Papa Francisco defende "purificação da Igreja" confiando em Jesus

por RTP

Foto: Pedro Nunes - Reuters

"Temo o cansaço dos bons", afirmou esta tarde o Papa Francisco ao dirigir-se à Igreja portuguesa no Mosteiro dos Jerónimos.

Reconhecendo que os tempos actuais são difíceis, o Santo Padre lembrou que o apoio em Jesus é fundamental para prosseguir quando tudo parece perdido, lembrando as redes vazias dos pescadores do Mar da Galileia.

"É um sentimento muito difundido entre os países de tradição cristã antiga, atravessados por mudanças sociais e culturais cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus e por um progressivo afastamento da prática da fé", reconheceu Francisco. "E por aqui entra a mundanidade".

"Isto vê-se com frequência acentuado pela desilusão e a aversão que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguram o seu rosto", lançou o Santo Padre, apelando a uma "santificação humilde e constante, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar".

Francisco aludiu assim às vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica, sem contudo mencionar a palavra sexuais.

Na sua mensagem dita na língua espanhola, o Papa alertou que o risco, face a estes acontecimentos, é cair na "resignação e pessimismo", pedindo à Igreja portuguesa e em especial aos seus responsáveis máximos, para que enfrentem "as situações pastorais e espirituais", e dialoguem "com abertura de coração para experimentar novos caminhos a seguir".

"Ofereçamos ao Senhor as nossas canseiras e as nossas lágrimas, para poder enfrentar as situações pastorais e espirituais, dialogando entre nós, com abertura de coração para experimentar novos caminhos a seguir", recomendou.
Confiança em Jesus
Francisco dirigia-se a bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes pastorais, assim como representantes dos principais movimentos de leigos na Igreja, presentes no Mosteiro dos Jerónimos para rezarem juntos a oração da tarde da Igreja Católica.

"Quando cada um se sente desanimado, pense", desafiou o Papa, "Quando sentiu esse desânimo?"

"O risco é descer da barca, acabar preso nas redes da resignação e do pessimismo", alertou, para logo deixar um desafio. "Pelo contrário, confiemos que Jesus continua a tomar-nos pela mão" e a levantar a Igreja, "sua esposa amada".

Dirigindo-se mais pessoalmente aos sacerdortes ali presentes, o Papa alertou que, "quando estamos desanimados, de forma consciente ou não, deixamos cair o zelo apostólico e transformamo-nos em funcionários do sagrado", "meros administradores", algo "muito triste" de suceder a quem "consagroua sua vida a Deus".

Ao reentrar nas barcas dos apóstolos, então ainda meros pescadores e quando estes já lavavam as ferramentas após horas sem pescar nada, o "momento do desânimo" como identificou Francisco, "Jesus convida a lançar de novo as redes".

O Papa desafiou assim a Igreja portuguesa a fazer o mesmo, "a deixar Jesus entrar na barca, com a frescura do primeiro momento
, que deve ser revivida, reconquistada, reeditada".

Francisco apelou a não ter medo da "espiritualidade do recomeço". "Assim é a vida", lembrou, noutro à parte do discurso que trazia preparado. E, "quando se perde o sonho, lembramo-nos de mil justificações para não lançar as redes", avisou , alertando para uma resignação "amarga, que corrói a alma".

Nestes tempos difíceis, "a interpelação de Jesus à Igreja é, queres descer da barca e afundar na desilusão? Ou fazer-me subir e permitir que seja mais uma vez a novidade da minha palavra a tomar na mão o leme?", afirmou o mais alto representante da Igreja Católica na terra.
Três decisões
O Papa desafiou os bispos e consagrados e consagradas presentes a examinar a consciência e a recomeçar, a "despertar a ânsia pelo Evangelho", referindo que essa é "a segunda chamada de Jesus, para nos fazer caminhar". "Não tenham medo dela", recomendou.

