Um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos e cerca de 5.000 vão aposentar-se até 2030

por RTP
Reuters

Um relatório sobre recursos humanos em saúde divulgado esta terça-feira indica que aproximadamente um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos. Este envelhecimento da classe irá resultar numa vaga de cerca de 5.000 aposentações até 2030.

"A presente década de 2020-2030 será marcada por um elevado volume de aposentações de médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Prevê-se neste período a aposentação de cerca de cinco mil médicos, a que acresce a aposentação de médicos que trabalhem exclusivamente no setor privado", refere o documento assinado pelos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa.

Este relatório faz parte da cátedra em Economia da Saúde, enquadrada na iniciativa para a Equidade Social, que resulta de uma parceria entre a Fundação "la Caixa", o BPI e a Faculdade de Ciências Económicas, Financeiras e de Gestão da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE).

Os investigadores alertam ainda que o "problema do envelhecimento é assimétrico no território nacional". No Norte, Centro e regiões autónomas há uma "proporção de médicos com mais de 65 anos inferior à média nacional".

"Para além da assimetria regional e por especialidades, verifica-se um agravamento acentuado ao longo do tempo. Em 1996, cerca de 11% dos médicos inscritos na Ordem dos Médicos tinham mais de 65 anos. Os dados mais atuais, referentes a dezembro de 2021, colocam esta proporção em 24%", refere o estudo.

A análise indica que, ao nível das especialidades, o envelhecimento da classe é mais evidente na medicina tropical (88,1% dos médicos com mais de 65 anos), na estomatologia (53,8%), na cirurgia pediátrica (43,6%), na patologia clínica (43,1%), na cirurgia cardiotorácica (42,6%) e na cirurgia maxilofacial (40,9%).
De acordo com a OCDE, Portugal apresenta 5.5 médicos por cada mil habitantes – destacando-se como o país da OCDE com maior número de médicos. No entanto, pode haver uma sobrestimação deste número em cerca de 30 por cento, associada ao facto de o número de médicos em Portugal representar o número de médicos inscritos na Ordem dos Médicos, o que ultrapassa o número de médicos que de facto exercem medicina.
Por outro lado, as especialidades menos envelhecidas são as da Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética (31,0%), Otorrinolaringologia (31,1%), Oftalmologia (31,2%), Ortopedia (31,3%) e Psiquiatria (31,5%).

Segundo os dados agora divulgados, esse elevado envelhecimento da classe "faz antecipar uma vaga de aposentações" para os próximos anos, prevendo-se um volume médio de aposentações anuais superior a 450.

Lisboa e o Norte, regiões com maior número de profissionais de saúde, "serão as mais afetadas"
, salienta ainda o relatório.

O documento estima que a década de 2030 será marcada por um volume de aposentações anuais "substancialmente inferior". Entre 2030 e 2040 deverão aposentar-se, em média, menos de 250 médicos por ano.

"O envelhecimento dos profissionais de saúde implica uma adaptação do sistema de saúde. Uma maior proporção de médicos envelhecidos reduz os profissionais de saúde disponíveis para trabalhar em período noturno ou em urgência", alertam também Pedro Pita Barros e Eduardo Costa.

A aproximação da idade da reforma de um grande número de médicos coloca ainda um "grande desafio à manutenção de capacidades formativas no SNS", destacam.

"O planeamento atempado dessas aposentações é fundamental para minimizar disrupções no normal funcionamento dos cuidados de saúde", salienta o relatório, que analisa vários indicadores sobre os recursos humanos da saúde entre 2011 e 2022.

O documento adianta ainda que os índices de envelhecimento dos enfermeiros são "substancialmente inferiores" aos dos médicos, uma vez que, em 2019, menos de 4% desses profissionais de saúde tinham mais de 65 anos.
Perda de poder de compra e crescimento do setor privado
O mesmo relatório hoje divulgado sublinha que os médicos perderam 18 por cento do poder de compra entre 2011 e 2022. A redução de ganhos médios "contribui para a deterioração da atratividade do Serviço Nacional de Saúde".

"Verifica-se que, em 2022, os médicos perderam 18% do seu poder de compra face a 2011. No caso dos enfermeiros, a quebra do poder de compra é de 3%", adianta a análise dos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa sobre os recursos humanos da saúde.

O documento salienta que, ao contrário dos profissionais de saúde, os restantes trabalhadores nacionais viram o seu poder de compra subir 6% em média no mesmo período, apesar da quebra significativa em 2022, devido ao aumento súbito da inflação.

"A evolução negativa das remunerações dos profissionais de saúde no SNS contribui para a deterioração da atratividade do SNS", alertam os investigadores, para quem o período de recuperação registado antes da pandemia "não foi suficiente para recuperar significativamente as dificuldades sentidas durante a crise financeira e para fazer face à dinâmica recente de preços".
O relatório em causa destaca “três choques” recentes sobre os profissionais de saúde: a crise financeira entre 2011 e 2014, a recuperação no pós-crise entre 2015 e 2019 e a pandemia de Covid-19.
Além disso, nos últimos anos, os suplementos remuneratórios, como as horas extraordinárias, têm ganho peso na remuneração total dos profissionais do SNS, sendo utilizados para "atenuar as perdas de poder de compra associadas à lenta evolução da remuneração base", sublinha o documento.

O relatório salienta ainda que o mercado de trabalho para profissionais de saúde, em particular para os médicos, é caracterizado por "algum nível de competição" entre os diferentes prestadores de cuidados de saúde.

"A possibilidade de trabalhar simultaneamente em mais do que um setor, aliada à elevada procura por profissionais de saúde, coloca uma pressão acrescida sobre o SNS", alerta também o documento, ao salientar que o crescimento do setor privado ao longo das últimas décadas pode contribuir para uma maior competição por profissionais de saúde.

No caso dos médicos, registou-se em 2011 um ganho médio mensal (remuneração base mais suplementos) de 3.729 euros, valor que baixou 5% para 3.558 euros, uma redução ao longo do tempo que também pode ser explicada por diversos efeitos, como o elevado volume de aposentações de médicos com vencimentos mais elevados.

Já nos enfermeiros, entre 2011 e 2022, registou-se um aumento de 14% no ganho médio mensal, um crescimento "particularmente expressivo nos anos de 2018 e 2019, com taxas de crescimento de cerca de 6%".

"Não se colocando em causa a necessidade de aumentar o salário mínimo nacional, prevê-se que a distribuição salarial na função pública fique cada vez mais apertada na ausência de aumentos para as restantes profissões, acentuando a falta de competitividade salarial – pelo menos como percecionada - associada às profissões de saúde. A correção de alguma desta discrepância, ainda que contribuísse para um aumento da competitividade, implicaria um impacto financeiro muito significativo.", pode ler-se no relatório.
"Os aumentos do salário mínimo nacional têm sido largamente superiores aos aumentos salariais para profissionais de saúde no SNS, o que tem encurtado essa distância", adianta o relatório.

Em 2011, o ganho médio dos médicos correspondia a 7,7 vezes o salário mínimo, mas em 2022 reduziu-se para 5,1, refere o documento. No caso dos enfermeiros do SNS, o ganho médio em relação ao salário mínimo desceu de 3,2 em 2011 para 2,5 em 2022.

"Considerando a evolução prevista do salário mínimo nacional até 2026 - ano em que deverá chegar aos 900 euros - seria necessário um aumento das remunerações dos médicos e enfermeiros entre 2023 e 2026 de 82% e 63%, respetivamente, para recuperar o diferencial entre salários de profissionais de saúde e o salário mínimo registado em 2011", exemplifica o estudo.

c/ Lusa
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