Militares na linha da frente e os anos de Eanes

Lisboa, 27 dez 2025 (Lusa) - Portugal elegeu o seu primeiro Presidente da República em liberdade - António Ramalho Eanes - em 1976, dois anos e dois após o golpe do 25 de Abril de 1974 que pôs fim a 48 anos de ditadura.

Lusa /
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Militar e operacional do 25 de Novembro, que marcou o princípio do fim da Processo Revolucionário em Curso (PREC), Ramalho Eanes ocupou o Palácio de Belém por dez anos.

1976: A hora dos militares

As primeiras eleições presidenciais em democracia foram disputadas em junho de 1976 e na senda da revolução de 1974, três dos principais candidatos eram militares, Ramalho Eanes, Otelo Saraiva de Carvalho e Pinheiro de Azevedo.

O único civil nesta corrida eleitoral foi Octávio Pato, apoiado pelo PCP, que ficaria em quarto lugar nas urnas (com 7,5% dos votos), com o general António Ramalho Eanes a ganhar destacado (com 61,5%) e o major Otelo Saraiva de Carvalho em segundo lugar (com 16,4%).

O almirante Pinheiro de Azevedo foi o terceiro mais votado (14% dos votos), depois de ter passado os últimos dias da agitada campanha eleitoral no hospital, na sequência de um ataque cardíaco sofrido pouco depois de uma conferência de imprensa no Porto.

Com três militares na corrida para suceder a um outro militar, Costa Gomes, a campanha acabou por incidir no papel das Forças Armadas, com o 25 de Abril sempre presente nos discursos.

Eanes surge associado ao 25 de Novembro de 1975, que pôs fim ao processo revolucionário, e a sua candidatura contou com o apoio dos principais partidos (PS, PPD e CDS) e de outros mais pequenos como o MRPP.

Otelo, figura central na revolução que pôs fim a 48 anos de ditadura, surge com uma candidatura associada ao 25 de Abril e apoiada por uma coligação de pequenos partidos de extrema-esquerda.

"Eu estou convencido que o general Ramalho Eanes andou a torpedear o 25 de Abril e eu próprio algumas vezes estive para o mandar prender, mas o Otelo nunca deixou", afirmou Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro de então e o único candidato sem apoio partidário, no Porto, citado pelo Diário de Lisboa de 23 de junho de 1976.

O mesmo jornal dá conta de "pedradas e tiros à passagem por Lamego" da caravana de Otelo e de um morto e seis feridos por ocasião de uma deslocação da comitiva de Ramalho Eanes a Évora.

"Um crescendo de violência está a marcar inesperadamente a campanha para as eleições presidenciais: depois dos incidentes no norte do país à passagem da caravana de Otelo Saraiva de Carvalho, a cidade de Évora, que recebia o general Eanes foi ontem (dia 17 de junho) palco de correrias e tiros de que resultaram um morto e seis feridos", referiu o jornal.

Na etapa final da campanha, Ramalho Eanes garantia em Lisboa, num comício na Alameda, que o fascismo acabou. "Não voltaremos ao período de antes do 25 de Abril. O fascismo morreu neste país", afirmou.

"A campanha correu o melhor possível, excedendo largamente as expectativas que nós tínhamos a princípio. De norte a sul do país e nas ilhas provou-se que continua vivo o espírito de 25 de Abril", disse Otelo à agência ANOP, num balanço de campanha, mostrando-se convicto de que haveria uma segunda volta. Não houve.

Ramalho Eanes foi eleito a 27 de junho de 1976, logo à primeira volta.

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1980: Camarate ensombra `duelo` de generais

A morte de Francisco Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa a 04 de dezembro de 1980 marcou as presidenciais que viriam a ter lugar três dias depois, disputadas por Ramalho Eanes e Soares Carneiro.

O avião onde seguiam o então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, que iam assistir a um comício da candidatura de Soares Carneiro, no Porto, caiu em Camarate, quando descolava do aeroporto da Portela, em Lisboa, provocando a morte de todos os ocupantes.

Os candidatos às presidenciais suspenderam as suas campanhas nessa quinta-feira à noite.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu que a situação decorrente da morte do primeiro-ministro não constituiu "fundamento legal para o adiamento do ato eleitoral" e este realizou-se como previsto a 07 de dezembro de 1980.

As eleições foram disputadas sobretudo por dois generais, António Ramalho Eanes, que se recandidatou a Presidente da República como independente, e o general António Soares Carneiro, considerado um conservador e apoiado pela Aliança Democrática (AD), formada pelo PSD, CDS e PPM e liderada por Sá Carneiro.

Otelo Saraiva de Carvalho, o segundo candidato mais votado nas presidenciais de 1976 (com 16,4%), também se apresentou nesta corrida eleitoral, alcançando apenas 1,4% dos votos, enquanto candidatos como Galvão de Melo, Pires Veloso e Aires Rodrigues, não chegaram a 1%.

O candidato lançado pelo PCP, Carlos Brito, viria a desistir a escassos dias das eleições a favor de Eanes.

"Não porque aprove a política e atuação deste enquanto Presidente da República, mas porque é a única alternativa para derrotar o candidato dos partidos reacionários", explicou o PCP.

Eanes contou também com o apoio dos socialistas, apesar da resistência de Mário Soares, fundador do PS.

"Era uma solução de facilidade: apesar de tudo, Eanes tinha força, era Presidente da República, eleitoralmente conhecido e popular em certas áreas e, sobretudo, beneficiava do prestígio que lhe conferia a função", disse Soares numa conversa com a jornalista Maria João Avillez, confessando que ainda propôs que o PS escolhesse outro candidato, militar ou civil. "Mas a verdade é que não se improvisam candidatos", afirmou.

A menos de dois meses das eleições, Soares acabou por retirar o seu apoio pessoal a Eanes, desagradado com a "ambiguidade" do candidato e suspendeu as suas funções de secretário-geral do PS até à realização das presidenciais.

Com Soares Carneiro, a AD, que vencera as legislativas disputadas pouco antes, em outubro, tenta cumprir o projeto "Um governo, uma maioria, um presidente", mas o luto instalado no país após os acontecimentos de Camarate e a realização na véspera das eleições das cerimónias fúnebres de Sá Carneiro e Amaro da Costa, transmitidas pela televisão durante horas, não travaram a vitória de Eanes.

O general foi reeleito Presidente da República com 56,4% dos votos, ficando Soares Carneiro com 40,2%.

 

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