Dirigindo-se de modo especial aos "portugueses" e lembrando o tempo das Descobertas, Francisco instou-os a "fazer-se ao largo, não para conquistar o mundo ou pescar bacalhau, mas para o alegrar e consolar com a alegria do Evangelho", lembrando as palavras do Padre António Vieira, a quem chamavam "Paiaçu, Pai Grande."

"Dizia ele, para nascer, Deus ter-vos-ia dado uma pequena terra, mas ao fazer-vos debruçar sobre o Oceano, deu-vos o mundo inteiro para morrer", lembrou o Papa, citando para nascer, pouca terra, para morrer toda a terra; para nascer, Portugal, para morrer, o Mundo.

Frisando que "não é tempo de amarrar a barca nem de olhar para trás", o Santo Padre considerou também que "não devemos evadir este tempo só porque nos mete medo, para nor refugiarmos em formas e estilos do passado. Não, este é o tempo da Graça que Deus nos concede para nos aventuramos no Mar da evangelização e da missão".

Para tal, Francisco recomendou à Igreja portuguesa três decisões que serão necessárias.

A primeira delas, "fazer-se ao largo", mar adentro, "deixando a margem" das "desilusões e do imobilismo", "afastar-se daquela tristeza melosa e do cincismo irónico que nos assaltam à vista das dificuldades", para "lançar de novo as redes". Algo que necessita de "muita oração", dia a dia, reconhecendo que se perdeu o hábito de "estar em silêncio diante do Senhor", a "adoração do Senhor", e apelando à sua recuperação segundo o exemplo de Madre Teresa.

Francisco referiu ainda São João de Brito, que "partiu para a Índia no mei de miutas dificuldades", tendo adotado a fala e a roupa dos locais, para lembrar que "também nós somos lembrandos a mergulhar as nossas redes nos tempos em que vivemos, dialogar com todos, a tornar compreensível o Evangelho". mesmo correndo "o rsico de alguma tempestade", uma vez que Jesus "vem ao nosso encontro dizendo 'sou eu, não temais'".

A segunda decisão, acrescentou o Papa, "é levar juntos a pastoral". "Pedro guia a barca, mas todos estão dentro dela", lembrou, a trabalhar juntos, pedindo ajuda. "E assim encheram não um mas dois barcos" com a pesca, acrescentou. "A Igreja é comunhão é ajuda recíproca, é caminho comum".

Lembrando o Sínodo que se vai iniciar brevemente, Francisco lembrou que "deve haver lugar para todos os baptizados", chamados a "subir à barca" para "lançar redes e anunciar o Evangelho". "Todos", frisou. "Não coloquemos alfândegas na Igreja", recomendou, reconhecendo que isso "é um grande desafio", desafiando ao envolvimento dos leigos num tempo de crescente falta de consagrados, "numa rede de relações humanas" e fugindo ao clericalismo.

Como terceira decisão, Francisco recomendou "tornar-se pescadores de homens", "sem medo". "Isso não é fazer proselitismo", frisou. É "anunciar o Evangelho ao outro", resgatando-o do "mar tempestuoso do mal que ameaça afoga-las, ressuscita-las de todas as formas de morte", "com amor". "Cristão é convidar, acolher, sem proselitismo", frisou.
"Porto seguro"
Nesse sentido, o Papa Francisco considerou que a Igreja portuguesa deve ser um porto seguro para quem enfrenta as tempestades da vida.

"Sonhamos a Igreja portuguesa como um porto seguro, para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida", afirmou Francisco.

Reconhecendo que "não faltam trevas na sociedade atual, inclusive aqui em Portugal", Francisco apontou a incerteza, a precariedade, sobretudo a económica, a pobreza de amizade social e a falta de esperança.

"A nós, como Igreja, cabe a tarefa de submergirmos nas águas deste mar, lançando a rede do Evangelho, sem acusar, mas levando às pessoas do nosso tempo uma proposta de vida"
, prosseguiu, observando a necessidade de o levar "a uma sociedade multicultural, (...) às situações de precariedade e pobreza, que aumentam, sobretudo entre os jovens", onde é frágil a família e se encontram feridas as relações ou onde "reinam o desânimo e o fatalismo".

com Lusa
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