PAN. O pequeno partido que quer ser governo

Na geografia do atual mapa político português, o PAN assume uma posição de equidistância para o PS e para o PSD e, dessa forma, declara-se vocacionado para participar no governo, seja qual for o vencedor das eleições legislativas de 30 janeiro.

Ao longo dos tempos mais recentes, tem sido essa a mensagem propalada pela formação agora liderada por Inês Sousa Real.

Se com o PSD ainda não houve oportunidade para exercitar essa apetência para a colaboração, a mesma já tem provas dadas no que se refere ao Partido Socialista. Os sucessivos orçamentos do Estado apresentados pelos executivos liderados por António Costa nunca receberam voto contra do PAN, que dessa forma se tem apresentado como um parceiro politicamente relevante para a estabilidade governativa do país nos últimos anos, embora sempre ao largo da agora defunta geringonça.

De resto, na crise política que está na génese destas eleições legislativas antecipadas ficam as impressões digitais de toda a esquerda, mas não as do PAN, o único grupo parlamentar que não chumbou a proposta de OE2022. Um facto destacado por António Costa durante o ameno debate de 8 de janeiro com Inês Sousa Real. No entanto, à piscadela-de-olho do primeiro-ministro, respondeu a dirigente do PAN lembrando que, se são sólidas as pontes para os socialistas, o mesmo acontece em direção aos sociais-democratas.

Por diversas vezes, Inês Sousa Real fez questão de sublinhar a noção, que vem sendo reiterada desde a fundação do PAN, de que o partido que dirige “não alinha na dicotomia esquerda-direita” tradicional; antes procura em ambos os lados da barricada política por quem apresentar maior grau de comprometimento com os valores e com as causas que compõem o ideário do PAN. 

Depois dos Animais e da Natureza… as Pessoas
Longe vão já os primórdios de um PPA – Partido Pelos Animais que, em 2009, se apresentou como uma formação política cuja mensagem essencial radicava na defesa dos direitos dos animais. Na estreia em legislativas, em 2011, já como PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza, foi imediatamente reconhecido por uma importante fração do eleitorado, mas não em número suficiente para lhe abrir as portas da Assembleia da República.

Isso só aconteceria nas eleições parlamentares seguintes, já depois de um processo de amadurecimento político que passou por mais uma alteração do nome do partido. Em 2014, o Partido pelos Animais e pela Natureza dava lugar ao atual PAN – Pessoas – Animais – Natureza.

Sob a liderança de André Silva, estava consolidado o núcleo estratégico de ação, que toma como “inseparáveis as três grandes causas: humanitária, animal e ecológica”. Em 2015, o PAN conquistava um lugar no parlamento e André Silva, aos 39 anos, tornava-se no primeiro deputado eleito pelo partido.

De entrada, o Pessoas – Animais – Natureza começou logo por apresentar propostas legislativas que denotavam a sua matriz: acesso a benefícios fiscais por associações ambientais e zoófilas; igualdade de direitos na adoção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo; igualdade de direitos no acesso a técnicas de Procriação Medicamente Assistida. No capítulo ambiental, a discussão em torno do novo aeroporto de Lisboa foi sempre, e continua a ser, um ponto de discórdia com o governo socialista.

A atitude de negociação permanente que o PAN assumiu no Parlamento haveria de resultar na abstenção na votação do Orçamento do Estado para 2016, em que pela primeira vez ficou consagrada a inclusão no IRS das despesas com animais de companhia.

O PAN afirmava-se como força política no panorama nacional e, nas autárquicas de 2017, essa importância sedimentou-se com uma votação total três vezes superior, da qual resultou a eleição de 27 deputados municipais.

Já em 2018, depois de ter alinhado com a maioria parlamentar na reprovação da moção de censura ao Governo então apresentada pelo CDS, André Silva refutava a ideia de maior proximidade com a ala esquerda da Assembleia da República do que com a da direita. Sem olhar a cores, privilegiava o diálogo com quem, a cada momento, denotasse a “capacidade de entender que há cada vez mais pessoas que se reveem nas ideias e nos projetos que o PAN apresenta”. Uma tese que continua a nortear o posicionamento do partido.

Dores de crescimento
O ano de 2019 marca o, até agora, apogeu do PAN. Um resultado histórico nas eleições de maio, com 166 mil votos, abriu as portas do Parlamento Europeu a Francisco Guerreiro. Poucos meses mais tarde, nas legislativas, o país votante determinou que, pela primeira vez na sua história, o PAN teria uma representação parlamentar plural na Assembleia da República. O Pessoas – Animais – Natureza mereceu a confiança de 174 mil eleitores, convertida em quatro deputados. Menos de um ano depois, tornam-se visíveis a olho nu graves sinais de cisão interna.


Em meados de junho de 2020, o eurodeputado Francisco Guerreiro anunciou a desvinculação do PAN, alegando divergências profundas com a linha política global que estava a ser seguida pelo partido. Um dos exemplos então apontados pelo dissidente, que decidiu manter o seu lugar no parlamento europeu, foi "a crescente e vincada colagem do PAN à esquerda".

Passada uma semana, nova onda de choque: Cristina Rodrigues invoca argumentos semelhantes para passar a deputada não-inscrita, reduzindo a representação do PAN na Assembleia da República a três elementos.

Pelo peso político que transportavam, estas foram as roturas mais salientes: Mas houve outras, todas num período de poucos dias e sempre acompanhadas por duras críticas à direção do partido: na Madeira, o PAN viu-se sem representação depois da demissão em bloco de toda a Comissão Política Regional; Sandra Marques, membro da Comissão Política Nacional e deputada municipal em Cascais, também abandonou.


