Tutela promete devolver hospitais sem prejuízo das populações

O Governo quer assegurar que os hospitais a devolver às misericórdias sejam administrados sem que “o acesso das populações abrangidas fique comprometido”, admitindo que este é um processo “que não se faz em dois dias”. A garantia é do secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, e surge depois de o presidente da União das Misericórdias Portuguesas ter aclarado que, por agora, a estrutura está apenas disponível “para conversar, não para concretizar”. Isto porque a “relação de confiança” com o Estado “está muito fragilizada”.

RTP /
"Agora temos de viver com o que temos", sublinhou no Porto o secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa André Kosters, Lusa

A devolução de 15 hospitais públicos às misericórdias, anunciada há uma semana pelo primeiro-ministro, “é um trabalho que não se faz em dois dias”, reconheceu ontem à noite o secretário de Estado adjunto da Saúde. À margem de um seminário da Misericórdia do Porto, Fernando Leal da Costa apoiou-se nas declarações de Pedro Passos Coelho para assinalar que o Governo não está “na disposição de encontrar formas diferentes de gestão” que levem a que “o acesso das populações abrangidas fique comprometido, quer em termos de qualidade, quer de quantidade de serviço”.“Fazer o trabalho de casa”

O Diário Económico revelou na sexta-feira que os ministérios da Saúde e das Finanças estão a negociar com a missão do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia a aplicação de 1600 milhões de euros do pacote de resgate financeiro para fazer face a dívidas dos hospitais-empresa a fornecedores.

No Porto, o secretário de Estado adjunto da Saúde comentou o processo com ironia, afirmando que no Ministério há “muita gente habilitada a dar injeções”. “Mas injetar dinheiro é que é sempre muito mais difícil”, acrescentou.

“Até agora, o Serviço Nacional de Saúde tem vivido significativamente e sistematicamente de injeções. Agora temos de viver com o que temos, porque por mais que injetemos dinheiro, se não fizermos a primeira parte do trabalho de casa, então pouco tempo depois estamos na mesma situação ou pior do que aquela em que estávamos”, contrapôs.


“Nos casos em que isso for possível e desejável por ambas as partes, nós estamos abertos a encontrar mecanismos para que, continuando os hospitais a servir as populações em que estão inseridos, a gestão passe a pertencer no todo ou em parte às misericórdias”, explicou o governante, em declarações citadas pela agência Lusa.

Quanto aos efeitos nos corpos clínicos de um eventual crescimento do número de utentes dos hospitais a entregar às misericórdias, Fernando Leal da Costa coloca a tónica na necessidade de acautelar uma gestão mais eficaz: “Os médicos já trabalham muito em Portugal, trabalham muitíssimo. Se calhar, até trabalham muito para aquilo que nós ainda hoje somos capazes de pagar. Uma coisa é certa, há aqui um ciclo vicioso do qual nós temos que sair”.

A resposta, advogou o secretário de Estado, passa por “criar condições para uniformizar o que é pedido aos médicos”. “Só depois e tão cedo quanto possível poderemos encontrar um equilíbrio remuneratório em que paguemos justamente a quem trabalha aquilo que merece ganhar e não paguemos injustamente e a mais a quem não produz o suficiente”, acrescentou.

“Relação de confiança muito fragilizada”

Ouvido pela Lusa, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas advertia ontem para o facto de a “relação de confiança” da organização com o Estado estar atualmente “muito fragilizada”. Razão pela qual a União se mantém, por enquanto, apenas disponível “para conversar” sobre o processo de devolução de hospitais públicos.

“Apesar das declarações do primeiro-ministro, que registamos com muito agrado, estamos num momento em que a relação de confiança entre o Estado e as misericórdias está muito fragilizada, porque ainda não estão regularizadas as dívidas dos cuidados continuados”, frisou Manuel Lemos, que disse ainda perceber “muito bem que a forma mais rápida que o Estado tem de fechar camas hospitalares sem diminuir os cuidados à população é com estas devoluções”.

A União das Misericórdias, garantiu Manuel Lemos, está “completamente disponível para isso”. Todavia, uma vez que “nem todo o processo dos cuidados continuados está esclarecido”, nenhum dos provedores “está disposto a recuperar um hospital para que, mudando o governo ou o ministro, venha a seguir alguém dizer que não há dinheiro”.

“As misericórdias não são grupos económicos grandes e portanto precisam que aquilo que contratam com o Estado seja cumprido. Enquanto isso não estiver bem esclarecido e esclarecido de uma forma duradoura e sustentável, a nossa disponibilidade vale isso mesmo. É uma disponibilidade e ponto final”, concluiu o responsável, para quem “o Estado também tem de mudar o seu paradigma”: “Enquanto não mudar o paradigma e não esclarecer algumas questões que estão por esclarecer, a nossa disponibilidade é para conversar, não é para concretizar”.
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