Reitor da Nova congela pedidos de acumulação de funções, ex-ministra refuta ilegalidades
O reitor da Universidade Nova de Lisboa (UNL) decidiu congelar temporariamente todos os pedidos de acumulação de funções, depois de uma inspeção ter concluído que houve violação do regime de exclusividade de docentes, indicou hoje a instituição à Lusa.
Paulo Pereira determinou o "congelamento temporário de todos os pedidos de acumulação de funções até à clarificação do enquadramento legal aplicável e revisão dos procedimentos internos", bem como a "realização de uma auditoria às associações participadas que estão no perímetro externo da universidade, para apurar eventuais situações que possam configurar incumprimento da lei ou dos regulamentos internos da universidade".
Em causa, segundo a UNL, está um relatório de uma ação da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), desencadeada por uma denúncia anónima, que visa 31 professores da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) que, entre 2020 e 2024, acumularam o vencimento com remunerações decorrentes do exercício de funções no Uninova -- Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias, uma associação privada sem fins lucrativos, sediada no `campus` da FCT, em Almada, e participada pela UNL.
"Essas remunerações estariam associadas a projetos de investigação científica financiados por agências e organismos internacionais", refere, sem mencionar valores, a UNL numa resposta à Lusa, citando o relatório da IGEC.
A UNL acrescenta que, "apesar de existir, desde 2006, um protocolo de colaboração entre o Uninova e a FCT, que serviu de base ao financiamento das atividades em causa, a IGEC considera que esse enquadramento não invalida a aplicação do regime de exclusividade dos docentes, reafirmando que qualquer remuneração adicional deve ser previamente autorizada e processada através da universidade".
O jornal Nascer do Sol noticiou hoje que entre os docentes que violaram o regime de exclusividade e receberam milhares de euros ilegalmente estão a ex-ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Elvira Fortunato, que exerceu essas funções entre 2022 e 2024, no terceiro Governo socialista de António Costa, e o marido, Rodrigo Martins.
Numa exposição escrita enviada à Lusa, Elvira Fortunato, que foi vice-reitora da UNL entre 2017 e 2022, refutou qualquer ilegalidade, alegando que a colaboração entre docentes e investigadores da FCT e o Uninova "decorre de um protocolo formal e legalmente aprovado pela Universidade Nova de Lisboa, o qual não implica a perda do regime de dedicação exclusiva e está plenamente conforme com a legislação em vigor", nela incluindo o estatuto da carreira docente universitária e o regulamento da universidade.
Segundo a investigadora, que inventou o transístor de papel, "este protocolo, semelhante a outros existentes noutras universidades portuguesas e europeias, visa promover a participação em projetos de investigação e inovação competitivos, financiados unicamente por fundos internacionais, sem encargos para o erário público".
"As compensações atribuídas no âmbito desses projetos correspondem a remunerações complementares legalmente previstas, reconhecidas pela própria Universidade Nova, e não configuram qualquer violação do regime de exclusividade", advogou Elvira Fortunato, sem mencionar montantes, acrescentando que, enquanto foi ministra, suspendeu "todas as funções académicas" e não recebeu "quaisquer remunerações relacionadas com o protocolo" de colaboração entre o Uninova e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL.
A universidade adiantou à Lusa que, na sequência do relatório da IGEC, recebido a 20 de outubro e remetido ao Tribunal de Contas e ao diretor da faculdade, o reitor determinou, ainda, a criação do Gabinete de Integridade e Conformidade Institucional para "reforçar os mecanismos de prevenção e controlo de conflitos de interesse".
À data dos factos analisados pela IGEC, Paulo Pereira ainda não era reitor da UNL.
O investigador e professor só tomou posse em 07 de outubro, sucedendo a João Sàágua, agora presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e que esteve envolto numa polémica por receber dois salários na universidade que dirigia.
A Universidade Nova de Lisboa garante que "está a analisar as conclusões e recomendações da IGEC" e que "agirá sempre de modo a garantir o cumprimento da lei e de modo a assegurar que todas as unidades orgânicas cumprem os regulamentos internos da universidade".
De acordo com o jornal Nascer do Sol, a ex-ministra Elvira Fortunato, o marido e restantes docentes visados terão de "devolver à universidade os valores que foram pagos a mais pelo dever de dedicação exclusiva referentes aos últimos cinco anos".
Citado pelo semanário, o diretor da FCT da UNL, José Júlio Alferes, invocou que "a questão que se coloca é se estes docentes tinham ou não de pedir autorização prévia para participar" em projetos de investigação científica "no caso de terem dedicação exclusiva".