Revisão constitucional e combate à fraude no SNS dividem Mendes e Pinto

Num debate cordial mas com alguma discordância de ideias, Marques Mendes e Jorge Pinto mostraram estar em lados opostos em relação a algumas questões, desde logo sobre a eventualidade de uma revisão constitucional num futuro próximo e o papel da nova comissão de combate à fraude no SNS.

Mariana Ribeiro Soares, Andreia Martins - RTP /
Foto: Francisco Romão Pereira - RTP

Para Jorge Pinto, o principal poder é ser a "válvula de escape para a democracia". Já Marques Mendes destaca "o poder da palavra e da magistratura de influência".

“A função principal de um Presidente da República é ser a garantia de que tudo é feito para proteger a nossa democracia”, argumentou Jorge Pinto, acrescentando que o Presidente “tem a função preventiva de defesa do regime”.

Marques Mendes, por sua vez, diz que a sua preocupação central enquanto Presidente “vai ser usar a palavra, a magistratura de influência, para puxar o país para cima”.

“O meu grande objetivo é puxar Portugal para cima, ambição nacional”, reiterou. 
O problema dos "ovos no mesmo cesto"
O candidato apoiado pelo Livre aproveitou para trazer ao debate a questão da interferência de um futuro Presidente, observando que Marques Mendes “é o candidato mais próximo do atual Governo, um partido que tem um domínio tremendo no país”, devido às eleições que ganhou nos últimos anos.

“É mau termos na presidência alguém do mesmo partido, por mais que diga que é independente”, disse, afirmando que “os portugueses não querem ter os ovos todos na mesma cesta”.

O candidato acrescentou que tem sido “claríssimo” sobre o que fará com o pacote laboral ou uma eventual revisão constitucional apenas à direita e diz que essa clareza tem faltado, “em “alguns aspetos”, a Marques Mendes.

Luís Marques Mendes defende-se afirmando que “é igual a Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa”. “Todos foram líderes partidos e foram independentes. Serei rigorosamente independente e já dei provas disso”, garante o candidato apoiado pelo PSD e CDS. 

Jorge Pinto interrompe para observar que “em nenhum desses casos houve uma hegemonia a todos os níveis”, enquanto Marques Mendes “desmonta a teoria” para lembrar que com Sampaio e Guterres “estavam os ovos no mesmo cesto e não correu mal”.
Revisão constitucional “separa completamente” os candidatos
Marques Mendes salienta que há uma ideia que o “separa completamente” do seu oponente de hoje: a revisão constitucional.

“Disse que se houver uma grande revisão constitucional dissolve o Parlamento. Discordo absolutamente. Não é prioridade haver uma revisão constitucional e acho que não vai haver (…) porque fazem-se sobretudo com PS e PSD”, disse.

“Mas quem introduz este tema tem as prioridades erradas”, continuou o candidato apoiado pelo PSD, argumentando que “não precisamos de mais dissoluções, precisamos de estabilidade” e reconhecendo que houve “dissoluções a mais”.

O candidato social-democrata sublinha que a sua prioridade é a Habitação, designadamente para os jovens. “Para mudar não é preciso nenhuma revisão constitucional”, remata.

Jorge Pinto defende-se, afirmando que contrariamente ao que é dito por Marques Mendes, não está “tão convencido de que essa revisão não vai acontecer”.

“E sou muito a favor do que chamou de pedagogia da estabilidade”, continuou, lembrando que tem sido “muito crítico em relação a estes mini ciclos políticos que foram sobretudo consequência da ação do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa”.

“Mas esta política de dissuasão nuclear – já que dizemos que a dissolução da Assembleia da República é a bomba atómica - é precisamente para assegurar essa pedagogia da estabilidade”, acrescentou, explicando que um presidente da República que seja “claríssimo em relação a este ponto, vai evitar que haja sequer essa tentação”.
Combate e prevenção da corrupção
Outro dos temas abordados foi o do combate à corrupção. Questionado sobre o verdadeiro impacto de um Conselho de Estado sobre o tema como já propôs anteriormente, Luís Marques Mendes assinalou que este é “um órgão de uma importância capital”.
 
“Eu sei a importância que vários Conselhos de Estado já tiveram por exemplo na viabilização de orçamentos”, vincou o candidato que faz parte do atual Conselho de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa. “É um órgão de aconselhamento do presidente da República onde está o primeiro-ministro e os líderes da oposição e um conjunto de senadores que exercem uma influência muito grande”, assinalou.

Luís Marques Mendes considerou que o Conselho de Estado “nunca na vida teve uma agenda sobre reforma da justiça e combate à corrupção” e que não serve para “tomar decisões” mas para “aproximar posições”. 

Voltou a afirmar que chamaria a Belém o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o diretor da Polícia Judiciária e Procuradoria-Geral da República para perguntar quais as ações necessárias para intensificar o combate à corrupção. 

“Isso vai ajudar a criar condições para fazer aquilo que há anos se pede, um acordo de regime no domínio da justiça”, acrescentou.

Por sua vez, Jorge Pinto concordou que todos os esforços no sentido de melhorar a situação devem ser função do Presidente da República, mas que prefere colocar o enfoque na prevenção da corrupção. 

