Costa. “É melhor uma boa amizade do que uma má relação”

por RTP
Tiago Petinga - Lusa

António Costa quer “dar continuidade” aos entendimentos com a esquerda que estão na base da “geringonça”, independentemente de o partido ter ou não uma maioria nas próximas eleições. Uma coligação não está, no entanto, em perspetiva. “É melhor uma boa amizade do que uma má relação”, garante o primeiro-ministro. Costa salienta que o Orçamento do Estado segue um modelo de sucesso e acusa o PSD de esquizofrenia no debate sobre as contas do Estado.

Em entrevista à agência Lusa quando passam três anos de governo socialista, António Costa diz esperar ter a confiança dos portugueses nas eleições para mais um mandato como primeiro-ministro.

Quanto à renovação ou não da atual solução inédita de Governo com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV, o primeiro-ministro afirma querer "dar continuidade a uma formação política que surpreendeu muita gente há três anos, mas que hoje já entrou na normalidade do quotidiano de todos".

"Da minha parte, de facto, não faço depender da existência de maioria ou ausência de maioria a manutenção destas posições conjuntas com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda - assim haja temas sobre os quais possamos voltar a convergir na próxima legislatura. Espero que haja, porque seguramente há muito trabalho a continuar", defende.

Questionado como encara a mensagem do Bloco de Esquerda de que está pronto para integrar o Governo, António Costa argumenta que "as relações entre os partidos são como as relações entre as pessoas", citando mesmo a este propósito um princípio que tem sido preconizado pelo PCP.

"O PCP tem, aliás, uma boa frase sobre isso: O grau de compromisso depende do grau de convergência. Se nós estivéssemos 100% de acordo, bom, provavelmente até fundíamos os partidos. Se temos partidos diferentes é porque não estamos 100% de acordo. Se o nível de divergência for significativo, como é, eu creio que não seria o melhor caminho", afirma ainda em resposta à questão sobre a integração de bloquistas no futuro executivo.

Em conclusão, António Costa entende que "é melhor uma boa amizade do que uma má relação" entre o PS com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV.

"Portanto, acho que devemos preservar uma boa relação, sem prejuízo de que, como em todas as relações, possa haver evoluções. Agora, acho que não faz sentido começar a discussão se há ou não há um Governo conjunto antes de se saber sequer se há ou não há uma posição conjunta", argumenta.

Para o primeiro-ministro, as matérias sociais como saúde, educação e combate às desigualdades podem ser base para novos acordos à esquerda.

António Costa afasta no entanto a possibilidade de exigir a inclusão de matérias que dividem o PS dos partidos à sua esquerda em futuros acordos de Governo, como as questões europeias e de defesa nacional.

"Só se não tivesse vontade de chegar a um entendimento com os outros é que punha como condição haver acordo sobre matérias em que, à partida, já sabemos que não vai haver acordo", alega.

Sobre a linha de orientação política que saiu da Convenção do Bloco de Esquerda no sentido de se lutar contra a possibilidade de maioria absoluta do PS, Costa assume posição crítica e diz ter "pena que Catarina Martins" tenha caracterizado a história desta legislatura como a história da "luta da esquerda contra o PS e que saia da Convenção estabelecendo como principal objetivo enfraquecer o resultado eleitoral do PS".

"O PS apresenta-se às eleições não concorrendo contra ninguém, mas apresentando aquilo que considera melhor para Portugal e para os portugueses. Achamos que a forma inteligente de construir boas soluções políticas não é estar a cavar linhas de combate com os nossos parceiros parlamentares, mas continuar a assegurar que há uma boa alternativa à direita que oferece ao país crescimento económico, mais e melhor emprego, menor desigualdade, contas certas e credibilidade internacional reposta", completa.

António Costa manifesta mesmo a sua esperança de que Bloco de Esquerda, PCP e PEV "não vivam obcecados com os resultados eleitorais do PS".

"Nós também não vivemos obcecados com os resultados eleitorais que eles vão ter", defende.
Orçamento, PSD e “esquizofrenia”
Questionado por que é que o seu Governo inscreveu uma meta de 0,2% de défice para 2019, quando seria um marco histórico em Portugal um défice zero, António Costa contrapôs: "Os 0,2% de défice já são uma marca histórica, como os 0,7% este ano também são uma marca histórica. Foram os défices mais baixos da nossa história democrática".

Porém, António Costa recusou que haja da parte do Governo "uma obsessão relativamente ao défice".

"Hoje, aliás, o que se discute em Portugal é bastante diferente do que se discutia, felizmente, há três anos", considera.

De acordo com o primeiro-ministro, hoje, discute-se em Portugal "como é que se vai mais além e não os receios de ficar aquém daquilo que eram as expectativas que se tinha".

"Agora, não temos é um discurso contraditório, como o PSD, que simultaneamente, por um lado, diz que é um orçamento em que o défice deveria ser menor e que é uma verdadeira orgia orçamental, mas, depois, as únicas propostas que apresenta são propostas que ou diminuem a receita ou aumentam a despesa. Esta esquizofrenia é que não é possível", acusa.

O primeiro-ministro defende que a política económico-financeira seguida previne "tempestades" que cheguem do exterior e tem "confiança" de que o debate na especialidade do Orçamento de Estado, na Assembleia da República, não desequilibre "uma receita que já demonstrou dar bons resultados".

"Lembram-se que há três anos muitos diziam que era aritmeticamente impossível que isto funcionasse, no segundo ano disseram que esta política conduziria à vinda aí o diabo - e a verdade é que aritmeticamente foi possível. O diabo não chegou e, pelo contrário, temos, pela primeira vez desde o início do século, dois anos consecutivos de crescimento acima da média europeia”, reforça.

