Sem efetivos, repleto de lacunas. Relatório do Governo denuncia anos de insegurança nos Paióis Nacionais de Tancos

Nove meses depois do furto de Tancos, o Ministério da Defesa publicou o relatório que avalia o estado dos paióis e a resposta dada pelas autoridades na sequência do desaparecimento do material militar. O relatório apresenta-nos uma infraestrutura onde a segurança ficou, ao longo de décadas, abaixo do que tinha sido inicialmente padronizado. À falta de recursos humanos junta-se a ineficiência dos sistemas de segurança, que foram sendo desativados ao longo dos anos. Em 2012, o sistema foi considerado “inoperacional e irreparável”. As mudanças estariam orçamentadas para 2017. O furto aconteceu antes.

Christopher Marques - RTP /
Nacho Doce - Reuters

O relatório elaborado pelo Ministério da Defesa reconhece as deficiências existentes nos Paióis Nacionais de Tancos na data em que ocorre o furto. O documento “Tancos 2017: Factos e documentos" assinala que as portas e as fechaduras “não têm os requisitos de segurança exigidos” e que a “rede de segurança periférica encontra-se degradada em alguns pontos”. Há ainda “para-raios que não estão operacionais, sendo necessária a sua substituição”.

Segundo o relatório que deu entrada na quarta-feira no Parlamento, a “Casa da Guarda não tem comunicação de rede fixa nem existem meios de comunicação com os postos de sentinela e as rondas móveis, sendo a comunicação assegurada por telemóveis de serviço”. O pavimento no exterior encontra-se em mau estado de conservação e não há “quaisquer sistemas de sensores e de videovigilância em funcionamento”

O documento assinala que os Paióis Nacionais de Tancos nunca tiveram o número de efetivos apontados como necessários para garantir a sua segurança. Em 1987, foi considerado que o destacamento de segurança deveria ser composto por 44 elementos: um oficial, cinco sargentos, quatro cabos e 34 soldados. Em 2017, esta missão estava na mão de menos de uma dezena de pessoas.

O Ministério da Defesa Nacional assume que “nunca, desde a sua instalação, foi alcançado – nem de perto, nem de longe, o standard inicialmente definido como necessário”. Aliás, a tutela recorda que, em 2001, a inspeção realizada à Escola Prática de Engenharia pela Inspeção Geral do Exército já fazia referência “à vulnerabilidade que resultava da não colocação, naquela Escola, da totalidade do efetivo que fora decidido em 1988”. Os efetivos disponíveis diminuíram ainda em 2004 com o fim do serviço militar obrigatório.
Quem é responsável pela segurança?
O relatório nota ainda que se gerou desde início uma situação pouco clara sobre que entidade deveria ser responsável pela segurança dos Paióis Nacionais de Tancos. A responsabilidade tinha sido inicialmente atribuída à Direção do Serviço de Material que depois a atribuiu a “segurança imediata” à Escola Prática de Engenharia.

A tutela nota agora que, “com a serenidade que advém do decurso do tempo, essa decisão justificaria algum reparo, uma vez que a atribuição de responsabilidades de segurança a uma entidade gestora de material poderia propiciar, com elevada probabilidade, colisão com responsabilidades de natureza operacional”. Esta situação, sublinha o relatório, manteve-se “sem alterações de relevo até à data do incidente de junho de 2017, praticamente três décadas depois”.

À falta de recursos humanos junta-se a ineficácia da tecnologia utilizada. O relatório assinala que “o sistema de sensores de soo e rede interna e o sistema de videovigilância datam da década de 90 do século passado”. O sistema sensorial acabaria por ser desligado em 2000 “por se ter tornado ineficiente". Em 2006, a Escola Prática de Engenharia denunciou que o sistema de vigilância estava obsoleto e foi determinado que se estudasse a possibilidade de serem instalados meios eletrónicos de vigilância.

O investimento acabaria por não se realizar e as condições foram se deteriorando cada vez mais. Em 2012, “todo o sistema de videovigilância acabou por ser considerado inoperacional e irreparável, por inexistência de sobressalentes”. No ano seguinte, desce mais um degrau e passa a “obsoleto”. É também em 2013, segundo o relatório do Executivo, que a Unidade de Apoio Geral de Material do Exército reconhece que é preciso um novo sistema.
O sistema que não chegou
No ano de 2015, o sistema de videovigilância é integrado no SICAVE, um “projeto ambicioso” que pretendia implementar nas unidades militares portuguesas uma plataforma central de gestão unificada de segurança física, dotado de um sistema de videovigilância e de controlo de acessos, entre outros. “Um projeto ambicioso, tecnicamente exigente, que pressupunha recursos humanos, materiais e de financiamento avultados”, reconhece o Ministério da Defesa.

Quando ocorreu o assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, o sistema não estava ainda ali instalado. Esta unidade militar estava integrada num lote de “seis unidades com projeto elaborado e com fonte de financiamento identificada e execução prevista para 2017”.

O furto de material militar em Tancos foi detetado a 28 de junho de 2017 na sequência de uma ronda móvel realizada por um sargento e uma praça ao serviço do Regimento de Engenharia 1. O relatório explica que se deu pela falta de material e que se verificou que tinham sido arrombadas fechaduras das portas dos paióis 14 e 15 e perfurada a rede exterior de segurança.

Segundo o relatório, o roubo ocorreu “sem recurso à violência”, até porque os locais em causa “não estavam vigiados em permanência”. O relatório do Ministério da Defesa mantém que o material roubado era já obsoleto, como tinha sido afirmado em junho pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
"Pena de repreensão"

Quando as autoridades encontraram o material roubado, em outubro de 2017, as autoridades anunciaram que foi encontrada uma caixa a mais em relação à lista de material desaparecido que tinha sido feita depois do furto. O relatório do Ministério da Defesa conclui agora que esta caixa tinha sido levada para um exercício militar e posteriormente devolvida aos paióis.

Por lapso, segundo a tutela, um sargento não “atualizou a folha de registo de quantidades de material”, tendo sido aberto um processo disciplinar em novembro de 2017 que determinou a aplicação de uma “pena de repreensão”. “A pena foi cumprida”, esclarece o Governo.

No relatório com mais de uma centena de páginas, o Ministério da Defesa faz um resumo história dos paióis nacionais de Tancos e dos acontecimentos e decisões tomadas a partir do furto de junho de 2017.

Logo no texto de apresentação, o Governo sublinha que este documento não visa responder às perguntas “Quem, quando, porquê e como perpetrou o furto de material de guerra nos Paióis Nacionais de Tancos”. A resposta a esta questão “legítima” deverá “aguardar serenamente, para resposta cabal, pelo termo das investigações, orientadas por quem de direito, o Ministério Público”, afirma o ministério liderado por Azeredo Lopes.

O documento foi entregue no Parlamento e também na Presidência da República. A investigação da justiça ainda prossegue.

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