Morreu Mário Soares, fazedor da democracia portuguesa

por RTP

Morreu este sábado aos 92 anos Mário Soares, personalidade política que se confunde com a própria história da democracia portuguesa. O fundador do PS, antigo Presidente e primeiro-ministro, estava internado no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, há 26 dias, desde 13 de dezembro. O Governo decretou três dias de luto nacional, a partir de segunda-feira. As reacções ao seu desaparecimento são transversais a todas as áreas políticas e sociais, ultrapassando as fronteiras portuguesas.

O corpo do antigo Presidente da República vai estar em câmara ardente na Sala dos Azulejos no Mosteiro dos Jerónimos a partir das 13h00 de segunda-feira, depois de percorrer as principais vias da cidade de Lisboa.
O funeral contará com honras de Estado e realiza-se a partir das 15:30 de terça-feira no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.
António Costa decretou três dias de luto nacional.
Mário Soares morreu este sábado, aos 92 anos, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, onde estava internado desde 13 de dezembro. Desde o início da tarde deste sábado que as reacções se sucedem de todos os quadrantes da vida nacional, de muitas partes do mundo.

Desde logo, foram muitos os membros da família socialista a expressar esse sentimento de pesar pelo desaparecimento da figura maior do PS, de resto, um dos seus fundadores. Ana Catarina Mendes foi a porta-voz da declaração oficial dos socialistas, recordando de forma emocionada a partida do grande patriarca.

A secretária-geral adjunta do PS recordou Mário Soares como “figura impar e inesquecível”, um “combatente pela conquista da Liberdade e pela consolidação da Democracia”.

De voz embargada, a socialista falou na sede do partido, no Largo do Rato, em Lisboa, e leu a mensagem que o PS havia divulgado horas antes, quando se soube da morte do antigo Presidente da República.

“Soares é fixe. Até sempre, Mário Soares”, fechou Ana Catarina Mendes, depois de sublinhar que Portugal “perdeu hoje o pai da Liberdade e da Democracia, a personalidade e o rosto que os portugueses mais identificam com o regime nascido a 25 de Abril de 1974”.

Do outro lado do globo, o primeiro-ministro António Costa falou de Soares como o rosto e a voz da liberdade, a quem o país deve estar eternamente grato pela sua acção política.

“Perdemos hoje aquele que foi tantas vezes o rosto e a voz da nossa liberdade. Mário Soares foi um homem que durante toda a sua vida se bateu pela liberdade, fê-lo contra a ditadura, sofrendo a prisão, a deportação e o exílio”, declarou o primeiro-ministro a partir de Nova Deli, capital da Índia, depois de ter sido informado da morte do antigo chefe de Estado.

“Devemos-lhe muito e ficaremos para sempre eternamente gratos”, sublinhou António Costa que, apesar do peso do momento, fez ainda saber que manterá a visita de Estado à Índia, o que provocará a sua ausência do funeral do fundador socialista.

“Estando em visita de Estado, não poderei estar pessoalmente presente, mas envio ao João, a Isabel, filhos de Mário Soares, e aos netos, envio daqui um grande abraço e uma saudade que, para mim, será sempre eterna”, esclareceu o líder do executivo.

Outro socialista, Ferro Rodrigues, fez também a sua declaração de pesar na qualidade de Presidente da Assembleia da República. Para Ferro Rodrigues desaparece o militante número um da democracia portuguesa.

Durante os três dias de luto, a bandeira nacional é colocada a meia haste. Quando a bandeira nacional está colocada a meia haste, qualquer outra bandeira com ela desfraldada será hasteada da mesma forma.
“Morreu o militante número um da democracia portuguesa. Várias gerações tiveram o Mário Soares como um herói”, afirmou à saída do Hospital da Cruz Vermelha, onde esteve para prestar condolências à família e amigos do antigo Presidente da República.

O primeiro-ministro anunciou entretanto que o Governo decretou três dias de luto nacional, a partir de segunda-feira, pela morte do antigo Presidente da República Mário Soares, que terá ainda um funeral com honras de Estado.

Por seu lado, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa destacou a figura de Mário Soares como um lutador pela liberdade.

Homenagens à esquerda e à direita
Mas não foi apenas a família socialista a sentir a perda do seu grande patriarca, ou “patriarca da democracia”, como se lhe referiram António Arnaut e Freitas do Amaral.

Também Pedro Passos Coelho apresentou condolências à família, amigos e ao Partido Socialista. O ex-primeiro-ministro e líder do PSD referiu que este “é um dia triste para todos os portugueses” e que “será impossível” escrever a História de Portugal das últimas dezenas de anos “sem nelas encontrar referências múltiplas à intervenção política de Soares, em muitas ocasiões decisiva”.

“Como um grande democrata que foi, o doutor Mário Soares foi também um político polémico, que combateu pelas suas ideias, há de ter feito muitos amigos, terá tido também com certeza muitos adversários ao longo de todos estes anos”, acrescentou.

Assunção Cristas lembrou o antigo Presidente como alguém que teve “um papel único na definição do Portugal democrático e europeu”.

“Em muitas alturas o CDS teve grandes divergências políticas com o Dr. Mário Soares, mas não esquecemos o seu papel fundador no Portugal Democrático, especialmente no difícil período revolucionário em que se opôs à hegemonia política e totalitária - e em que, tendo vencido, ajudou a democracia a vencer e a ser consolidada em Portugal”, refere a líder do partido democrata-cristão.

Catarina Martins lembrou por seu lado, “com gratidão, o homem que mandou a idade e o conforto às malvas para se levantar na Aula Magna, com toda a esquerda, na defesa do país contra a troika”.


