O presidente da República iniciou o discurso na cerimónia da tomada de posse do novo Governo a considerar que as eleições de 18 de maio "foram claras nas lições que nos deram". Por um lado, não se confirmou "a previsão de que os portugueses estavam condenados, por fadiga, a desinteressarem-se de votar" ou "a abstenção destinada a subir sempre em flecha".
Marcelo Rebelo de Sousa destacou que os portugueses "responderam afirmativamente" perante a campanha, os debates e o novo escrutínio.
O chefe de Estado salientou que esta
eleição teve como "causa inicial, para muitos relevante" saber se o primeiro-ministro "merecia ver renovada a vitória de 2024 atendendo a juízos éticos ou morais de integridade e idoneidade".
"Os resultados mostraram que o juízo coletivo reforçou a confiança política nele", numa campanha que elevou "a personalização a elemento decisivo de escolha eleitoral", vincou.
E acrescentou: "Os resultados revelaram que os portugueses não consideravam que esses juízos eram de molde a deixar de renovar e reforçar a escolha daquela força política e daquela mensagem personalizada no primeiro-ministro", apontou Marcelo Rebelo de Sousa em referência a Montenegro e à AD.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou, que apesar de uma vitória "impressiva" dadas as particulares circunstâncias em que ocorreu, os portugueses não passaram à AD e a Luís Montenegro "um cheque em branco, se é que as maiorias absolutas são cheques em branco".
O presidente da República ressalvou que os portugueses "não quiseram converter o crédito adicional em crédito ilimitado", nem sequer um incentivo à prossecução da obra iniciada "em poder absoluto".
"Lideranças políticas não são eternas"
Marcelo Rebelo de Sousa considerou também que os portugueses "penalizaram" a força política que governou a maior parte do tempo desde 1995. Essa força política, o PS, tinha conseguido "praticamente igualar o vencedor" em 2024 depois de ter estado à frente do Governo durante vários anos.
Tal alternância constitui um fenómeno que "não é novo" na democracia portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que esse "partido pilar do centro esquerda e o seu líder haviam vencido a revolução na vertente civil", tendo sido "os primeiros a governar em democracia constitucional".
No entanto, seguiu-se um período em que foi maioritariamente "o partido pilar de centro-direita" que governou Portugal entre 1979 e 1995, em alguns momentos "longamente sozinho", referindo-se às duas maiorias absolutas de Cavaco Silva.
Após esse ciclo de centro-direita foi a vez do centro-esquerda, referiu Marcelo. E agora há um novo ciclo e as eleições de 2024 e 2025 mostraram "um virar de página agora mais pronunciado".
"As fórmulas, as forças políticas e as lideranças não são eternas", apontou.
Vaga populista atingiu Portugal "mais tarde e mais aceleradamente"
Marcelo Rebelo de Sousa focou-se depois, no discurso, à ascensão da extrema-direita, uma “evolução europeia que chegou mais tarde a Portugal”. Esta tendência conheceu um "novo e decisivo ímpeto com a eleição do presidente Donald Trump em 2016", apontou.
A eleição do mesmo presidente norte-americano, em 2024, permitiu "potenciar por toda a Europa forças políticas na mesma linha", uma vaga "ainda em ascensão".
O presidente sublinhou que fez o alerta para esta nova conjuntura no discurso do 25 de Abril de 2018. "Apontei a iminente chegada a Portugal da vaga europeia de movimentos sociais e políticos inorgânicos e ditos populistas", assinalou.
Os anos seguintes até hoje "confirmaram a fragmentação do centro-direita e da direita em geral". Até ao momento atual, em que um partido dessa vaga "atingiu em 2025 a liderança da oposição parlamentar".
"Tudo isto se passou na Europa, mais cedo e lentamente. Em Portugal, mais tarde e mais aceleradamente", vincou, acrescentando que Portugal mudou muito nos últimos anos.
Manter "o essencial de Abril" num novo contexto
Para Marcelo Rebelo de Sousa, depois dos desafios da pandemia, de 2022 até 2025 foi “um galope” de vários fatores de mudança: envelhecimento, economia, imigração, guerras, problemas na saúde, habitação.
Criou-se, para o chefe de Estado, uma "tensão crescente em quem sabe, ao mesmo tempo, que a economia e sociedade precisam de abertura, circulação de pessoas e mão de obra", mas que "adere instintivamente ao medo, incompreensão e rejeição".
Isto mesmo quando os que chegaram se integraram em criação de emprego e contribuições para a Segurança Social, acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa voltou ainda à crítica na aplicação dos fundos europeus, a "demorarem teimosamente a chegar às pessoas", numa referência ao PRR.
Considerou que Luís Montenegro "já demonstrou que é determinado e resistente" e garante que este conta "com a solidariedade deste presidente da República até ao fim do respetivo mandato". Considerou ainda que esta foi uma vitória personalizada e pediu, para os próximos quatro anos, uma meta "bem mais ambiciosa".
"Agora, a meta de vossa excelência é bem mais ambiciosa. Quer ir e tem de ir à raiz estrutural do que precisa de se ajustar ao novo Portugal, acelerando o uso dos apoios europeus, estimulando o investimento e explorações, assim contribuindo para aumentar o poder de compra, portanto, os salários dos portugueses, não esquecendo os mais pobres e excluídos", mas também "mudando sistemas e orgânicas encravadas ou necessitadas de perspetiva de futuro, nomeadamente na saúde, na habitação e mesmo em alguns setores da educação".
Por fim, pediu ao primeiro-ministro que procure assegurar que "o essencial de Abril permanece, em liberdade, democracia e justiça social". Mas que "esse Abril" seja "capaz de entender e dar futuro a um Portugal muito diferente" ao de 1974.