"Safra Justa". Detidos em operação contra tráfico de pessoas presentes a tribunal

A alegada organização criminosa desmontada pela Judiciária controlava perto de 500 trabalhadores estrangeiros no Alentejo. Contudo, nem todos serão vítimas de tráfico.

Carlos Santos Neves - RTP /
Filipe Silva - RTP

São esta quarta-feira à tarde presentes ao Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, os 17 suspeitos detidos pela Polícia Judiciária no âmbito da Operação “Safra Justa”, que teve por alvo uma presumível rede que escravizava imigrantes em Beja. Onze pertencem a forças policiais.

Entre os detidos nesta operação estão dez militares da Guarda Nacional Republicana e um agente da Polícia de Segurança Pública. Em causa estão suspeitas de crimes de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas, corrupção ativa e passiva e abuso de poder.A RTP apurou que, entre os dez militares da GNR detidos, um é tenente e liderava o grupo, outro é sargento e os demais oito são guardas. As vítimas da rede eram maioritariamente oriundas da Índia, Nepal, Paquistão e Bangladesh. São cerca de 500.


A Operação “Safra Justa”, que decorreu na terça-feira, passou pelo cumprimento de cerca de meia centena de mandados de busca. As diligências incidiram sobretudo em Beja e Portalegre, no Alentejo, cobrindo explorações agrícolas, cafés, casas e até um posto da GNR. Houve também buscas na Figueira da Foz e no Porto.

Em comunicado divulgado no portal do DCIAP, o Ministério Público explicava na terça-feira que os 17 detidos eram suspeitos de se terem aproveitado da fragilidade das vítimas para “retirarem avultadas vantagens económicas”.

“No inquérito investiga-se a atividade desenvolvida pelos suspeitos que se aproveitaram da situação de fragilidade (documental, social e económica) de cidadãos originários de países terceiros, na sua grande maioria indocumentados, para daí retirarem avultadas vantagens económicas”.
Os dez militares da GNR detidos pertencem ao Comando Territorial de Beja. Já o agente da PSP igualmente detido prestava igualmente serviço no Comando Distrital de Beja, mas estava de baixa desde setembro do ano passado.A ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, veio considerar que as instituições funcionaram neste caso. Por sua vez, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, optou por não comentar casos em concreto, mas afirmou esperar uma investigação célere.


Em comunicado, a GNR reprovou ”quaisquer atos que ponham em causa os direitos humanos”, assegurando que “tudo fará” para que os suspeitos “sejam criminalmente responsabilizados”, caso as acusações sejam dadas como provadas.

“Confirmando-se as suspeitas que levaram à sua detenção, com práticas violadoras dos mais elementares princípios e valores que ditam a conduta dos militares da Guarda enquanto servidores da Lei, a Guarda Nacional Republicana tudo fará para que os autores sejam criminalmente responsabilizados, colaborando com todo o empenho e lealdade, com o Ministério Público e com a Polícia Judiciária”, afiançou a GNR.

Na Guarda - prossegue o comunicado -, “não há lugar para pessoas cujo comportamento possa corromper o compromisso de honra e exemplaridade ética que nos guia e que assumimos perante a sociedade e os cidadãos que servimos”.

A Direção Nacional da PSP confirmou, durante a tarde, ter tido conhecimento de “um polícia pertencente ao efetivo do Comando Distrital de Beja” entre os 17 suspeitos detidos na “Safra Justa”.

“A PSP aguarda conhecimento concreto do sucedido, pelo que, assim que tivermos notícia sobre os crimes de que o referido polícia é indiciado, serão desenvolvidos os procedimentos disciplinares adequados e preventivos”, lê-se em comunicado.O agente em causa ficou detido à guarda da PSP em celas de detenção provisória.

A Polícia de Segurança repudia “qualquer conduta, interna ou externa, que constitua uma violação flagrante” dos princípios da instituição, recordando que é “responsável pela defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e pela proteção da comunidade”.

“Salientamos que já havia sido comunicada pelo Comando Distrital de Beja da PSP ao Ministério Público, em dezembro de 2023, uma denúncia relativamente a suspeitas enquadráveis nos ilícitos criminais agora investigados e combatidos na zona de Beja”, acrescenta.Meio milhar de imigrantes

Em resposta entretanto enviada à RTP, a Inspeção-Geral da Administração Interna indica que, "logo que conhecida a identidade dos suspeitos, proporá a instauração dos respetivos processos disciplinares, que deverão ser instruídos pela IGAI".

Fonte policial, citada pela agência Lusa, indicou que a alegada organização criminosa desmantelada pela Judiciária controlava perto de 500 trabalhadores estrangeiros no Alentejo. Contudo, nem todos estão a ser encarados como vítimas de tráfico.

"Cerca de 500 trabalhadores estrangeiros, mas nem todos necessariamente vítimas de tráfico, estavam sob alçada desta organização criminosa", explicou a fonte.Os crimes na mira da investigação que culminou com as detenções de terça-feira terão sido perpetrados a partir de 2023.

Estão agora a ser inquiridas alegadas vítimas para memória futura nas instalações da Base Aérea n.º 11 de Beja. "Mas, ao longo destes anos, têm vindo a ser ouvidas outras vítimas".

c/ Lusa
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