Seixas da Costa: um momento de unidade ilusória no MFA

por António Louçã, Nuno Patrício
Reunião da coordenadora do MFA, com Vasco Gonçalves, Franco Charais e Melo Antunes DR

Francisco Seixas da Costa, que depois ingressou no corpo diplomático, estava a fazer o serviço militar quando se deu o golpe abortado de 11 de março. Participou na intensa jornada do contra-golpe, com especial destaque para a assembleia decisiva dessa noite.

Na 2ª Divisão do Estado-Maior, onde Seixas da Costa estava colocado, criou-se um certo mal-estar relacionado com as possíveis omissões desse departamento nas vésperas do golpe. Havia a noção de que os contactos que tinha com os serviços secretos franquistas teriam permitido à 2ª Divisão antecipar o 11 de março e tomar iniciativas que o impedissem.
Na noite de 11 para 12 de março de 1975, teve lugar a assembleia de cerca de duas centenas de militares, dirigida pelo presidente da República, general Costa Gomes. Aí se tomaram várias medidas decisivas.

Seixas da Costa tem quase a certeza de ter sido convocado para a assembleia por Agostinho Roseta, sindicalista que tinha ligações mais estreitas à estrutura do MFA e à 5ª Divisão, também ele na altura a fazer o serviço militar na 2ª Divisão.

Houve então uma movimentação de militares que pretendiam dirigir-se ao Palácio de Belém para reclamar que se tirasse conclusões do golpe. Seria um grupo de uns 20 militares. Em Belém encontraram o almirante Rosa Coutinho, que comentou: "Vocês parece que vêm para uma revolução, isto parece o Palácio de Inverno". Seixas da Costa ouviu então a voz de Varela Gomes, perguntando: "Eu não lhe dizia, meu almirante, que os rapazes se chateavam e vinham aí?".

Numa outra sala do Palácio de Belém, houve uma primeira altercação entre Vasco Lourenço e, possivelmente, Varela Gomes, ao negociarem a realização de uma assembleia que Costa Gomes, por interposta pessoa, fez convocar, não para ali, mas para o Instituto de Sociologia Militar. Soube-se depois que, nessa assembleia essencialmente lisboeta, sem participação da província, as duas tendências em vias de cristalização telefonaram a convocar as pessoas que podiam reforçar as suas respectivas posições.
Na noite do 11 de Março as duas linhas em confronto tinham um denominador comum que era a hostilidade ao golpe spinolista. Isso criava uma unidade de certo modo ilusória. Vivia-se um momento de unidade artificial suscitada pelo golpe, como evidenciaram os confrontos verbais que começaram já na própria assembleia e o crescente afastamento de posições que iria verificar-se ao longo do ano até ao 25 de Novembro.

Um dos temas da assembleia foi o da punição dos responsáveis do golpe, e também o da substituição de hierarquias militares que tivessem sido coniventes com a intentona.

Um segundo tema teve que ver com a institucionalização do MFA - algo que estava pelos vistos mais amadurecido do que a generalidade dos presentes pensava.

Um outro ainda foi o de nacionalizar sectores produtivos importantes e também do capital financeiro, para atalhar ao apoio que o poder económico tinha concedido aos preparativos golpistas e para garantir o controlo desse poder económico pela revolução.

Seixas da Costa contesta a ideia de que esse tenha sido um salto para o comunismo e lembra que medidas semelhantes também foram tomadas por De Gaulle ou Mitterrand. Tratou-se, sim, de um salto necessário, tendo em conta o descontrolo que a manutenção de uma economia de mercado num contexto revolucionário provocava.



No início da assembleia foi lido um documento aprovado no Ralis, propondo consequências disciplinares para o golpe que tinha causado um morto. Na linguagem da época, reclamava o fuzilamento dos traidores. Passou-se adiante sem dar importância ao caso. Mais adiante houve um oficial que retomou a ideia e ela foi em geral repudiada pela assembleia.

Havia até o contrasenso de a proposta ser principalmente aplicável a oficiais que já tinham fugido para Espanha. Entre as excepções contavam-se os quatro militares refugiados na Embaixada alemã, que se refere noutro artigo deste dossier.

Nesse momento, o major Costa Neves lembrou que nem o coronel Varela Gomes fora fuzilado quando promoveu a Revolta de Beja. A intervenção de Costa Neves esteve na origem da lenda segundo a qual Varela Gomes teria proposto os fuzilamentos - o que é falso.

