Aos 73 anos, faleceu hoje na Amadora, aquele que foi nos anos finais da ditadura o principal dirigente metalúrgico e um dos fundadores da Intersindical.
Morreu António Santos Júnior, dirigente histórico do movimento operário
Em 1964, iniciou o serviço militar na Força Aérea, onde tirou a especialidade de mecânico de material aéreo. Graças à elevada classificação que obteve, não foi mobilizado para a guerra colonial, ficando na BA.1, em Sintra, como mecânico de esquadrilha dos T-37 na formação e instrução de novos pilotos.
Pouco depois de ter concluído o serviço militar, concorreu a um lugar na manutenção da TAP, onde foi admitido em 1968. Já na altura iniciara um processo de politização, participando regularmente em manifestações reprimidas pela polícia e em protestos contra a guerra colonial. Participou na campanha eleitoral de 1969, no quadro dos "grupos sócio-profissionais" da CDE (Comissão Democrática Eleitoral).
O primeiro presidente eleito do sindicato metalúrgico
Aproveitando a brecha legal proporcionada pela "primavera marcelista", encabeçou em Junho de 1970 uma lista de metalúrgicos candidata à direcção do Sindicato. A lista B, de Santos Júnior, enfrentava pela primeira vez nas urnas os velhos burocratas da lista A, que a própria ditadura reconduzira uma e outra vez, por nomeação, à frente do sindicato.
O resultado foi eloquente: a lista B, com mais de 1.200 votos, varreu de uma vez por todas os serventuários da ditadura, com apenas 11 votos. O carácter improvisado da lista levou a que nela preponderassem largamente os operários da TAP.
António dos Santos Júnior tornava-se assim, sob a ditadura, o primeiro presidente eleito do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa. Rapidamente, o Sindicato se empenhou em dinamizar as negociações da contratação colectiva em curso, pegando em acordos que estavam sobre a mesa: Carris, TAP (na fase final), CEL-CAT e Metro.
Foi então que, segundo um dos dirigentes do movimento, Jerónimo Franco, "sob a direcção de Santos Júnior as transformações atingiram tal amplitude que se iniciou uma nova era no sindicalismo português".
Santos Júnior tornou-se também presidente da Federação dos Metalúrgicos, promovendo energicamente a unificação da acção sindical, e estabelecendo, ainda segundo Jerónimo Franco, "contactos com outros ramos de actividade, estudantes e forças armadas"
Santos Júnior versus Baltazar Rebelo de Sousa
Especificamente no ramo metalúrgico, foi elaborada uma proposta de revisão do contrato e concebeu-se a ideia de organizar uma assembleia geral dos metalúrgicos. O ambicioso plano fica bem documentado no local que se escolheu para o concretizar: o Estádio da Luz. O SLB, contactado pelo Sindicato, cedeu o Estádio. E muitos anos depois, em 2002, voltou a autorizar uma última utilização do estádio (pouco antes da sua demolição), para Santos Júnior aí ser entrevistado, nesse cenário grandioso que testemunhava a audácia visionária da direcção metalúrgica.
Mas a ditadura não esteve pelos ajustes e nem quis ouvir falar de uma assembleia com milhares de metalúrgicos no maior estádio de Lisboa. Santos Júnior foi convocado pelo governador civil, Afonso Marchueta, depois pelo secretário de Estado e pelo próprio ministro Baltazar Rebelo de Sousa.
Todos o intimaram a desconvocar a assembleia. Perante a recusa que a todos opôs, Baltazar Rebelo de Sousa mandou pô-lo na rua e anunciou que seria ele próprio, ministro, a anunciar o cancelamento da assembleia através da imprensa, rádio e RTP. À saída do Ministério, Santos Júnior foi alvo de provocações e agressões dos pides que aí o aguardavam, mas não foi detido.
Apesar da desconvocação da assembleia geral, a ditadura continuava a debater-se com o problema do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) da TAP. Tentou resolvê-lo subornando Santos Júnior, a quem foi oferecido um lugar de chefia. Tendo recusado mais uma vez, foi transferido e, depois, alvo de uma tentativa de detenção da PIDE.
Mas a tentativa foi, para a TAP e para a PIDE, um tiro no pé. Como recorda Jerónimo Franco, "os trabalhadores do hangar 4, ao saber que o queriam levar preso, abandonaram os seus trabalhos no avião e no hangar e juntaram-se a ele, abriram alas para ele passar com os dois pides e de braços caídos diziam que assim iriam ficar até ele voltar e quando regressou, passada uma hora e meia, passou pelas mesmas alas, mas agora os braços que até então estavam caídos se ergueram e batiam palmas em estrondosa ovação".
A TAP cedeu então a uma parte do caderno reivindicativo e Santos Júnior, insatisfeito com essa cedência parcial, opunha-se à assinatura do acordo. Mas, submetendo-se à maioria, foi assiná-lo por mandato expresso de uma assembleia da classe.
