Alegre e Nobre a meças com o passado e o futuro

A pauta do debate que ontem opôs Manuel Alegre a Fernando Nobre teve como nota dominante um vaivém de críticas e contra-críticas sobre percursos pretéritos e perspectivas para o futuro do país. “Falta de coerência” foi uma das acusações desferidas pelo candidato independente ao adversário. “Perigoso” foi o adjectivo que o antigo deputado socialista encontrou para definir o estilo do fundador da Assistência Médica Internacional (AMI).

RTP /
Alegre apresenta-se como "um dos construtores da democracia"; Nobre diz ser "um cidadão que defende valores transversais" Lusa

“Ninguém tem o monopólio da cidadania” e “ninguém é proprietário do futuro”. É assim que Manuel Alegre responde aos princípios programáticos da candidatura de Fernando Nobre à Presidência da República. E foi com estas palavras que o candidato apoiado pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda reagiu, no frente-a-frente transmitido pela TVI, à barragem de críticas de que foi alvo.

Durante os cerca de 30 minutos de debate, Nobre desdobrou-se em ataques ao currículo político do adversário, apontando-lhe “falta de coerência”. Ao mesmo tempo, quis apresentar-se ao eleitorado, uma vez mais, como uma referência de “cidadania”, propondo-se “derrubar muros” num país a braços com crescentes índices de pobreza. Alegre, lembrou o candidato independente, “está há décadas nos corredores do poder”.

“Eu invoco a cidadania porque foi aí, nesse pilar específico, que eu sempre actuei há mais de 30 anos”, frisou Fernando Nobre, colhendo, de imediato, o contra-ataque de Manuel Alegre: “Eu não gosto de pessoas que se apresentam com uma pretensa superioridade moral sobre os outros”.

Pelo futuro sem deixar o passado
Ambos os candidatos procuraram apresentar-se como vozes políticas com propostas para o futuro. Mas foi no esmiuçar do passado que o debate se revelou mais intenso. Nobre a envergar o estatuto de coordenador de operações humanitárias, “em Beirute em 1982”, ou “num genocídio em 1994”. Alegre a reclamar a condição de “fundador do sistema democrático” e a vislumbrar demagogia no discurso “perigoso” do interlocutor. “Só faltava essa, a questão da demagogia, do populismo e do perigo”, reagiria Fernando Nobre.

Subjacente ao medir de forças entre os candidatos, o nome de Mário Soares proporcionou também momentos incisivos. Fernando Nobre considerou “um insulto” que se propague a ideia de ter sido aliciado pelo antigo Presidente da República a entrar na liça das eleições de 23 de Janeiro. Manuel Alegre comentou os apelos do interior da sua engrenagem de candidatura a uma declaração de apoio por parte de Soares: “Somos homens livres. Ele tomará a posição que entender”.

O Orçamento do Estado para o próximo ano e as opções políticas que dele decorrem constituíram a única matéria em que os candidatos ensaiaram uma escassa convergência. Depois de se referir à greve geral de 24 de Novembro como “um facto importante”, Alegre criticou a anunciada criação de um fundo para indemnizações por despedimento, descrevendo-a como um “sinal errado”. Depois de reafirmar críticas à política financeira do Executivo, Nobre fecharia a sua prestação a sustentar que o país precisa “de um homem não acomodado” em Belém.

“Quebra de lealdade institucional”

Cavaco Silva terçara armas na véspera com o candidato do PCP, Francisco Lopes. Todavia, foi também um nome em destaque no debate entre Manuel Alegre e Fernando Nobre. O candidato à reeleição havia dito, na noite de terça-feira, que a entrada do Fundo Monetário Internacional (FMI) no país seria um indicador de que o Governo teria “de alguma forma” falhado. Alegre viu nas declarações de Cavaco uma “quebra de lealdade institucional”.

“Foi uma afirmação imprudente e que não deveria ter feito, porque dá um sinal negativo”, afirmou o antigo deputado.

“Está também a lavar as mãos dessa situação. Acho que é uma quebra de lealdade institucional e está a dar um sinal lá para fora. Se o FMI vier, todos somos responsáveis, mas ele também é responsável como Presidente da República”, acentuou.
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