Economia, trabalho, saúde. Os temas que marcaram o debate quinzenal

por Andreia Martins - RTP
Foto: Manuel de Almeida - Lusa

No dia em que foram conhecidos números a apontar para o maior crescimento económico dos últimos anos, o primeiro-ministro esteve no debate quinzenal a elogiar um desenvolvimento “em convergência real com a Europa”. O PSD acusou o Governo de promover o trabalho extraordinário, enquanto BE e CDS-PP deram destaque aos problemas no Serviço Nacional de Saúde.

António Costa chegou à Assembleia da República ao início da tarde desta quarta-feira, já depois de terem sido apresentados resultados favoráveis sobre a economia portuguesa.Segundo a estimativa rápida do INE, o Produto Interno Bruto português cresceu 2,7 por cento em 2017, a taxa mais elevada desde 2000 e mais 1,2 pontos percentuais do que no ano anterior.


“Os factos vão reforçando a certeza que a estratégia desta maioria é a estratégia certa. Factos são factos e não há preconceito ideológico que os possa contradizer”, argumentou o primeiro-ministro. 

O primeiro-ministro congratulou-se com “o maior crescimento real deste século”, que coloca Portugal acima da média da Zona Euro e da média da União Europeia. Logo na abertura do debate quinzenal, subordinado ao tema “Economia, inovação e conhecimento”, proposto pelo Governo, António Costa destacou os valores das exportações, sobretudo na indústria, com base num “crescimento saudável”, uma vez que acompanhado da redução dos valores do desemprego. “Mais e melhor emprego”, destacou. 

O chefe de Governo reconheceu, no entanto, que Portugal continua com “défice” na área das qualificações, mas lembrou que se registou nos últimos anos uma “significativa melhoria” na taxa de abandono escolar precoce e no número de jovens “nem-nem”, que não estudam nem trabalham.
 
António Costa aproveitou para anunciar que o Governo irá aprovar no Conselho de Ministros desta quinta-feira uma nova estratégia de inovação para Portugal até 2030, o “GoPortugal”, que prevê um investimento global em Inovação e Desenvolvimento. Trata-se de “aproximar a comunidade científica da comunidade e da economia”, explicou o primeiro-ministro.

O programa prevê também o apoio a novos acordos de colaboração entre Portugal e várias universidades estrangeiras, incluindo a Carnegie Mellon University, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Universidade do Texas e a Sociedade Fraunhofer.  

Um dos objetivos da nova estratégia passa também por democratizar o acesso ao ensino superior e por modernizar o regime jurídico de graus e diplomas de universidades e politécnicos. 
Debate azedo com Hugo Soares
Terminada a exposição inicial do primeiro-ministro, a oposição passou ao ataque, a começar pelo líder parlamentar do PSD (entretanto demissionário), que deixou os parabéns ao Governo pelo crescimento da economia, mas considerou ainda assim que foi “poucochinho” em relação ao resto da Europa, comparando diretamente com outros países que também tiveram ajuda financeira.

"Temos um primeiro-ministro em Portugal com uma ambição poucochinha que faz aqui um grande alarido porque Portugal cresce 2,7 por cento", começou por afirmar, lembrando que Portugal apenas cresceu mais do que sete países da UE.

No último debate quinzenal antes do Congresso do PSD, agendado para o próximo fim-de-semana, onde Rui Rio será consagrado como novo líder do partido, notou-se a ausência de Pedro Passos Coelho. António Costa não quis deixar de “saudar” o líder cessante.

"Apesar da sua ausência, não queria deixar publicamente de o saudar, temos estado quase sempre em divergência, mas não quero deixar de o saudar pela forma dedicada como procurou servir o país segundo aquela que era a sua leitura", disse o primeiro-ministro. Sobre Hugo Soares, que poderá deixar de ser líder parlamentar do PSD ao fim de seis meses com essa mesma função, António Costa disse acreditar “não ser ainda a altura para nos despedirmos”.

De provocação em provocação, o PSD virou a agulha para a política laboral. Hugo Soares desafiou o primeiro-ministro a explicar um despacho de 2017 sobre os trabalhadores do Porto de Lisboa. Segundo o líder parlamentar, o documento assinado a 12 de julho pelos ministros do Mar e do Trabalho, permite que estes trabalhadores possam fazer até 850 horas de trabalho.

António Costa disse desconhecer o despacho, mas considerou que o documento assinado por Ana Paula Vitorino e Vieira da Silva “estaria com certeza bem”.

Ainda no âmbito laboral, o deputado social-democrata questionou de forma incessante se considerava existirem “limites morais e éticos” ao trabalho extraordinário. Hugo Soares disse até que não esperava uma resposta conclusiva por parte do primeiro-ministro, algo a que já se habituara nos últimos debates. António Costa recusou-se a responder a esta questão concreta, o que incendiou a bancada parlamentar do PSD.

Questionado sobre a Autoeuropa, António Costa manifestou o desejo de ver o “diálogo social” a reencontrar o sucesso, uma vez que reconhece à fábrica de Palmela grande “importância económica”.

"A pior coisa que podemos fazer, se queremos que haja sucesso, é procurar confundir o debate e diálogo entre as partes com combate político ou partidário", apelou.

O regresso ao tema dos lesados do BES endureceu o tom do debate. Hugo Soares confrontou o Governo com a decisão de alterar a portaria que enquadra o financiamento das indemnizações aos lesados do papel comercial, antigo Banco Espírito Santo, que permite empresar ao fundo o dinheiro necessário para pagamento de compensações.

“Mantém a tese de que os contribuintes não vão pagar a solução para os lesados do BES?”, questionou o líder da bancada parlamentar social-democrata. O primeiro-ministro confirmou que o entendimento do Governo é “o mesmo” e que o risco para os contribuintes não se modificou.