Houve sectores, identificáveis com a 5ª Divisão, que estariam a favor de um adiamento das eleições, por considerarem que a maioria das pessoas não estava esclarecida para poder votar. Essa ideia foi contrariada, nomeadamente pelo almirante Rosa Coutinho, que considerou como "provocação ao povo português" um eventual adiamento das eleições. A confirmaão da data teve depois o apoio do general Costa Gomes, não tendo constituído uma matéria polémica naquele quadro.

O próprio Seixas da Costa teve uma pequena intervenção quando se discutia a participação de sargentos na Assembleia do MFA, no sentido de que os milicianos pudessem participar nessa assembleia. O capitão Vasco Lourenço respondeu-lhe que iriam "ver isso", o que não teve seguimento. Mas a Marinha abriu alguns lugares para oficiais milicianos.

As estruturas de informações militares não tinham advertido a iminência do golpe, apesar de haver alguns sinais. Tanto o major Arruda como o próprio Seixas da Costa fizeram alguns comentários sobre a omissão do tratamento das informações que tinham chegado, nomeadamente de origem espanhola. Os comentários não punham em causa a existência da 2ª Divisão enquanto tal, mas essa existência veio a ser posta em causa mais adiante, dando lugar à sua substituição pelo SDCI.

Era uma ironia que estivesse presente à manifestação das críticas, e intervindo até para secundá-las, o capitão Virgílio Varela, que fazia parte da 2ª Divisão e viria a ser apontado como um dos envolvidos na conspiração golpista.
Na noite de 12 para 13 de Março, teve lugar uma outra assembleia militar promovida essencialmente pela 5ª Divisão para "explorar o sucesso" e para preparar uma lista para o Conselho da Revolução.

A assembleia foi a certa altura interrompida pela chegada de Vasco Lourenço, vindo de Belém, com a autoridade de ser membro da Comissão Coordenadora do MFA, por ter tido a notícia de que a 5ª Divisão estava a preparar uma lista para o Conselho da Revolução.

Foi um momento tenso entre Vasco Lourenço e Varela Gomes, este defendendo uma série de nomes, aquele contrapondo que a Comissão Coordenadora se reservava o direito de escolher os membros do Conselho da Revolução.

Um momento ainda mais tenso entre Varela Gomes e Vasco Lourenço teria lugar numa assembleia em julho. Vasco Lourenço era o único membro do Grupo dos Nove presente na assembleia, encontrava-se em minoria, e foi nesse momento que se chegou a uma situação muito próxima de um confronto físico entre ambos.

O pensamento militar da época mitificava o MRPP e alimentava uma grande preocupação devido à convocatória de um "Primeiro de Maio vermelho" por esse movimento maoísta. Havia no MFA vozes que preconizavam quase uma anulação e proibição do 1º de Maio, ao passo que outros, a maioria, diziam que iria ser uma grande festa. Os acontecimentos acabaram por dar-lhes razão.

Onde estava Seixas da Costa no 25 de Abril

Em 25 de Abril de 1974, Seixas da Costa encontrava-se na Escola Prática de Administração Militar. Fez parte de um grupo de oficiais milicianos que se reuniam à parte, embora tivessem algumas ligações ao MFA. Esse grupo veio depois a tomar conta da unidade e a intervir na RTP.

No momento de tomarem a RTP e nas horas seguintes, os militares da EPAM não sabiam nada do que estava a passar-se no Terreiro do Paço e, no limite, podiam até admitir que aquela fosse a única de todas as operações previstas para o 25 abril que estava realmente a decorrer. Foi portanto com crescente alegria que foram constatando o êxito da revolução em todo o país.

Na unidade, foi preciso deter o comandante. Houve um momento de hesitação dos oficiais do quadro permanente que deviam proceder a essa detenção e foram os milicianos quem pressionou para se cumprir o que estava combinado. O comandante foi detido e algum tempo depois mandado embora para casa, porque não havia nada contra ele, a não ser a necessidade de mudar a hierarquia.

Seixas da Costa recorda ter visto Varela Gomes associado ao MFA e ter considerado interessante essa associação entre uma figura mítica da resistência à ditadura e o movimento que desse modo reconhecia uma ligação ao passado da resistência.

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