Precisa-se de viaturas e voluntários para estudar a criação de carros solares

Uma equipa de investigadores do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia (DEGGE) e do Instituto Dom Luiz (IDL) está a recrutar voluntários para uma campanha de ciência cidadã, cujo objetivo é estimar o potencial da mobilidade solar, utilizando os próprios veículos. Uma campanha que decorre no âmbito do projeto "Solar Cars" e quer colocar o Sol, fonte energética limpa, no consumo automóvel.

As primeiras viaturas que tiveram associados painéis solares surgiram há cerca de 20 anos, mas na verdade este tipo de sistema não servia para alimentar motores elétricos, mas sim periféricos como, por exemplo, a ventilação. O sistema foi considerado, à época, um luxo e acabou por ser abandonado.

Atualmente, a integração deste tipo de gerador elétrico faz parte do quotidiano visual, mas apenas na produção de energia para redes fixas, embora já se estude e ensaie formas de aproveitamento em veículos motorizados.

Neste sentido, uma equipa de investigadores da DEGGE e do IDL pegou na ideia e instalou uma pequena grelha solar em alguns carros. E está a estudar a viabilidade de aproveitar a energia solar para consumo geral de uma viatura, como explica o professor Miguel Centeno Brito, investigador do DEGGE e IDL no departamento de Ciências da Universidade de Lisboa.

“Os carros consomem muita energia para andar e por isso, se tiver apenas um pequeno painel solar, de facto vou produzir pouca energia comparado com o que o carro utiliza. Mas se se conseguir colocar uma área bastante razoável - e estamos a falar em quatro metros quadrados de painel, que não é fácil colocar num carro -, se se fizer isso, consegue-se ter uma autonomia extra e, dependendo sempre do local e época do ano, de cerca de 15 a 20 quilómetros por dia”, explica o investigador.

Uma distância considerada razoável, se se tiver em consideração as deslocações médias diárias de um cidadão da periferia das cidades para o trabalho.

Contudo, se as distâncias são curtas e vantajosas para este tipo de sistema, as cidades apresentam um problema: as sombras produzidas pelos grandes edifícios acabam por impedir o necessário acesso solar ao painel.


O testemunho de um participante

Diogo Vasconcelos, de 25 anos, mora e trabalha em Lisboa e é neste momento um cientista cidadão. Desde 1 de março, recolhe dados para o projeto "Carros Solares" e diz estar entusiasmado, descrevendo-se como uma pessoa "preocupada com a sustentabilidade". Conheça o seu testemunho aqui.
Sol, a fonte que dá mais energia e mais quilómetros
É com vista a essa avaliação que os investigadores do departamento de Ciências da Universidade de Lisboa estão a recrutar voluntários para uma campanha de ciência cidadã.

O objetivo é estimar o potencial da mobilidade solar, no âmbito do projeto Solar Cars, utilizando veículos voluntários, mas também dar a conhecer este trabalho e todas as potencialidades da energia elétrica solar.

Miguel Centeno Brito refere, em conversa com a RTP, que depois de terem experimentado este sistema nos carros dos investigadores “bom, bom era ter muitos carros a circular e, se calhar, falar com todos os amigos para o fazer”.

“E foi nessa altura que nos lembrámos de que existem muitas pessoas a viver em Lisboa, mas também no país inteiro”, acrescenta. Alargou-se assim esta experiência a todo o território, obtendo desta forma dados mais consistentes.

Apesar de este projeto do departamento da Ciências da Universidade de Lisboa utilizar a tecnologia de aproveitamento solar, “não é um verdadeiro carro solar”, diz Miguel Brito.

Na verdade, este estudo consiste na colocação de um pequeno painel com cerca de meio metro no tejadilho da viatura, que está acoplado a um medidor de energia.

Estes sensores são autónomos (carregam com energia solar) e estão fixados magneticamente ao veículo, de modo a garantir que não se movem nem danificam a pintura do carro. Aparelhos que depois enviam automaticamente os dados para uma cloud para depois serem estudados.

Equipamento "Solar cars" do departamento de Ciências ULisboa

Pretende-se, com a integração de painéis solares em veículos elétricos, que estes sistemas aumentem a autonomia dos veículos devido ao carregamento energético solar, reduzindo custos, emissões de CO2 e a frequência de carregamento.

Exemplo disso foi uma análise do potencial, realizada em Lisboa, que mostra que, mesmo considerando as sombras provocadas pelos edifícios, a energia solar absorvida pelo pequeno painel, contribuiu, em média anual, com o equivalente a 18 quilómetros por dia.

Considerando que a distância média percorrida na cidade é de 30 quilómetros diários, um veículo elétrico solar reduziria desta forma os custos energéticos em mais de metade, eliminando as necessidades de carregamento durante o verão e reduzindo as necessidades de carregamento no inverno para metade.

Miguel Brito fala ainda em três vantagens particulares, pois “reduz o custo operacional do carro [elétrico]. Se não pago pelo combustível, porque vai buscá-lo ao Sol, logo vai ser mais barato do que pagar à rede. Segundo, se porventura carregar da rede e a eletricidade que se consome não é totalmente renovável (…) tem também impacto do ponto de vista das emissões”, explica o investigador.

“Depois temos uma terceira componente, que se calhar as pessoas não pensam, mas que é mesmo muito importante, que é o mercado dos carros elétricos está a crescer muito rapidamente”. E aqui entra a questão dos carregadores eléctricos instalados no país e o respetivo custo versus o número de viaturas. Por isso, “o carro elétrico solar não tem as emissões associadas ao diesel ou à gasolina, é bastante mais limpo, mesmo que use a eletricidade da rede, mas como usa a electricidade solar não precisamos de o carregar com tanta frequência”.