Em contra-resposta, Hugo Soares acusou o Partido Socialista de “deixar para a frente a fatura para outros pagarem”, uma acusação que mereceu uma resposta vigorosa de António Costa.

“É preciso algum topete para, em matéria de sistema financeiro, falarem de quem deixa as contas para os outros pagarem”, afirmou o primeiro-ministro, que culpou o Governo de “esconder na gaveta a gravíssima situação do Banif” e lembrou que foi o atual executivo que solucionou o problema dos lesados de BES.
Governo confrontado sobre médicos especialistas
Ao pingue-pongue entre Hugo Soares e António Costa seguiu-se a intervenção de Catarina Martins, numa abordagem focada no investimento público na saúde. Depois de elogiar os resultados económicos, a líder bloquista considerou que há margem para "ir mais longe" e transofrmar o crescimento em medidas concretas, nomeadamente no que diz respeito à legislação laboral, no combate à precariedade e no investimento público.

Catarina Martins reconheceu que "há caminho feito" no que diz respeito ao setor da saúde, mas insistiu na questão da colocação de 640 médicos especialistas. Em janeiro, o Governo garantia que o concurso à especialização estaria "por dias". Com ironia, a líder do Bloco de Esquerda perguntou se era ao ministro da Saúde ou ao ministro das Finanças quem tomaria a decisão sobre o concurso.

Com Mário Centeno à sua esquerda, António Costa respondeu que "é o Governo" quem decidem no conjunto dos seus membros.

"Há 700 mil utentes do Serviço Nacional de Saúde sem médico de família e há 640 médicos à espera de serem contratados", criticou, afirmando que alguns dos médicos terão já desistido e procurado emprego no setor privado.

Precisamente sobre o setor privado, a deputada bloquista criticou o "sorvedouro de dinheiros públicos" que acabam por se destinar a hospitais e clínicas privada e voltou a propor a "internalização dos meios de diagnóstico", dando como exenmplo as análises clínicas.

Catarina Martins expôs aquilo que considera ser uma "sangria" de fundos públicos para o setor privado. "Tem o Governo algum objetivo nesta matéria= Com que números quer acabar a legislatura tanto na internalização de meios de diagnóstico como no reforço de financiamento do Serviço Nacional de Saúde, e para estancar a sangria que tem saúdo de dinheiro do público para o privado na saúde?", questionou durante a intervenção.

A deputada assinalou ainda que "50 por cento do volume de negócios dos privados é pago pelo Estado, dos quais diretamente do Serviço Nacional de Saúde".
Novos impostos europeus
Assunção Cristas aproveitou o embalo da deputada bloquista e questionou o primeiro-ministro sobre os médicos em regime de prestação de serviços, pagos a empresas por um valor mais elevado do que o Governo abrisse um concurso de contratação.

"Estes médicos esperam e desesperam, muitos já abandonaram o SNS e foram para o setor privado, outros são contactados pelas empresas de prestação de serviços", assinalou. António Costa notou a sintonia entre de temáticas entre CDS-PP e Bloco de Esquerda num tema pouco esperado neste debate quinzenal.

A deputada do CDS trouxe à discussão os impostos europeus que serão propostos pelo Governo no Conselho Europeu de 23 de fevereiro. Assunção Cristas exigiu saber quando é que Portugal irá contribuir para o orçamento europeu segundo contando com as novas taxas.

O primeiro-ministro não respondeu diretamente à questão e preferiu justificar estes mesmos impostos que foram notícia no início da semana.

"Para que haja mais recursos é necessário que os Estados contribuam mais. Já dissemos que apoiamos a proposta da Comissão de que a contribuição seja alargada para 1,2% do produto, assim como apoiamos a criação de recursos próprios da União, seja por via da taxação da economia digital, das transações financeiras, ou da economia do carbono", explicou António Costa.

O chefe de Governo notou ainda que a "vontade nacional" é de que a saída do Reino Unida da União Europeia e as novas responsabilidades de segurança, defesa e migrações não sacrifquem a Política Agrícola Comum ou a política de coesão".

Assunção Cristas deixou claro que a sua bancada está contra estes impostos. "Não nos parece possível nem desejável, porque além do mais aliena uma parte substancial da nossa soberania, é estar a criar impostos europeus em áreas tao sensíveis em que, de resto, estamos a querer criar áreas de grande competitividade, como seja a área digital", frisou.
Revolução digital 4.0, "zero" nos direitos
Do lado da bancada comunista, Jerónimo de Sousa manteve-se no tema que foi levado a debate pelo primeiro-ministro. Alertou para os perigos de apenas o "grande capital" beneficiciar da revolução tecnológica e digital em detrimento dos direitos dos trabalhadores.

O líder do PCP considerou que "um desenvolvimento tecnológico e uma dita revolução digital não pode ser quatro em mecanismos de exploração do trabalho e zero no plano dos direitos, ou seja, pretexto para novas explorações de quem trabalha, desde logo aqueles que produzem ciência, os muitos bolseiros precarizados".

"O desenvolvimento tecnológico é pretexto para alargamento e flexibilização dos horários ou oportunidade de promover a redução progressiva dos horários de trabalho, dando combate à desregulação e, sendo condição para produzir mais, não é também um acrescido suporte para garantir uma Segurança Social pública, com novas formas de financiamento complementar?", questionou Jerónimo de Sousa.

António Costa garantiu a atenção do Governo ao desenvolvimento de competências digitais, mas também ao "combate à precariedade", que estabeleceu mesmo como uma "prioridade do Governo, por uma questão de cidadania e dignidade do trabalhador e da produtividade das empresas".

c/ Lusa
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