Confrontado com um cenário de saída desordenada do Reino Unido da União Europeia ou com a hipótese de a política do executivo italiano conduzir a uma subida elevada das taxas de juro, o primeiro-ministro sustenta que "qualquer pessoa de bom senso tem o dever de temer qualquer desses cenários imprevisíveis".

"Mas aquilo que devemos fazer é trabalhar para que nenhum desses cenários imprevistos se verifique e, por outro lado, garantir que estaremos em condições de segurança num porto de abrigo caso essas tempestades venham a surgir. E é por isso que não nos devemos aventurar no mar e devemos ter em conta que devemos manter a proximidade necessária a um porto de abrigo para o caso de alguma dessas tempestades surgirem inesperadamente", salienta.
Professores. Entendimento contra Governo “não é sério”
A contagem integral do tempo de serviço dos professores tem sido uma “pedra no sapato” do executivo. Interrogado sobre um eventual acordo parlamentar envolvendo PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP e PEV para se contabilizar todo o tempo de serviço antes congelado aos professores, o primeiro-ministro declara que "esse entendimento não é sério".

"PSD e CDS votaram, ano após ano, o congelamento da carreira dos professores, dizendo expressamente que esses anos de congelamento não contariam como anos de serviço, enquanto este Governo comprometeu-se a descongelar, e descongelou. Já foram neste momento descongeladas as carreiras de 32 mil professores, até ao final deste mês mais 12 mil professores verão a sua carreira descongelada e no próximo ano serão mais 19 mil. Até 2020, não haverá nenhum professor que não tenha tido uma progressão na sua carreira", defende.

Em suma, de acordo com o primeiro-ministro, no caso da carreira dos professores, "onde PSD e CDS congelaram", o seu Governo "descongelou".

"Descongelar significa que, onde o cronómetro tinha parado, foi reposto a funcionar. Foi isto que nos tínhamos comprometido a fazer, e fizemos", acentua.

No que respeita ao processo negocial entre Governo e sindicatos, o primeiro-ministro queixa-se que o seu Governo encontrou sempre "uma barreira inamovível" em torno da exigência dos nove anos, quatro meses e dois dias.

"Perante a absoluta intransigência sindical, nós passámos a lei aquilo que era a nossa proposta de contabilizar dois anos, nove meses e 18 dias. Não é um número que tenha caído do ar, tem um critério. Tal com aconteceu com os outros funcionários que não tinham sido sujeitos a avaliação, em que foram tidos em conta 70% dos respetivos módulos de progressão, o que fizemos no caso dos professores foi aplicar a mesma regra. E como os módulos de progressão dos professores são, em regra, quatro anos, aplicámos os 70%. É isso que dá os dois anos, nove meses e 18 dias", justifica.

Se fosse contabilizado todo o tempo de carreira antes congelado aos professores, António Costa estima que o impacto global financeiro seria na ordem dos 600 milhões de euros.

"Esses 600 milhões de euros não existem no Orçamento. Nem vi ninguém até agora dizer onde é que cortamos para compensar esses 600 milhões de euros, ou onde é que vão buscar receita para pagar esses 600 milhões de euros. Portanto, propor é fácil. Agora, o que é preciso é resolver", alega.

"Pode dizer-se muita coisa deste Governo, mas o que não se pode dizer, seguramente, é que tratou mal a administração pública. Relativamente aos professores, repusemos a recontagem, fizemos o descongelamento, o cronómetro voltou a contar. Agora não nos peçam para refazer todos os males da história, porque nós não podemos reconstruir a história", argumenta.
"A sede de uma espera só se estanca na torrente"
Interrogado sobre a contestação generalizada no setor da saúde e o facto de estar prevista para breve uma greve dos enfermeiros, António Costa começou por apontar que o seu Governo assegurou aos enfermeiros "a redução do horário para as 35 horas".

"Para os enfermeiros com contrato individual de trabalho que já tinham sido contratados com 40 horas, alargámos também o horário das 35 horas. Repusemos por inteiro o pagamento das horas de qualidade e do trabalho extraordinário. Estamos a pagar um subsídio aos enfermeiros especialistas. Portanto, temos vindo a procurar responder às necessidades", sustenta.

No entanto, segundo o primeiro-ministro, os diferentes profissionais "têm de compreender que o sentido da ação deste Governo foi, por um lado, repor aquilo que tinha sido cortado, assegurar as melhorias possíveis, mas sem comprometer um objetivo fundamental que é manter contas certas".

"Isso é essencial para manter a credibilidade externa do país e para que o país continue a poupar 1400 milhões de euros por ano no serviço da dívida. Temos de ir prosseguindo essa trajetória, mas sem nunca darmos um passo maior do que a perna. Porque há algo que nem os portugueses nem nenhum desses profissionais nos perdoaria é se o país voltasse a ter de cortar aquilo que agora se repôs", avisa.

Ainda sobre a contestação dos profissionais de saúde, António Costa cita a letra de uma canção de Sérgio Godinho: 'a sede de uma espera só se estanca na torrente'.

"Acho que o país vive um bocado essa situação. Foram muitos anos de sede e, portanto, de repente, toda a gente quer tudo e já. Compreendo a ansiedade dos diferentes profissionais, mas aquilo que me compete fazer é assegurar aquilo que é necessário para o país e para o conjunto dos portugueses, que é continuar a investir na qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), continuar a investir na qualidade do sistema educativo, continuar uma trajetória de crescimento económico, de criação de emprego e manutenção de contas certas", insistiu.


c/Lusa

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