade de recolha dos OAU produzidos pelo consumo doméstico, que representa uma boa fatia da produção total, o Governo criou o Decreto-lei n.º 267/2009.

Com esta nova lei, os municípios foram obrigados a implementar um conjunto de normas sobre a implementação de pontos de recolha seletiva de óleos alimentares usados, o correto transporte, tratamento e valorização.


De acordo com a APA, em 2017, em Lisboa, estavam já instalados 126 pontos de recolha seletiva municipal OAU.

Segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente, em 2016 os 308 municípios disponibilizavam já 5.097 pontos de recolha seletiva municipal.

Algumas autarquias mantêm acordos pontuais com o sector HORECA, produzidos pela indústria, hotelaria e restauração, mais alguns pontos de recolha doméstica.

Ainda de acordo com esta agência ambiental, no mesmo ano foram colocados no mercado mais de 92 mil toneladas de óleo alimentar. Um acréscimo de 20 por cento face ao ano anterior.

Em 2015 a produção de OAU foi de 22.781,34 toneladas, correspondendo a 30 por cento (+/- 79 ton.) dos óleos produzidos neste ano. O não abrandamento do consumo em 2016 revela a necessidade permanente da recuperação deste tipo resíduo.


A gordura que pode entupir o ambiente

Partindo do princípio de que o óleo alimentar é de origem vegetal, logo biodegradável, é normal o pensamento de que não faz mal ao meio ambiente nem ao ecossistema. O que só aconteceria se as quantidades fossem residuais.

O óleo vegetal, enquanto gordura, tem propriedades aderentes e pouco diluíveis em água. Este subproduto orgânico, proveniente de várias fontes vegetais como, por exemplo, sementes de soja e girassol, bem como da azeitona, em contacto com a água cria uma película isolante.

Já nos sistemas de escoamento de águas, as gorduras, em ambientes mais frios, acabam por solidificar e criar barreiras físicas, provocando entupimentos e a ineficácia dos esgotos. Problemas ambientais que a associação ambientalista Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável quer travar.

Rui Berkemeier, ecologista da Zero, refere que o problema dos óleos alimentares usados está principalmente nas más práticas de uso pós-culinário.

"Infelizmente, a maior parte dos óleos, cerca de 60 por cento dos óleos usados, acaba por ir parar às redes de esgotos. Por um lado desperdiçamos um recurso, que é uma energia renovável, um combustível renovável, que substituiria no fundo o petróleo, e por outro lado estamos a causar problemas nas redes de esgotos, entupimentos, dificuldade na gestão. E nas ETAR essa quantidade de gorduras também dificulta o tratamento das água residuais. Em situações onde nem sequer há ETAR, muito pior porque a gordura vai direta para a linha de água causando a morte da fauna que existe nessas linhas de água".

A maior produtora de óleos usados é a restauração. Cerca de 70 por cento dos OAU que surgem nos resíduos proveem deste sector. Vinte e cinco por cento são de origem doméstica e os restantes cinco por cento proveem da indústria alimentar.

Para a Zero, o grande trabalho a realizar é principalmente junto da restauração, mas nunca esquecendo o pequeno consumidor caseiro.

Segundo Rui Berkemeier, da ZERO, a taxa de recolha de óleos junto do consumidor ronda os 1,5 por cento. Uma margem praticamente nula face aos 25 por cento de produção estimada.

Para que este sistema de recolha seja mais eficaz, a Zero gostaria de ver colocada em prática e com mais eficiência a legislação em vigor. Rui Berlemeier diz mesmo que apenas 50 por cento das 308 autarquias estão a executar a legislação que obriga à implementação de pontos de recolha de OAU.



Mas não basta. Para o ambientalista, é necessária uma maior fiscalização, por parte do Ministério do Ambiente, no sentido de apurar o que é feito ao óleo recolhido, quer junto do consumidor doméstico, quer junto da restauração.

Por fim e não menos importante, impõe-se promover campanhas de sensibilização junto dos produtores deste tipo de resíduo, para uma maior eficiência a dar ao produto em fim de vida no uso alimentar.
Empresas ilegais andam a recolher óleo usado

Com a obrigação da recolha seletiva dos derivados orgânicos (óleões), os óleos alimentares usados começaram a ser vistos como potencial fonte de rendimento por parte das autarquias. Obrigados por lei, os municípios, encarregaram uma série de empresas para a recolha e encaminhamento. Mas há também quem o faça de forma ilegal.

Com o fator valor em pano de fundo, surgiram alguns atores que recolhem ilegalmente os OAU. Seja por extravio nos ecopontos recolectores, seja na restauração, conseguem desta forma obter mais-valias comerciais.

Segundo a associação ambientalista ZERO, muito do produto recolhido é vendido a empresas espanholas de transformação e purificação de óleo. Produto esse que é posteriormente vendido para empresas produtoras de biocombustível, que dele necessitam para o biodiesel, entre as quais as portuguesas.

De acordo com a ZERO, o volume de negócio neste esquema paralelo pode render às empresas privadas várias centenas de euros por tonelada de OAU, escapando desta forma à lei e aos impostos.

