Gaspar admite ter "amplo material para aprender com os próprios erros"

por RTP
O ministro das Finanças ladeado pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, durante o debate do orçamento retificativo Manuel de Almeida, Lusa

Foi uma só a razão que levou esta sexta-feira o ministro das Finanças ao Parlamento - a defesa do orçamento retificativo. No entanto, o debate acabaria por produzir outros argumentos com as respostas de Vítor Gaspar às questões da oposição sobre os sucessivos falhanços das metas do Governo. Nos ouvidos da bancada do PCP ficou o argumento de que foram “as condições meteorológicas dos primeiros três meses do ano que prejudicaram a atividade da construção”. Mas foi José Luís ferreira, dos verdes, que provocou uma declaração inédita, quando, parafraseando Bismarck, o governante admitiu ter “amplo material para aprender com os próprios erros”.

O debate abriu com o ministro das Finanças a fazer a defesa do novo pacote de medidas recentemente aprovado em Conselho de ministros, para concluir o discurso com uma advertência à oposição.

“Tenho amplo material para aprender com os meus próprios erros”, afirmou o ministro das Finanças, recorrendo a palavras de Otto von Bismarck.


Dirigindo-se particularmente à bancada socialista, Vítor Gaspar sublinhou como principais riscos para o futuro do país “a falta de determinação, a inconstância de propósito, a tentação prematura do poder, a desorientação sectária, a instabilidade política e a incapacidade de reflexão e deliberação política”.

Riscos que corre a democracia portuguesa, mas que o ministro das Finanças acredita que o país será capaz de evitar.

Pelo meio ficaram as justificativas da necessidade de uma nova configuração de contas e de políticas para o presente ano. No esteio do argumentário de Gaspar está um slogan amplamente repetido pelos governantes social-democratas: a situação estava controlada até que o Tribunal Constitucional chumbou quatro normas do Orçamento do Estado para 2013 e lançou as contas do Estado para um buraco de pelo menos quatro mil milhões de euros.

Nas palavras do responsável das Finanças, "os principais fatores que determinaram a alteração ao Orçamento do Estado foram a decisão do Tribunal Constitucional, a revisão das perspetivas macroeconómicas e a modificação dos limites orçamentais". “O investimento no primeiro trimestre deste ano é adversamente afectado pelas condições meteorológicas nos primeiros três meses do ano que prejudicaram a atividade da construção”, disse Gaspar.

Vítor Gaspar sugeria aqui, em particular, a suspensão dos subsídios de Natal e de férias, que o Governo havia decidido suspender em contradição com o texto fundamental da República Portuguesa.

Foi essa a resposta dada logo após pelas bancadas da esquerda do hemiciclo: o problema não estava no Tribunal Constitucional, mas no desrespeito do Governo de Passos coelho pela Constituição.

“Não nos venha dizer que a culpa deste Retificativo é do Tribunal Constitucional. A culpa do Retificativo é das políticas de austeridade deste Governo (…) e a austeridade traz recessão e a recessão desemprego”, acusou Mariana Aiveca, uma crítica que a deputada bloquista terminou com a acusação deixada ao Executivo de aplicar uma política que “é uma arma de destruição massiva de emprego”.

O seu colega de bancada Pedro Filipe Soares seria mais sucinto: “A culpa é do Governo que não conhece a Constituição”.
Sob torrente de críticas, Gaspar admite erros
Com a oposição a fechar o círculo de críticas em volta de Vítor Gaspar, o ministro das Finanças acabaria por surpreender o hemiciclo ao parafrasear Otto von Bismarck, o estadista prussiano do século XIX.

Respondendo a uma intervenção de José Luís Ferreira, deputado do Partido Ecologista "Os Verdes" Gaspar admitia, perante as críticas à derrapagem das contas públicas, também ele ser permeável ao erro: “Tenho amplo material para aprender com os meus próprios erros”.Quanto à receita
“Entre janeiro e maio, a receita fiscal líquida acumulada do Estado cresceu cerca de 8% em relação a 2012. Este crescimento é substancialmente superior aos 6,9% previstos no orçamento do Estado retificativo que hoje discutimos e está ainda mais acima relativamente ao padrão mensal para o acumulado de janeiro e maio, que indicaria um número de cerca de 6%”.

Neste cinco primeiros meses, “houve um comportamento favorável, traduzindo um comportamento muito expressivo nos impostos diretos IRS e IRC, em particular IRC. Esta evolução dos impostos diretos não é compensada por uma evolução mais moderada e mais próxima do padrão previsto por parte dos impostos indiretos, em particular por parte do IVA”.


Não deixou, contudo, de insistir no caminho da austeridade que foi definido pelos credores internacionais: “Mas não é verdade que o programa [da troika] esteja a falhar, o programa já assegurou a geração de capacidade de financiamento por parte da economia portuguesa, o programa já assegurou um ajustamento estrutural orçamental de grande dimensão, o programa assegurou o retomar do financiamento de mercado muito antes do que era previsto no programa”.

E, confrontado com as previsões negativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, escudou-se com o que diz serem problemas daquela instituição e não de Portugal.

“Existem alguns problemas com essas previsões [da OCDE]”, respondeu Gaspar, invocando que os recentes números libertados pela Organização não refletem as medidas agora desenhadas no orçamento retificativo, como não refletem também as medidas de natureza fiscal que o Governo acaba de lançar.

“Digo com prudência que a execução fiscal muito favorável de IRC que citei está aparentemente relacionada com a limitação à dedução dos prejuízos que foi decidida com o Orçamento do Estado para 2013 e com a criação da unidade de grandes contribuintes”, acrescentaria Gaspar, lançando mão da deixa do CDS-PP.
A chuva e a dívida
Após uma azeda troca de palavras com o deputado comunista Honório Novo a propósito das determinações climatéricas na viabilidade dos orçamentos - defendia Vítor Gaspar que “o investimento no primeiro trimestre deste ano é adversamente afectado pelas condições meteorológicas nos primeiros três meses do ano que prejudicaram a atividade da construção” - o ministro das Finanças seria confrontado pela bancada socialista com a insustentabilidade da dívida pública nacional.

Gaspar assegurou então perante os deputados que é este o orçamento que permitirá assegurar essa sustentabilidade das Finanças Públicas e assegurar o cumprimento das obrigações a nível europeu.

O socialista João Galamba havia posto em causa a capacidade do Governo de controlar a evolução da dívida, estabilizar o setor financeiro e criar condições de competitividade no país. O chefe das finanças portuguesas contrapôs com o ajustamento do saldo primário estrutural e o reforço de liquidez da banca.

“Entre 2011 e 2012, este indicador teve um ajustamento de mais de seis pontos percentuais do PIB, sendo que continuará com um ajustamento superior a um ponto percentual do PIB em 2013”, respondeu Gaspar após Galamba ter apontado os 130% de dívida como uma realidade de curto prazo para Portugal.

Assumindo que o ajustamento estrutural não é suficiente por si só para garantir a sustentabilidade da dívida, o governante explicou que “a sustentabilidade está assegurada pela consolidação orçamental e pela criação de condições que permitem a transição para uma trajetória de crescimento sustentado. A estabilidade financeira está a ser conseguida através do reforço da posição de capital e de liquidez dos bancos portugueses, que lhes permite agora começar a disponibilizar recursos para o financiamento do investimento produtivo”, e nestes fatores “se fundará a recuperação da competitividade e a criação de emprego”.
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