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Os adolescentes portugueses sentem-se mais infelizes, mas também mais dispostos a pedir ajuda
Há mais de 25 anos a tratar adolescentes, a pediatra Helena Fonseca explica que os jovens portugueses estão hoje mais infelizes. Agravaram-se sintomas psicológicos como "irritabilidade, nervosismo e medo", assim como comportamentos de automutilação. No entanto, a médica especializada em medicina do adolescente sublinha que os jovens estão mais abertos a pedir ajuda e a falar sobre saúde mental.
Helena Fonseca é pediatra especializada em medicina da adolescência, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e coordena o Centro Colaborativo para a Medicina do Adolescente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Há vários indicadores que revelam um agravamento da saúde mental entre os adolescentes portugueses. Por exemplo, se tivermos por base o último relatório do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), um estudo que se repete a cada quatro anos, a perceção de infelicidade nos adolescentes portugueses aumentou relativamente ao estudo anterior. Os sentimentos diários de tristeza também cresceram, tal como os comportamentos de automutilação e os sintomas psicológicos como irritabilidade, nervosismo e medo que aumentaram substancialmente. Muitas vezes, este tipo de sintomas induz outros problemas, frequentemente físicos, como dores de cabeça, dores de costas, tonturas ou cansaço. Recebemos cada vez mais adolescentes referenciados pelos serviços de urgência, onde recorrem por perturbações de ansiedade ou por lesões autoinfligidas. Estas situações preocupam-nos, mas também há boas notícias: há indícios de que hoje existe maior facilidade em falar sobre os problemas de saúde mental. Os jovens parecem sentir-se mais à vontade para o fazer e para pedir ajuda.
É multifatorial. O início e o desenvolvimento de perturbações do foro da saúde mental, como a ansiedade e a depressão, dependem de um conjunto complexo de fatores tanto ambientais como genéticos. Os investigadores têm vindo a apontar que a exposição à violência, o racismo, as várias formas de discriminação, o sexismo, os abusos sexuais, o consumo de drogas, as dificuldades económicas e, no extremo, a pobreza, são fatores que contribuem indiscutivelmente para o desenvolvimento de uma perturbação do foro mental. Muitas vezes responsabilizam-se as redes sociais e o uso excessivo do smartphone. Eu acho que é complicado pensarmos que, de facto, seja só por aí.
Sim, de algum modo sim. No entanto, considero que a abordagem mais eficaz deve passar pela aquisição de competências e não exclusivamente pelo controlo ou pela proibição. A saúde mental dos jovens está, de facto, em risco, e há indicadores preocupantes, mas banir as redes sociais não será a solução. O papel do adulto deve ser ajudar a que essa utilização seja responsável.
Há cada vez mais queixas na área da comunicação, nomeadamente na comunicação intrafamiliar.
Diria que as duas coisas. As perturbações de ansiedade e os comportamentos autolesivos são, de facto, duas realidades que não víamos com tanta frequência há alguns anos, ou porque não nos chegavam, por estarem ocultas, ou porque aumentaram. Penso que há uma tendência para haver mais casos, mas também que muitas situações antes não chegavam até nós devido ao sentimento de vergonha, a ideia de “isto só acontece comigo”. Uma das coisas que tentamos trabalhar muito com o jovem é que perceba que não está sozinho, que há muitos outros com problemáticas semelhantes, e que o essencial é ter a capacidade de pedir ajuda.
É estarem atentos, sem serem excessivamente intrusivos. Darem um bocadinho de colo. Na adolescência é mais difícil perceber como se deve interagir: o adolescente é mais arisco, mas precisa imenso de afeto. Precisa de adultos que o ajudem a balizar as suas opções e os seus comportamentos, sem deixar de lhe dar um grau elevado de autonomia.