Traduz-se desta forma numa pegada carbónica mais eficiente, mais limpa e amiga do ambiente.
Fabricantes já apresentam veículos com painéis solares
Ainda é reduzida a participação de empresas construtoras de automóveis na integração de painéis fotovoltaicos à superfície da viatura. Mas surgem já algumas apostas, como por exemplo a da sul-coreana Hyundai.

A viatura hibrida – a combustível e eletricidade - foi apresentada em 2019 e está disponível apenas na Coreia e na América do Norte, mas por enquanto não há planos para vendê-la em outras regiões.

Com esta adaptação, a marca conta ajudar a melhorar a eficiência do combustível e reduzir as emissões de CO2. A empresa referiu, na apresentação do modelo, que este sistema poderá fornecer até 60 por cento da energia à bateria do carro, caso tivesse exposto ao Sol durante seis horas por dia. Somado o valor, os painéis solares podem fornecer energia suficiente para percorrer cerca de 1.300 quilómetros por ano.

Modelo Sonata Hybrid solar-combustivel da Hyundai

Questionado pela RTP sobre a possibilidade de ser criada uma viatura híbrida a hidrogénio e eletricidade, Miguel Brito não se mostra muito confiante.

“É improvável”, refere, “uma solução híbrida, duas soluções no mesmo veículo, significa que é demasiado caro. O que faria sentido era ter a melhor opção no veículo. Relativamente a viaturas de passageiros ligeiros, não tenho dúvidas nenhumas de que a solução vai passar pela solução elétrica alimentado com energia solar alimentada pelo próprio carro, ou por carregadores externos fornecidos de fontes renováveis. O hidrogénio pode eventualmente ter alguma aplicação para casos particulares de transporte rodoviário, se tivermos a falar de grandes distâncias para transportar mercadorias, por exemplo. Pois a solução eléctrica nos veículos pesados não compensa a instalação de grandes baterias e pesadas versus consumo”.

Apesar do custo da eficiência, uma empresa criada, em 2016, por alunos do Eindhoven Institute of Technology dos Países Baixos - membros da equipa Solar Team Eidhovan, que venceu por três vezes a Bridgestone World Solar Challenge - conseguiu atrair investidores. Com um capital de mais de 100 milhões de euros, construíram um protótipo funcional em apenas um par de anos. O resultado foi o carro totalmente elétrico de nome Lightyear One.

Modelo Lightyear One - Direitos Reservados

O modelo agradou ao mercado e surgiram várias encomendas que esgotaram rapidamente as 150 unidades da Pioneer Edition, vendida por um valor a rondar os 150 mil euros.

A empresa prepara já um segunda edição, também com edição limitada, mas em número superior. O valor, esse, será superior ao do modelo anterior.
Carros totalmente elétricos. O futuro?
O primeiro protótipo de um carro solar surgiu há mais de 50 anos, mas a indústria automóvel só muito recentemente apostou na funcionalidade elétrica - de algum modo de forma forçada devido aos alertas ambientais e à contestação de utilização de fontes fosseis, não renováveis e poluidoras.

Mais do que uma aposta por parte dos fabricantes, existe já uma imposição legislativa europeia que vai proibir a venda de carros novos a gasolina e diesel na União Europeia, a partir de 2035.

Novas regras que vão obrigar os construtores a adotar novas funcionalidades de forma a atingir um corte de 100 por cento nas emissões de dióxido de carbono dos carros novos.

Mas para esta meta ser atingida a lei determina que os carros novos vendidos a partir de 2030, em relação aos níveis de 2021, tenham já um corte de 55 por cento nas emissões de CO2. Uma meta muito acima da existente, que é atualmente de 37,5 por cento.

De acordo com Jan Huitema, principal negociador do Parlamento Europeu para as regras de descarbonização automóvel, "os custos operacionais de um veículo elétrico já são mais baixos do que os custos operacionais de um veículo com motor de combustão interna”, acrescentando que “é crucial trazer veículos elétricos mais acessíveis para consumidores”.

Custos que até há pouco tempo eram elevados, mesmo para a rede solar habitacional. Devido à “emergência” e à aposta ambiental mais robusta, este tipo de equipamento tornou-se mais acessível, explica o investigador da Universidade de Lisboa.

“Há quase 20 anos que há pequenos modelos e veículos de demonstração com painéis integrados e até agora isso não foi considerado numa escala grande por uma questão de preço (…) E por isso agora está finalmente a chegar a altura de integrá-los em outras aplicações que não sejam ótimas”, tal como um carro.

Apesar de tudo, um sistema solar adaptado a uma viatura ajuda, no mínimo, a reduzir outros tipos de consumos externos e paralelos, como a energia da rede, ou ainda fontes produzidas por combustível fóssil.
Faça do seu carro um "Solar Car"
Solar Cars” é um projeto de ciência cidadã que pretende recolher dados experimentais do potencial solar de veículos elétricos para validação de modelos como este.

As medições são realizadas a bordo de veículos de voluntários, que não precisam de ser carros elétricos, cientistas cidadãos com vontade de aprender mais sobre o papel da energia solar para uma mobilidade mais sustentável e, em participar, num projeto científico.

Para participar, basta preencher um formulário disponível no site do projeto e ter alguns cuidados, como explica o investigador Miguel Centeno Brito.
Os sensores solares estão em circulação na cidade de Lisboa desde dezembro de 2021 e já passaram por cerca de 15 veículos diferentes, desde autocarros, veículos particulares e TVDE.