Violência doméstica. Relatório aponta poucas condenações em Portugal

por Cristina Sambado - RTP
Os peritos apontam também para “outras lacunas importantes remanescentes” Lusa

Um relatório europeu de um grupo de peritos para o combate à violência doméstica defende que Portugal necessita de mais coordenação entre as agências governamentais para combater este tipo de crime. Em 2018, 24 mulheres foram assassinadas por familiares ou companheiros, mais seis do que no ano anterior.

Apesar de reconhecer que Portugal fez “progressos significativos” contra a violência exercida sobre as mulheres e até pioneiro em certas áreas, o relatório do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO, na sigla em inglês) aponta para uma baixa taxa de condenações.As conclusões contam do primeiro relatório realizado em Portugal após a ratificação em 2013 da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, designada como Convenção de Istambul.

“O GREVIO reconhece o compromisso significativo das autoridades portuguesas e os progressos alcançados”, frisa o relatório assinado pelo grupo de peritos, que aponta, no entanto, “um conjunto de deficiências”.

Os peritos recomendam medidas para melhorar a proteção das vítimas, os procedimentos judiciais contra os agressores e a área de prevenção.

Os dados relativos a 2018 e divulgados em novembro pelo Observatório de Mulheres Assassinadas davam conta de 24 mulheres assassinadas por familiares ou companheiros. Em 2017 esse número era de 18.

No relatório de 84 páginas, o GREVIO apela “a Portugal para que desenvolva programas de longo prazo que abordem todas as formas de violência cobertos pela Convenção de Istambul e se baseiem nos progressos já alcançados”.

Os peritos defendem ainda que Portugal adote medidas para adotar uma definição de violência doméstica que inclua a violência económica.Portugal assinou a Convenção de Istambul a 11 de maio de 2011.

Segundo o GREVIO - e no seguimento da ratificação da Convenção de Istambul -, Portugal alargou o âmbito das políticas públicas, tendo instituído a criminalização de outras formas de violência contra as mulheres, como a perseguição, a mutilação genital feminina e o casamento forçado.

Os peritos saúdam os “esforços no contexto da mutilação genital feminina, que resultaram em três programas de ação consecutivos, o que faz de Portugal um pioneiro na área”.

O GREVIO recomenda que estes esforços devem abranger outras situações de violência.

O relatório elogia ainda o papel assumido pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género na aplicação, na motorização e na avaliação das políticas relacionadas com a “igualdade de género e a violência baseada no género”.

“Mesmo assim, considera que a implementação de planos de ação nacionais beneficiaria de uma coordenação mais robusta entre as agências governamentais”, frisa o documento, que aconselha igualmente, para melhorias operacionais, “um maior envolvimento das autoridades locais”.
Os peritos apontam também para “outras lacunas importantes remanescentes”.


“O relatório reconhece o progresso alcançado na construção de uma moldura legislativa sólida para abordar a violência contra as mulheres, mas uma área de particular preocupação é a definição de violação que não se baseia apenas na ausência de consentimento livre e requer o uso de restrição”.

Outro foco de preocupação para o GREVIO é “o uso generalizado de processos suspensos e a falta generalizada de ênfase na obtenção de condenações em caso de violência contra as mulheres”.O grupo etário que registou mais femicídios, durante o ano de 2018, foi o das mulheres com mais de 65 anos, seguido da faixa etária entre 35 e os 50 anos.

O texto destaca ainda os esforços de Portugal em combater os estereótipos de género e em aumentar a consciencialização dobre a prevalência da violência contras as mulheres, especialmente entre as gerações mais jovens, por exemplo, através de medidas para prevenir a violência no namoro.

Os peritos frisam igualmente os progressos alcançados na “promoção da igualdade de género e no combate à discriminação de género no local de trabalho”.

A par dos 24 femicídios registados até meados de novembro de 2018, outras 16 mulheres viram a sua vida ser atentada no mesmo período, segundo os dados do Observatório das Mulheres Assassinadas.
Dados confirmam o que UMAR denuncia
Elisabete Brasil, diretora-executiva da UMAR – União Mulheres Alternativa e Resposta, afirma que o relatório do GREVIO comprova que “continuamos a ter taxas elevadas em termos de incidência do crime de violência doméstica e a assistir que a prevenção é muito frágil e pouco consistente”.

“Entre o número de denúncias, depois o número de acusações e por fim o número de sentenças condenatórias e de diferença abissal”, afirmou Elizabete Dias na RTP3.

Para a diretora-executiva da UMAR, é necessário “fazer coincidir o que é vulgarmente dito com Portugal não aceita as questões da violência".

Segundo Elisabete Brasil, o relatório revela uma “radiografia” que não “protege nem apoia” as mulheres vítimas de violência doméstica.

“Temos setores na Administração Pública que são realmente franjas daquilo que é necessário fazer em Portugal”, realçou.

A secretária-executiva da UMAR esclareceu que “quando falamos em femicídio, não é do assassinato das mulheres, ele é essencialmente na conjugalidade nas relações de intimidade ou familiares muito próximas. É este o grosso.”.

“Se formos analisar vários relatórios o que mostram é que as mulheres são assassinadas, estas mulheres morrem, porque o próprio sistema não foi capaz de as proteger em tempo útil”, sublinhou.

Elisabete Brasil realçou que na maioria dos casos, “a saúde sabia, os tribunais sabiam, as polícias sabiam, as escolas sabiam, mas nada foi feito. E nunca em coordenação por forma a evitar a morte destas mulheres”.

“Precisamos que todos estes serviços estejam coordenados e trabalhem em conjunto e de forma sistemática e sistémica, por forma a darmos às vítimas aquilo que elas realmente precisam e que elas confiem no sistema”, defendeu.

Segundo a responsável da UMAR, “o sistema empurra como única forma de proteção para as casas abrigo”.

“Nós temos todos os anos uma média de 27 mil denúncias por violência doméstica, sendo que 80 por cento delas são de mulheres (…) aquilo que chega a julgamento são cerca de sete por cento”, esclareceu.

c/ Lusa
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