Projecto do TGV é campo de batalha entre PSD de Ferreira Leite e Governo

Os ecos da entrevista de Manuela Ferreira Leite à RTP assumiram esta sexta-feira a forma de um duelo político entre a direcção social-democrata e o ministro das Obras Públicas, a propósito da oportunidade do projecto da rede ferroviária de alta velocidade. O PSD de Ferreira Leite promete “riscar” o TGV do mapa se vencer as legislativas, ao que Mário Lino responde com acusações de “falta de credibilidade” e “embuste”.

Carlos Santos Neves, RTP /
O calendário do projecto prevê a abertura da linha Lisboa-Madrid em 2013; a linha Lisboa-Porto deve começar a funcionar em 2015 Tiago Petinga, Lusa

A presidente do PSD foi ontem confrontada, no programa Grande Entrevista, com as suas posições sobre os grandes projectos de investimento público acalentados pelo Governo de José Sócrates, sobretudo aqueles cujo dividendo “não tenha nada a ver com a produção nacional, porque vai ser tudo importado, nem com a mão-de-obra nacional, porque vai ser toda importada”.

“Se insiste e quer que eu lhe diga um, eu dir-lhe-ei que, sendo Governo, riscarei imediatamente o TGV”, afirmou Manuela Ferreira Leite.

Imagem da presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite

“Na situação actual do país, que está com um nível de endividamento absolutamente incomportável, não é possível fazer investimentos, sejam eles quais forem, que impliquem grandes importações”, reiterou.

“Total falta de credibilidade”

Sentindo-se tocado pelas declarações de Ferreira Leite, o ministro das Obras Públicas foi lesto a apontar “total falta de credibilidade” à ponte de comando dos sociais-democratas. Isto porque foi um governo em tons laranja que solicitou verbas comunitárias para um projecto “estratégico para as próximas décadas”.

“Em 2003 o Governo do doutor Durão Barroso apresentou aos portugueses a alta velocidade como um projecto da maior importância estratégica para Portugal, com largos benefícios para o país e que iria aumentar o Produto Interno Bruto, pelo menos, em 1,7 por cento”, assinalou Mário Lino.

Para de imediato desfiar um rol de perguntas: “Tudo isso era mentira, tudo isso era um embuste? O projecto, afinal de contas, não tem interesse nenhum para o país, é megalómano, é faraónico, só traz prejuízos, já não tem benefícios? Afinal a doutora Manuela Ferreira Leite enganou os portugueses em 2003 e 2004 ou está a enganar os portugueses agora?”.

O governante faz também questão de lembrar que, no Orçamento do Estado para 2009, “não há nenhum dinheiro afecto à rede ferroviária de alta velocidade”.

PSD não desarma

A direcção de Manuela Ferreira Leite voltou esta sexta-feira à carga pela voz do vice-presidente José Pedro Aguiar Branco, que acusou o ministro das Obras Públicas de negligenciar “os encargos que o Estado assume para o futuro”.

“Pelos vistos não dá importância às alterações de circunstâncias graves que aconteceram no país, que hoje são completamente distintas das que eram há uns anos. E não se preocupa com os encargos que o Estado assume para o futuro e que podem hipotecar gerações e gerações de portugueses”, disparou o vice-presidente do PSD.

De baterias apontadas ao Ministério das Obras Públicas, Aguiar Branco rematou com a ideia de que “o senhor ministro Mário Lino perdeu uma boa oportunidade para estar calado”.

Quanto à acusação de “total falta de credibilidade”, o dirigente social-democrata devolve: "É seguramente o ministro que mais vezes tem sido desautorizado pelo senhor primeiro-ministro. É o ministro que mais problemas e trapalhadas tem causado a este Governo. É o ministro que mais vezes, seguramente, tem dito uma coisa hoje e o seu contrário no dia seguinte”.

Voz crítica na família socialista

As vozes críticas do projecto de alta velocidade não emanam apenas da São Caetano à Lapa. O antigo ministro socialista João Cravinho, agora à frente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), descreve parte da rede – a ligação entre Lisboa e Madrid – como um “projecto ruinoso”.

“Sobre Lisboa-Madrid, compreendo que, tendo sido objecto de uma negociação internacional, não podemos dispor à vontade de fazer ou não fazer, mas não podemos deixar de reconhecer que é um projecto ruinoso financeiramente, não viável”, sustentava ontem à noite o antigo governante, à margem de um debate em Cascais.

“É económica e financeiramente uma diminuição de recursos e não um acrescentamento. Se as circunstâncias fossem tais que houvesse acordo com Espanha para adiar esse projecto, ganhava-se em dois campos, alguma procura adicional, que o tempo irá permitir, e evitava-se uma enorme perda”, reforçou Cravinho.

O presidente do BERD admitiu ainda que as motivações políticas do Governo são “outro problema” e defendeu a ligação de alta velocidade entre Lisboa e Porto como “uma peça essencial” da estratégia de desenvolvimento do país.

Quanto à exploração da rede, João Cravinho apontou o que considera ser o problema mais premente: “A exploração não é pura e simplesmente rentável. Só poderá ser feita com subsídios que a legislação comunitária não permite, portanto estamos para ver como vai ser”.
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