Afirma que há um “tipo de conversa” como nos países “onde a corrupção é infinitamente superior” e que alguns candidatos “parece que desejavam que Portugal fosse profundamente corrupto”. 

Considerou que a corrupção em Portugal não atinge níveis de outros países “como o México”, por exemplo, onde a discussão “é muito semelhante”. “Queria que discutíssemos mais como se discute na Dinamarca, na Nova Zelândia”, apontou. 

“Sejamos exigentes enquanto país e enquanto candidatos a Presidente da República. O exemplo tem de vir de cima. Os representantes políticos eleitos têm de ser intocáveis e irrepreensíveis eticamente”, referiu o candidato apoiado pelo Livre. 

Trata-se de uma “alteração cultural” pelo que “um Conselho de Estado (…) é bom, mas não é suficiente”. 
Discordância sobre comissão de combate à fraude no SNS
Sobre a nova comissão de combate à fraude no SNS, liderada pelo juiz Carlos Alexandre, Jorge Pinto considera que “parece uma jogada de marketing do Governo” porque “não conseguiu” dar resposta aos problemas do SNS. 

Questionou ainda a escolha para liderar esta comissão, indagando sobre a experiência do magistrado em relação à saúde.

Referindo o recente anúncio de reorganização das CCDR para a Saúde, Jorge Pinto expressou que gostaria de discutir “a verdadeira regionalização”, que considera “um imperativo constitucional”. 

Luís Marques Mendes discordou em completo com a afirmação do adversário, considerando que a comissão anunciada para combate à corrupção na Saúde foi “uma belíssima decisão” e uma resposta “rápida” por parte do Governo à acumulação de “vários casos” na Saúde.

“Acho que o juiz Carlos Alexandre é muito bem escolhido”, reiterou ainda, considerando que a experiência em matéria de combate à corrupção “incute respeito, para não dizer até medo”. 

Ao contrário do que afirmou Jorge Pinto, Luís Marques Mendes considerou que o juiz “não precisa de saber de saúde”, até porque “não vai ser ministro nem secretário de Estado”, cabendo-lhe a apresentação de regras contra o “facilitismo que existe hoje”. 
Acordo entre patrões e sindicatos é "essencial"

Sobre a lei laboral em discussão e a iminente greve geral, Jorge Pinto sublinhou que o “Governo e intersindicais continuam a negociar” e que as instituições estão a funcionar. Recordou, no entanto, críticas de Luís Marques Mendes a “decisões do Tribunal Constitucional relativas a direitos laborais nos anos da Troika”. 

Defendeu que o TC "deve ser consultado em relação a esta proposta se ela chegar tal como está" uma vez que "há pontos que levantam claras dúvidas constitucionais", apontou.

E voltou a apontar críticas a posições anteriormente assumidas pelo adversário, nomeadamente com a oposição à redução para as 35 horas semanas na função pública. "Chegou a acusar de menoridade intelectual o próprio Tribunal Constitucional", acusou.

Luís Marques Mendes considerou que o Presidente da República "pode e deve" intervir como mediador numa questão como a lei laboral. O chefe de Estado não governa nem faz leis, mas "não é uma rainha de Inglaterra". 

Vincou que o país "precisa de reformas" mas que, em matéria laboral, "é essencial um acordo com entidades patronais e sindicatos", referindo-se "sobretudo" à UGT.

"Uma alteração à legislação laboral sem acordo é má", reconheceu, assinalando no entanto que na última semana "houve uma alteração de atmosfera política enorme" após a reunião entre o primeiro-ministro e a central sindical. "As declarações da própria UGT vão nesse sentido", considerou. 

Plano de emergência para a comunidade portuguesa na Venezuela

A última questão do jornalista Vítor Gonçalves versou a situação na Venezuela. Este sábado, o presidente norte-americano afirmou que o espaço aéreo daquele país está "totalmente fechado" e teme-se uma nova escalada ou mesmo uma ação por parte dos Estados Unidos. 

O candidato apoiado pelo Livre começou por repudiar o regime de Nicolás Maduro mas focou, desde logo, a necessidade de proteger a comunidade portuguesa naquele país.

"Espero que o Governo esteja a tratar disso", com um "plano de emergência para ser ativado amanhã se necessário for", apontou, até porque a TAP não consegue neste momento voar para Caracas. Como chefe de Estado, afirma que estaria a "insistir e assegurar" junto do Governo uma solução para estes portugueses e lusodescendentes.

Criticou ainda a eventualidade de um ataque "ao arrepio do Direito Internacional que vai colocar em risco portugueses e lusodescendentes".

"O Presidente da República deve envidar todos os esforços diplomáticos para garantir que a vida destes portugueses seja protegida e que o Direito Internacional seja respeitado", vincou. 

Luís Marques Mendes mostrou-se de acordo com esta posição, com a necessidade do chefe de Estado estar informado junto do executivo "dada a delicadeza da situação". Expressou ainda que espera ver mais vezes as comunidades portuguesas no estrangeiro a serem tema nos debates que ainda vão decorrer. 

O candidato apoiado pelo PSD garantiu que fará presidências abertas no estrangeiro junto das comunidades caso seja eleito e aproveitou para criticar uma "falta enorme de investimento" no ensino de Português no estrangeiro, um argumento com o qual Jorge Pinto mostrou estar em concordância. 
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