Ministra equaciona meios jurídicos para responder à greve dos enfermeiros

por RTP
Marta Temido diz que o Governo não pode fazer mais, mas que as negociações com os sindicatos “nunca são totalmente encerradas” Mário Cruz - Lusa

Em entrevista à RTP no mesmo dia em que os enfermeiros anunciaram uma nova greve nos blocos operatórios até ao final de fevereiro, a ministra da Saúde explica que a prioridade é, neste momento o reforço de efetivos no Serviço Nacional de Saúde, e que o aumento salarial reivindicado pelos profissionais teria um impacto de 216 milhões de euros. Pela duração “incomum” desta paralisação, a ministra explica que poderá recorrer a “meios de reação jurídicos”, não afastando a hipótese de uma requisição civil.

A ministra da Saúde foi a entrevistada desta quarta-feira no programa Grande Entrevista da RTP, num dia que ficou marcado pelo anúncio do regresso à greve por parte dos enfermeiros em blocos operatórios. 

Esta paralisação terá efeitos já a partir das 8h00 de quinta-feira e estende-se até ao final de fevereiro. Na entrevista ao jornalista Vítor Gonçalves, que decorreu após as cinco horas de reunião com as estruturas sindicais no Ministério da Saúde, Marta Temido não descartou a hipótese de tomar medidas fortes para precaver os possíveis efeitos desta greve, nomeadamente com "meios de reação jurídicos". 



A ministra realça a “dimensão” e a “duração absolutamente incomuns” da greve, que considera convocar “uma reflexão muito séria sobre questões éticas e deontológicas”, considerando que o exercício do direito à greve “não pode ser desproporcionado”.  

“Não está em causa a legitimidade das reivindicações, está em causa o que se poderá afetar”, frisou.

Sobre o impacto das recentes paralisações, Marta Temido sublinha que o Governo encara a situação “com enorme preocupação” e realça que o Governo deve responder aos problemas dos utentes, mas também “ao problema da sustentabilidade dos serviços públicos”, sendo que não se pode fazer escolhas “colocando em causa nenhum dos dois".

Marta Temido sublinha que, das 7500 cirurgias canceladas durante a última greve de enfermeiros, já foram realizadas até ao momento pelo menos 35 por cento das mesmas, sendo que estavam previstas novas cirurgias até final de março.  

“O Serviço Nacional de Saúde tem capacidade de responder a este tipo de problemas. Mas é evidente que com uma nova greve ficamos numa situação bastante preocupante”, reconhece.
"Juízo de ponderação"
A ministra vez questão de recordar a conquista das 35 horas de trabalho pelos enfermeiros, algo que foi alcançado desde que o Governo tomou posse, afirmando que “não é possível satisfazer numa legislatura todas as expetativas”.  

Recorda ainda que o Governo se disponibilizou a introduzir a categoria de enfermeiro especialista, “compensando remuneratoriamente o exercício de funções especializadas e estando a pagar esse suplemento desde janeiro de 2018”.  

Olhando a todos estes aspetos, a ministra diz ter “esperança” num “juízo de ponderação” por parte dos enfermeiros sobre o caminho percorrido desde o início da atual governação.  

Sobre a exigência concreta de entrada na carreira de enfermeiro com um salário de 1.600 euros, a ministra reconhece explicitamente que “o Governo não tem capacidade para ir mais longe”, além dos atuais 1.200 euros.  

“Só esta reivindicação teria um impacto 216 milhões de euros”, assinala a governante, realçando a necessidade de definir prioridades.
 
Os recursos são sempre escassos, é necessário definir prioridades. E a prioridade é reforçar o número de efetivos no Serviço Nacional de Saúde. É isso que precisamos de fazer, é isso que vai dar maior segurança aos cuidados, maior qualidade, (…) Vai aliviar muito do burnout, do stress, exaustão, que muitos profissionais de enfermagem se queixam e reclamam”, explicitou.  

A ministra diz ainda que “não é possível fazer um reposicionamento que implique um aumento salarial de 400 euros para um grupo profissional que, no total - não estarão todos na primeira posição - tem mais de 42 mil indivíduos, e estes não são suficientes”.  
 
Marta Temido diz que a prioridade do Governo são os utentes e que será difícil ao Governo apresentar maior abertura, mas considera que as negociações com os sindicatos “nunca são totalmente encerradas”, mesmo após a convocação desta greve.  
 
Diálogo haverá sempre, não há é margem para conseguir mais aproximação. Os portugueses não nos perdoariam que arriscássemos o futuro do Serviço Nacional de Saúde em nome da nossa vontade. Porque seria uma satisfação se pudéssemos atender a todos ao mesmo tempo, mas isso não é possível. Isso não é governar, (…) é ceder, é despejar dinheiro em cima das reivindicações. Temos de ser exigentes”, disse.  
 