Com esta fuga, perde a economia portuguesa e perdem as empresas petrolíferas, que se veem obrigadas a importar um subproduto que pode muito bem ter origem no consumidor nacional.


Inovação, recuperação e reutilização
Os óleos alimentares usados são um dos principais subprodutos utilizados na indústria combustível. Material que faz parte da composição dos designados biocombustíveis e que muitas das empresas transformadoras são forçadas a comprar, para integrar no produto de combustão.

Com capital totalmente português e já com experiência no mercado do biocombustível, a PRIO, empresa portuguesa de distribuição e comercialização de combustíveis líquidos, detentora de uma fábrica de biodiesel em Aveiro, viu no reaproveitamento dos OAU uma oportunidade e lançou um novo sistema de recolha - um sistema que se baseia numa espécie de ecoponto, automático, apenas para óleos alimentares usados.

A empresa fornece o depósito recetor dos resíduos, com capacidade para um litro, e o consumidor só tem de depositar os OAU no ecoponto automático criado para o efeito.

Basta introduzir o recipiente previamente oferecido num dos postos da marca, devidamente cheio de OAU, na máquina recetora, e automaticamente é-lhe devolvido um novo e limpo recipiente.

Ganha o ambiente e ganha a PRIO, visto desta forma não ter de recorrer e comprar este derivado às empresas recetoras já instaladas no mercado.

Uma aposta que a empresa pensa ganhar tendo previsto gastar até 2020 cerca de três milhões de euros na instalação de óleões em vários pontos do país, estando já implementadas 40 máquinas automáticas de recolha de OAU.

O uso de OAU por parte da maioria das empresas de transformação petrolíferas foi posto em prática em 2014, aproveitando uma recomendação europeia para a utilização destes desperdícios alimentares.

A empresa portuguesa PRIO foi uma dessas companhias que desde então procurou junto do mercado este subproduto que depois deriva na produção de biocombustivel.

Para o engenheiro Nuno Correia, responsável pela área dos biocombustíveis na refinaria da PRIO em Aveiro, todo o óleo alimentar usado capturado pela empresa em Portugal cobre apenas dez por cento das necessidades atuais.

"Uma grande parte daquilo que utilizamos é importado. Mais houvesse em Portugal, mais teríamos para utilizar. Nós neste momento estamos a utilizar o máximo que conseguimos em Portugal, e estamos a recolher à volta de 500 toneladas por mês, mas nós precisamos mais de 6 mil toneladas de óleo usado por mês".

Estes novos postos de recolha de OAU não invalidam os pontos de recolha já instalados pelas diversas entidades, como os municípios, porque a responsabilidade primária é sempre dos municípios.

"Todos os oleões que nós temos é com autorização das autarquias. Só estas é que podem dar a autorização para a colocação de oleões no espaço público para promover essa recolha", explica Nuno Correia. "É da responsabilidade das autarquias fazer essa recolha e é ela que tem de autorizar a instalação do oleão e fazermos essa mesma recolha."
Problema acrescido para esgotos e ETAR

Muitos dos problemas causados pelos óleos alimentares usados começam quando o consumidor pretende livrar-se do espesso e gorduroso líquido. A grande maioria fá-lo da forma mais rápida e prática: o ralo da cozinha ou diretamente na sanita, mas erro maior não pode haver.

São atos como estes que desencadeiam uma série de problemas quer ambientais, quer estruturais. Primeiro porque o composto orgânico não é assimilado pela natureza, nem facilmente biodegradável, contribuindo ainda para uma forte contaminação ambiental.

Já a nível estrutural as gorduras ficam depositadas nas condutas e, com o tempo, mais gorduras e lixos, surgem os inevitáveis entupimentos e as graves consequências nas redes de esgotos.

Outras das vítimas das gorduras alimentares usadas são as estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR).

Em Lisboa, a ETAR de Alcântara trata 244 milhões de m3 de águas residuais por ano, abrangendo mais de 2,4 milhões de habitantes. Águas que trazem um pouco de tudo e que requerem tratamento químico especial, entre eles os OAU, como refere Pedro Álvaro, diretor de operação das Águas Tejo Atlântico.

“As gorduras são um problema que temos nas ETAR e no sistema de coletores, porque muitas vezes causam entupimentos. A nível das ETAR, pode diminuir a nossa eficiência de tratamento biológico, pelo qual é importante removê-las”.

De acordo com o diretor de operação das Águas Tejo Atlântico, a ETAR de Alcântara recebe cerca de duas toneladas de gordura resultante da atividade domestica. Óleos provenientes das refeições alimentares normais, bem como os óleos alimentares utilizados na fritura dos alimentos.

A gordura que chega a esta estação de tratamento através das águas passa por um sistema de decantação, sendo posteriormente tratada quimicamente e reposta na estação de tratamento, seguindo o ciclo normal das águas.

Apesar dos vários tratamentos químicos feitos durante o circuito de tratamento, existe a garantia por parte da Águas do Atlântico de que toda a água que sai do sistema de triagem, tratamento e limpeza pode ser reposta na natureza e utilizada para fins como rega de jardins ou lavagens de ruas. Nunca para consumo humano.

Por causa da carência de água, alguns países procedem ao tratamento químico deste recurso natural e à reposição na rede potável.