Sindicalismo de base e Intersindical
O sindicato prosseguia, entretanto, a sua actividade de organização dos trabalhadores, promovendo a eleição de delegados em cada local de trabalho e mantendo a base constantemente informada mediante uma regular elaboração e distribuição de comunicados.
Paralelamente, realizavam-se também reuniões com outras direcções sindicais eleitas (bancários, caixeiros, químicos, aeronavegação e pescas, entre outros). Desses encontros regulares viria a nascer a Intersindical, hoje CGTP.
A ditadura, por seu lado, respondia com uma repressão crescente. Nisso se distinguia o ministro Baltazar Rebelo de Sousa, que tratou de assediar o sindicato das formas mais diversas. Em Setembro de 1970, ao sair do sindicato a altas horas da noite, Santos Júnior foi agredido e levado para a sede da PIDE, juntamente com outras pessoas que o acompanhavam.
Vários sindicatos emitiram imediatamente comunicados denunciando essa detenção arbitrária, que foram amplamente distribuídos em toda a cidade de Lisboa. Santos Júnior foi libertado, mas Baltazar Rebelo de Sousa determinou que ele fosse destituído das duas presidências - do Sindicato e da Federação. O ministro mandou entregar o Sindicato a uma comissão administrativa, voltando assim a retirá-lo aos representantes eleitos da classe.
Segundo Jerónimo Franco, "a atitude do governo de Marcello Caetano ao destituir a direcção veio demonstrar que a primavera marcellista era só primavera, não tinha continuação, não passava de uma etapa sem continuação e que por isso se esgotaria. Era politicamente uma fraude". E acrescenta: "Estamos convictos que a actuação de Santos Júnior foi uma contribuição para que Abril chegasse mais cedo".
A caminho da greve de 12 de Julho
A destituição dos dirigentes não os fez baixar os braços. Activistas e delegados sindicais reagiram criando a CUOM (comissão de unidade operária metalúrgica), com sede provisória no sindicato dos químicos. Este grupo semi-legal, dinamizado por Santos Júnior, fez uma intensa campanha por novas eleições, que iria resultar, em dezembro de 1973, na eleição de uma nova direcção.
Santos Júnior, impedido de voltar a candidatar-se, apoiou a eleição como presidente do seu camarada Jerónimo Franco, também operário da TAP. Dentro da empresa, criou-se também um grupo semi-legal, o GATAP (Grupo de Activistas da TAP), que continuava a promover a acção reivindicativa.
Em novo round de negociações para o ACT da TAP, a polícia reprimiu em 11 de Julho de 1973 uma assembleia marcada para a Voz do Operário. No dia seguinte, a TAP estava totalmente paralizada e a polícia de choque foi enviada às oficinas, que invadiu com assinalável brutalidade, abrindo fogo ao entrar.
Polícia de choque, invadindo a TAP em 12 de Julho de 1973
Houve vários feridos, mas a polícia foi enfrentada pelos trabalhadores e, à porta do Hangar 6, teve de recuar, com receio de que a resistência organizada nesse terreno desconhecido pudesse saldar-se em destruição de aviões, ruinosa para a companhia.
Alvejada com esferas de rolamentos, em fisgas improvisadas, e com material de escritório lançado dos edifícios administrativos, a polícia de choque acabou por bater em retirada.
O caderno reivindicativo obteve satisfação parcial e também foram dadas garantias de que não haveria retaliações contra os trabalhadores devido à greve. Foi a luta operária mais importante que houve numa só empresa durante toda a ditadura e aquela que teve mais profundas repercussões políticas.
Do exílio ao 25 de Abril
Mas a repressão selectiva prosseguia e Santos Júnior continuava a ser perseguido pela hierarquia da TAP e pela polícia. Emigrou, assim, para o Canadá em final de Dezembro, onde ficou a trabalhar numa fábrica de aviões de pequeno porte.
Com a notícia do 25 de Abril, embarcou de regresso a Portugal. Chegou ao aeroporto da Portela no 1º de Maio, sendo esperado por nomes destacados da resistência. À sua espera, como está documentado em imagens de arquivo da RTP, encontrava-se nomeadamente o actual presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Do aeroporto, Santos Júnior seguiu imediatamente para o então Estádio da FNAT, onde havia natural expectativa de que discursasse à multidão aí reunida. Mas o PCP recusou e empenhou-se em impedir esse discurso, no que foi um dos primeiros incidentes significativos a toldarem o ambiente unitário da efeméride. Quem falou em representação dos metalúrgicos foi, afinal, Jerónimo Franco.
Santos Júnior foi readmitido na TAP, onde continuou a ser sempre uma referência para os seus companheiros de trabalho. Durante a revolução foi militante do MES. Depois desse, não voltou a ter qualquer outro envolvimento partidário.