Sobre potenciais efeitos drásticos desta greve, a ministra afirma que não tem qualquer “indicação” sobre a morte de utentes por uma situação de paralisação. “Eu confio nos profissionais do SNS, confio nas suas obrigações, éticas, deontológicas, na sua especial responsabilidade social”, afirmou.  
 
“Isso seria uma situação intolerável e seria objeto de uma necessária averiguação. Os serviços mínimos são isso mesmo, a garantia do que poe em causa a vida de qualquer doente é preservada, é acautelada”, disse a ministra, referindo novamente que não afasta a possibilidade de reagir com outros meios. 
Lei de Bases da Saúde

Ainda na mesma entrevista, Marta Temido abordou a questão da nova Lei de Bases da Saúde, proposta pelo Governo de António Costa. O jornal Público avançava na edição desta quarta-feira que o Presidente da República se prepara para vetar qualquer texto final que seja apenas aprovado à esquerda, ou seja, sem o apoio do PSD.  

A ministra recusa-se a falar ou condicionar eventuais decisões do Presidente, vendo com naturalidade que “haja uma preocupação de equilíbrio” e uma vontade de que este diploma “seja o mais representativo possível”.

No entanto, realça que a atual Lei de Bases da Saúde, que assiste à governação na área da Saúde, também só foi aprovada por PSD e CDS-PP em 1990.  

Sobre alguns dos aspetos da proposta do atual Governo que “suscitam animosidade” está a intenção clara de retirar a referência da concorrência entre hospitais públicos e privados. A ministra reconhece a “complementaridade” e o “lugar importantíssimo” dos serviços e da iniciativa privada, mas considera que ser a própria lei de bases a falar e fomentar concorrência é “absurdo”, bem como o incentivo à “mobilidade” de profissionais de saúde entre os dois setores.  

A ministra defendeu na entrevista o fim do apoio à mobilidade e a “tendencial dedicação plena” dos profissionais de saúde ao SNS, propondo mesmo que um médico seja obrigado a permanecer no setor público durante algum tempo após a sua formação. Refere, no entanto, que não se pretende “dedicação exclusiva para todos” e que “proibir nunca é o melhor caminho”.  

Marta Temido realçou que, dos 5000 médicos que se formaram no último ano, cerca de 1000 optaram por deixar o Serviço Nacional de Saúde, situação que se deve, maioritariamente, às especialidades escolhidas e que são problemáticas no setor público, reconhece a ministra.  

A governante diz que a aprovação da Lei de Bases “não é uma inevitabilidade”, até porque ainda será desenvolvido trabalho em sede de comissão pelos deputados. 
Hospital de Braga e dívidas
Sobre a situação do Hospital de Braga, que poderá voltar à esfera do Serviço Nacional de Saúde, a ministra enfatiza que foi o parceiro privado a dizer que o negócio não era “rentável”.  

Não podem pedir ao governo que cometa uma ilegalidade que é não submeter a concorrência o contrato e alterá-lo. O que temos em cima da mesa é que o parceiro privado em Braga entendeu que nas atuais condições não lhe era possível continuar a explorar o hospital. A ministra não pode fechar o hospital e por a chave atrás da porta”, salientou.  

A ministra salientou que não é possível fazer um novo contrato “sem o submeter de novo a concurso” e que o Governo tentou ir ao encontro do parceiro privado “o máximo possível, dentro dos condicionalismos legais”.  

Entre outras questões abordadas nesta entrevista à televisão pública, a ministra falou também da situação caótica nas urgências dos hospitais de vários pontos do país durante o Inverno. Marta Temido salienta que, entre 45 por cento e 50 por cento dos doentes que chegam à urgência “recebem uma prioridade baixa”, com pulseira verde ou azul.  

A ministra reconhece que os utentes poderiam ser “melhor atendidos” se fossem vistos noutros locais. Marta Temido fala mesmo de uma situação de “transição entre um modelo cultural e um modelo prático”.  

No cargo desde outubro do ano passado, tendo substituído o anterior ministro Adalberto Campos Fernandes na pasta da Saúde, Marta Temido reconhece o problema das dívidas dos hospitais, no valor de 486 milhões de euros só em pagamentos em atraso.  

Sobre o ligeiro aumento de mortalidade infantil no ano de 2018, a governante refere que a situação ainda está a ser estudada e analisada, e que os números – neste caso, houve na prática mais 60 óbitos registado que no ano anterior – podem não ter relação explícita com a existência ou inexistência de meios, estando sujeitos a outros fatores.
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