A conquista do Rovuma

Se há episódio pouco conhecido da História de Portugal é o que se passou na defesa de Moçambique durante a Primeira Guerra Mundial. Ao contrário do que viria a suceder 60 anos depois, altura em que praticamente toda a classe política portuguesa via com bons olhos a independência dos territórios ultramarinos, há 100 anos não se discutia tal hipótese: era, pelo contrário, necessário garantir que se mantinham portugueses.

Moçambique e Angola foram palco de combates entre portugueses e alemães ainda antes de Portugal entrar oficialmente na guerra. O sul de Angola – Naulila, Quangar, Lubamgo – foi palco de intensos combates logo em 1914. 



Ilustração Portuguesa - Hemeroteca Nacional de Lisboa

Mas Moçambique – e sobretudo a fronteira norte do rio Rovuma - viria a centrar a maioria dos esforços militares depois de a Alemanha declarar guerra a Portugal, o que sucedeu em março de 1916. 

Tornou-se então ainda mais imperativo para Lisboa mostrar quem mandava, até porque se dera precisamente na zona o primeiro incidente de fronteira a 25 de agosto de 1914, com o ataque alemão ao posto fronteiriço de Maziúa, na fronteira do Rovuma, tendo sido morto o chefe do posto e sendo incendiado o posto e as palhotas vizinhas.

A propaganda do regime republicano lembrava ainda a ferida deixada pela ocupação pela Alemanha do posto português de Quionga, na foz do Rovuma, em 1892.

O rio Rovuma era usado como fronteira entre o sul da África Oriental Alemã (atual Tanzânia) e o norte de Moçambique. A Revista Militar de 2009 publica um extenso artigo sobre esse rio, sua extensão, morfologia e história.

Apesar de atualmente quase desconhecido, o Rovuma veio a tornar-se túmulo para milhares de portugueses ou, no mínimo, sinónimo de ‘Inferno’. 

A 11 de setembro de 1914,escassas duas semanas depois do primeiro incidente, partiu a primeira expedição militar com destino a Moçambique, chefiada pelo tenente-coronel Massano de Amorim. Um batalhão, uma bateria e um esquadrão viriam a desembarcar a 1 de novembro em Porto Amélia.

O objetivo da expedição era, como referido em junho de 1915 pelo governador de Moçambique, a reocupação de Quionga e invadir o território da África Oriental Alemã.

A 7 de novembro do mesmo ano chegam reforços da metrópole. A segunda expedição a Moçambique, comandada pelo major de artilharia Moura Mendes, desembarca em Porto Amélia, “sendo composta por um batalhão, uma bateria e um esquadrão, assim como tropas de engenharia, de saúde e de serviços.” (in Portal da História)

Mas os planos de controlo do Rovuma só se concretizam em 1916, depois da declaração de guerra.

Em maio de 1916, o jornal A Capital publicava um artigo sobre combates que teriam posto em debandada os alemães.


Jornal A Capital - Hemeroteca Nacional de Lisboa

No mesmo mês, outro artigo intitulado ‘catecismo do expedicionário’ dava a ideia de que a presença alemã da África Oriental estaria moribunda.

Jornal A Capital - Hemeroteca Nacional de Lisboa

Já em junho, dava conta dos combates em que participaram o cruzador Adamastor e a canhonheira Limpopo.

Jornal A Capital - Hemeroteca Nacional de Lisboa

Já a cronologia elaborada pelo Portal da História reflete o que então se passou no terreno: 

  • 27 de Maio - Combate de Namaca. As forças expedicionárias portuguesas, reforçadas por forças da Guarda Republicana de Lourenço Marques, levadas para o Norte de Moçambique pelo governador Álvaro de Castro, tentam a passagem do Rovuma sendo rechaçados violentamente pelas forças alemãs. 
  • Julho - A terceira força expedicionária portuguesa, a Moçambique, chega a Palma, a norte de Porto Amélia. Comandada pelo general Ferreira Gil. Era composta por 3 batalhões de infantaria, 3 baterias de metralhadoras, 3 baterias de artilharia, 1 companhia de engenharia mista e unidades de serviços.
  • 19 de Setembro - Travessia do Rovuma pela força expedicionária portuguesa a Moçambique. A África Oriental Alemã é invadida.
  • 4 de Outubro - Combate de Maúta. Uma força de reconhecimento comandada pelo capitão Liberato Pinto é surpreendida em Maúta e obrigada a retirar de regresso à fronteira de Moçambique. Será acompanhada pela coluna que a seguia.
  • 22 de Outubro - Combate da Ribeira de Nevala. As forças do comando do chefe de estado-maior da força expedicionária a Moçambique, coronel Azambuja Martins, encontram-se com as forças alemãs junto aos poços de água de Nevala. As forças alemãs retiram.
  • 8 de Novembro - Combate de Quivambo. A coluna do comando do major Leopoldo da Silva, que após a tomada de Nevala, na África Oriental Alemã, se dirigia para Mikindani, é interceptada pelas forças alemãs. Leopoldo da Silva foi morto, e o novo comandante, major Aristides Cunha, decidiu retirar.
  • 22 de Novembro - Combate da água de Nevala. As forças alemãs, reforçadas por marinheiros do cruzador Koenigsberg, no seguimento do combate de Quivambo, atacam e ocupam o posto da água de Nevala após um ataque à baioneta.
  • 28 de Novembro - As forças portuguesas abandonam o fortim de Nevala, e retiram para a fronteira, depois de uma coluna de socorro ter sido rechaçada pelas forças alemãs.
  • 1 de Dezembro - O posto de Nagandi é incendiado por fogo de artilharia alemão, impedindo que se organizasse ali um linha de defesa de Moçambique.

É desta aventura mal sucedida que fala o Postal da Grande Guerra, como outros ficcionado com base em acontecimentos reais.


As expedições portuguesas enviadas para Moçambique depois de 1914 fracassaram na missão de garantir o controlo das tropas alemãs. 

Ilustração Portuguesa - Hemeroteca Nacional de Lisboa

O final do ano de 1917 foi especialmente fértil em confrontos e massacres, em Negomano e na Serra Mecula. 

O general alemão “von Lettow Vorbeck” chegou a invadir todo o norte de Moçambique, andando à vontade e chegando mesmo às portas de Quelimane, em 1918, tornando depois a sair pelo norte, pelo Rovuma, seguindo viagem para a então Rodésia. Viria a dizer que procurava medicamentos e botas para as suas numerosas tropas. Rendeu-se depois do armistício de 12 de novembro, quando controlava completamente a guerra em Moçambique.

Portugal conseguiu contudo, pela sua participação na Primeira Grande Guerra, o objetivo de manter a posse do triângulo de Quionga.