Os tempos subsequentes revelaram que não era bem assim. As críticas não deixaram de se fazer ouvir em alto e bom som e, logo no princípio do ano de 2021, veio a público uma carta subscrita por três fundadores do PAN, António Santos, Pedro Taborda e Fernando Leite, em que André Silva era acusado de desvirtuar o partido e de o transformar numa força política que “não é de direita nem de esquerda”, responsabilizando-o pela “anedota inofensiva em que o partido se está a tornar”.

O apoio dado a Ana Gomes nas eleições presidenciais, candidata que “não tem um programa alinhado com a ideologia do PAN” foi outra das censuras apontadas ao porta-voz do partido.

Sai André Silva, entra Inês Sousa Real
O congresso do PAN em Tomar, em junho, marca a passagem de testemunho de André Silva para Inês Sousa Real, até então chefe do grupo parlamentar. Antes de sair (desceu da liderança do PAN e abdicou do lugar de deputado), o porta-voz cessante ainda liderou o partido na abstenção ao Orçamento do Estado para 2021, uma posição que se revelou crucial para passagem do documento na Assembleia da República, numa altura em que a geringonça já começava a desagregar-se.

Fechou-se assim um ciclo de sete anos durante o qual o PAN deixou de ser visto apenas como um partido de defesa dos animais e mergulhou na sociedade portuguesa, contribuindo para a discussão pública que resultou, entre outras, na aprovação parlamentar da legalização da canábis para fins medicinais, da adoção de crianças por casais do mesmo sexo, da procriação medicamente assistida e da legalização da eutanásia.

Numa carta dirigida aos militantes na hora do adeus, André Silva destacou ainda o papel decisivo do PAN em temas que, “por desinteresse ou falta de coragem, eram totalmente ignorados pelos outros partidos”, referindo por exemplo a aprovação do estatuto jurídico dos animais, mas também a obrigatoriedade da existência da opção vegetariana nas cantinas públicas, na distribuição de fruta no ensino pré-escolar público ou no aumento do IVA das touradas de 6 para 23%.

“Conseguimos marcar a agenda política e forçar o país a debater assuntos incómodos e controversos, deixando claro que, para nós, e doa a quem doer, não existem setores intocáveis, sejam eles a tauromaquia, o baronato da caça, a agropecuária intensiva, e tantos outros setores poluidores e exploradores de animais e de recursos naturais”, sublinhou.

Com a árdua tarefa de reunificar o partido e - soube-o poucos meses mais tarde - conduzi-lo no processo eleitoral antecipado, Inês Sousa Real torna-se porta-voz do PAN em 6 de junho.

Num ambiente pré-eleitoral que parece apontar para o regresso de uma polarização vincada entre PS e PSD, as sondagens mais recentes indicam que o PAN terá dificuldades em chegar aos 3,3% de votos conquistados em 2019 mas, até ao dia 30 de janeiro, muita água vai passar por debaixo da ponte.
Prioridades definidas
No site do partido, dedicado às legislativas de 2022, surgem elencadas cerca de quatro dezenas de prioridades do PAN. Entre as propostas, uma redução da carga fiscal, uma aposta na ferrovia e inserir a proteção animal na Constituição e acabar com as touradas.

Em termos de impostos, o partido propõe reduzir a carga fiscal sobre a classe média (revisão dos escalões de IRS) e apoiar as empresas, reduzindo o IRC para 17% até 2026.

Propõe o fim da precariedade laboral dos jovens, assegurando “a justa e obrigatória remuneração dos estágios profissionais” e quer “mais tempo para viver”: 35 horas de trabalho semanais e 25 dias de férias por ano para todos.

Quer ver 1% do Orçamento do Estado para a Cultura e quer executar uma carta de compromisso com a Cultura e as Artes.

Nas acessibilidades
, a aposta no Aeroporto de Beja em detrimento da opção do Montijo, a criação de comboios de alta velocidade e ligação com a Europa, a ligação de todas as capitais de distrito através da ferrovia e ligações de alta velocidade para a Europa até 2030, além de um aumento significativo do investimento nos transportes públicos e nas redes cicláveis.

Na Saúde, propõe-se apostar num sistema de saúde preventiva de proximidade e valorizar o SNS bem como os seus profissionais.

O PAN pretende ainda consagrar ecocídio como crime contra a humanidade e criar o Ministério da Economia e das Alterações Climáticas e o Ministério do Ambiente, Biodiversidade e Proteção Animal.

Estabelece ainda nas suas prioridades, entre outras propostas, inserir a proteção animal na Constituição e alargar a criminalização dos maus tratos a todos os animais, alargar o código penal a animais sensíveis, abolir as touradas, criar uma rede pública de hospitais médico-veterinários e criar Planos Nacionais de Desacorrentamento e de recuperação e preservação dos animais selvagens, “deseucaliptar” Portugal e promover a agricultura biológica e sustentável.

O direito de voto, de acordo com o PAN, deveria passar para os 16 anos.

Quer reduzir o número de estudantes por turma para melhorar as aprendizagens e rever o modelo de acesso ao ensino superior.

Prioridade ao combate a todas as formas de discriminação: idadismo, especismo, deficiência, racismo, LGBTI+, erradicação da violência doméstica e a proposta de um aumento do tempo de prescrição do crime sexual/abuso sexual de menores.

Na habitação preconiza o direito à habitação jovem, a garantia de habitação pública, a preços acessíveis, com espaços verdes de proximidade e produção de energia limpa. Nesta área, pretende combater a pobreza energética nas habitações, para que se viva com dignidade e conforto em Portugal e garantir o acesso democrático à energia através de comunidades de energia renovável e comunidades de cidadãos de energia.