Administração da Caixa pode estar presa pelo fio do Constitucional

A equipa de António Domingues “está em risco de cair”, noticia este sábado o Expresso. A saída da nova administração da Caixa Geral de Depósitos, escreve o semanário, é o que acontecerá se o Tribunal Constitucional considerar obrigatória a entrega das declarações de rendimentos e património dos administradores. Como, de resto, já veio defender o Presidente da República. António Costa diz desconhecer esta possibilidade e remete, uma vez mais, quaisquer decisões sobre a matéria para o Tribunal Constitucional e para os próprios serviços do banco.

Carlos Santos Neves - RTP /
Marcelo Rebelo de Sousa sustentou na sexta-feira que os administradores da CGD estão obrigados a entregar as declarações de rendimentos André Kosters - Lusa

A saída da administração de Domingues é um cenário que ganhou consistência com a tomada de posição, ao final da tarde de sexta-feira, de Marcelo Rebelo de Sousa.“A Lei n.º 4/83 não foi revogada ou alterada pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho”, vinca uma nota da Presidência da República sobre o banco do Estado.


O Presidente da República veio argumentar que os administradores da Caixa Geral de Depósitos estarão mesmo obrigados a submeter as respetivas declarações de rendimentos, dado que a lei aplicável “não foi revogada ou alterada” pelo recente decreto governamental.

O próprio Marcelo, lê-se nas páginas do Expresso, já terá sobre a mesa o cenário da saída de Domingues, embora não tenha ainda feito quaisquer considerações públicas sobre esse potencial desfecho da polémica com o banco público.

“É que todos os administradores foram convidados no pressuposto de que não teriam de apresentar tais declarações, uma linha vermelha que Domingues tinha colocado em junho ao Governo, que a aceitou”, assinala o semanário.

Foi a 2 de junho, recorda o mesmo jornal, que António Domingues se reuniu com o primeiro-ministro, António Costa, e com o ministro das Finanças, Mário Centeno, tendo em vista “avançar com os convites a demais administradores”. A referida “linha vermelha” implicaria “uma mudança legislativa no sentido de deixar que os administradores da Caixa não fossem considerados gestores públicos”.
“A necessidade de transparência”

Na nota de sexta-feira, o Presidente recua a 1983 e ao diploma então aprovado para lembrar que se pretendia que todos os gestores de empresas com capitais públicos ficassem obrigados a entregar declarações de rendimentos: “À luz desta finalidade, considera-se que a obrigação de declarações vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos”.

Compete ao Tribunal Constitucional, sublinha Marcelo Rebelo de Sousa, “decidir sobre a questão em causa”. E “caso uma sua interpretação, diversa da anunciada, vier a prevalecer, sempre poderá a Assembleia da República clarificar o sentido legal também por via legislativa”, acrescenta o Chefe de Estado.

Isto “sem que faça sentido temer que os destinatários possam sobrepor ao interesse nacional a prosseguir com a sua esperada competência, qualquer tipo de considerações de ordem particularista”.


Foto: Miguel A. Lopes - Lusa

Marcelo Rebelo de Sousa sustenta também que é do domínio do interesse nacional, “Governo e oposição incluídos”, que a Caixa tenha “sucesso na sua afirmação como instituição portuguesa, pública e forte, que possa atuar no mercado em termos concorrenciais” e que a gestão do banco “disponha das melhores condições possíveis para alcançar esse sucesso”.

“Uma condição essencial é um sólido consenso nacional em torno da gestão, consenso esse abrangendo, em especial, a necessidade de transparência, que permita comparar rendimentos e património à partida e à chegada, isto é, no início e no termo do mandato, com a formalização perante o Tribunal Constitucional, imposta pela administração do dinheiro público”, remata o Presidente.

Ora o presidente do Tribunal Constitucional, escreve o Expresso, entende que o órgão “só tem de se pronunciar perante alguma pergunta que lhe seja enviada e não é líquido que veja nesta interpretação de Marcelo matéria bastante para acionar uma tomada de posição”. A bola passará para os partidos se o não fizer.
O que “respeita a cada um”
Já este sábado, à entrada para a reunião da Comissão Nacional do PS, o primeiro-ministro garantiu não estar ao corrente de qualquer inclinação da equipa de António Domingues para bater com a porta: “Não fez saber nada disso”.A Comissão Nacional reúne-se este sábado para discutir a proposta de Orçamento do Estado para 2017, já aprovada na generalidade no Parlamento.

E voltou a remeter quaisquer decisões sobre a divulgação de rendimentos quer para o Tribunal Constitucional, quer para a administração da Caixa.

“O Governo publicou uma alteração legislativa, que foi aprovada e verificada na Assembleia da República e que está em vigor. A interpretação que o senhor Presidente da República e a interpretação que os senhores gestores da Caixa Geral de Depósitos fazem e a interpretação que o Tribunal Constitucional fará, como já tive oportunidade de dizer na semana passada, respeita a cada um”, insistiu António Costa, questionado pelos jornalistas.

“Eu sei quais são as minhas obrigações e procuro cumpri-las. Se os serviços da Caixa entendem que é ou não é obrigatório é uma questão que se tem de colocar aos serviços da Caixa. Se a interpretação deles estiver errada, o Tribunal Constitucional, que é um órgão, como todos os tribunais, que goza de plena independência, chamará à atenção e notificará quem tem de cumprir as obrigações. É um processo que transcende em absoluto o Governo e que respeito aos próprios e ao Tribunal Constitucional”, reforçou.
Tópicos
PUB