Numa reacção mais moderada e sem deixar de apontar as “profundas e conhecidas divergências” com Mário Soares, o dirigente do PCP José Capucho lembrou o “passado de antifascista” do ex-chefe de Estado.

Muitas vidas na vida de Soares
Assembleia da República marca sessão evocativa para quarta-feira.

A sessão foi marcada e decidida por unanimidade em conferência de líderes.
Soares desempenhou os mais altos cargos no país e a sua vida confunde-se com a própria história da democracia portuguesa: combateu a ditadura, foi fundador do PS, primeiro-ministro e Presidente da República.

Nascido a 7 de dezembro de 1924, em Lisboa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares foi fundador e primeiro líder do PS, e ministro dos Negócios Estrangeiros após a revolução do 25 de Abril de 1974.

Primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985, foi Soares a pedir a adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1977, e a assinar o respetivo tratado, em 1985. Em 1986, ganhou as eleições presidenciais e foi Presidente da República durante dois mandatos, até 1996.

Desde a fundação do PS, na localidade alemã de Bad Munstereifel, a 19 de abril de 1973, Soares desempenhou o cargo de secretário-geral dos socialistas portugueses ao longo de 13 anos, até 1986.

Após a revolução de Abril, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros nos primeiros governos provisórios, esteve envolvido nos processos de reconhecimento da jovem democracia portuguesa e de descolonização da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe e Moçambique e, no plano político interno, sobretudo em 1975, colocou-se na linha da frente contra o PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Três vezes primeiro-ministro
Já como primeiro-ministro dos I e II governos Constitucionais, Soares teve de gerir o regresso de milhares de cidadãos das ex-colónias e uma situação de quase rutura financeira do país, que implicou, pela primeira vez, o recurso do país ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Foi um tempo marcado por momentos de grande agitação politica e também pela crise económica. Durante estes Governos, o FMI foi chamado por duas vezes para uma ajuda externa a Portugal. Houve forte austeridade e contestação nas ruas, em particular nos anos 80, durante o Governo do Bloco Central.

O primeiro executivo o chefiado por Mário Soares aconteceu logo em 1976, depois da vitória nas primeiras eleições legislativas.

A partir de 1977, foi então que pela mão de Mário Soares começou o processo de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), concretizado a 12 de junho de 1985, também durante um Governo por si liderado (o IX, do "Bloco Central" PS/PSD).
Presidente em Belém
Pouco depois, em 1986, Mário Soares sucedeu a Ramalho Eanes em Belém, derrotando primeiro outros candidatos de esquerda - Maria de Lurdes Pintassilgo e Salgado Zenha - e, na única segunda volta presidencial até agora realizada, o democrata-cristão Freitas do Amaral. Soares tornou-se então o primeiro chefe de Estado civil da democracia, após uma campanha que deixou na memória de muitos portugueses o mote: "Soares é fixe".


Reeleito em 1991 para um segundo mandato em Belém - este marcado pela conflitualidade política com o então primeiro-ministro, Cavaco Silva - o fundador do PS foi ainda foi eurodeputado (1999) e novamente candidato à Presidência da República (2006), perdendo para Cavaco Silva e sendo ainda ultrapassado nos votos pelo também socialista Manuel Alegre.
Político até ao fim
Embora formalmente distante da primeira linha política desde 2006, Mário Soares manteve mesmo assim uma intervenção pública regular, apenas foi interrompida por razões de saúde nos primeiros dois meses de 2013.


Nestes últimos anos, o antigo Presidente República destacou-se pela dureza das suas críticas ao "neoliberalismo", ao funcionamento da União Europeia, ao Governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho, mas também à anterior liderança socialista de António José Seguro.
Morte de Soares assinalada pelo mundo

O Governo de Deli, que recebe por estes dias o primeiro-ministro António Costa em visita de Estado à Índia, já disse que a Convenção da Diáspora Indiana fará um minuto de silêncio este domingo.

Joaquim Chissano, antigo Presidente de Moçambique, disse que Mário Soares “esteve do mesmo lado [que Moçambique] no combate à ditadura” e que será recordado nas antigas colónias como “um amigo”.

“Participou na luta contra a ditadura fascista portuguesa e por esse facto estivemos no mesmo lado no combate contra a ditadura”, lembrou Chissano em declarações à RTP3, a partir de Moçambique.

Na Europa, Soares foi destaque nos espanhóis El Pais, La Vanguardia, El Mundo e ABC, nos quais foi definido como “pai da democracia”, “figura chave da transição portuguesa” e “pai do Portugal moderno”. Em França, o Le Monde noticia a morte da “figura socialista da luta contra a ditadura salazarista” e o Libération publica uma foto de Soares com o antigo presidente francês François Mitterrand, tirada em 1975, para referir a morte do “pai sentimental” de Portugal.


No Reino Unido, o diário The Guardian noticia a morte do “antigo primeiro-ministro”, tal como na Alemanha o Frankfurter Allgemeine, e nos Estados Unidos, The New York Times e Washington Post. O Financial Times destaca “o socialista que conduziu Portugal à democracia”.

Em Itália, o jornal La Repubblica titula “Adeus a Soares, Portugal de luto” e a agência noticiosa italiana ANSA destaca a morte do “líder da revolução dos cravos”. Na Argélia, a edição digital do diário El Moudjahid refere que Portugal decreta três dias de luto pela morte de um dos “artesãos da democracia”.

Em Língua Portuguesa, os jornais brasileiros Folha de São Paulo, Estadão e Globo noticiam a morte de “um dos principais defensores da democracia” em Portugal.

c/ Lusa
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