Mão-de-obra barata e carne de canhão

O primeiro efeito da entrada de Portugal na guerra não foi o de envolver o exército português em operações militares. Ainda faltavam vários meses para o Corpo Expedicionário Português ir ocupar o seu lugar nas trincheiras da Flandres. O que foi quase imediato, foram os pedidos das potências aliadas para o Governo da República lhes ceder gente: operários qualificados ou simples serventes, operários para construir linhas de comboio em França, artilheiros para colocar sob o comando de oficiais aliados.


A Inglaterra e a França davam pouco valor à participação militar portuguesa. Nos pedidos que enviavam para Lisboa mostravam mais urgência em obter braços do que em receber cabeças pensantes.

Três meses depois da declaração de guerra, o Governo francês pede ao chefe da missão portuguesa em Paris, João Chagas, que envie para França 15 a 20 mil operários não qualificados para trabalharem na indústria de guerra. O pedido vem assinado pelo subsecretário francês das Munições, Albert Thomas, que está encarregado de aumentar drasticamente a produção de obuses. Nos grandes calibres, a produção de 700 por dia deverá ser multiplicada por 70, até atingir os 50 mil por dia.

Para as fábricas de munições, são mobilizadas em larga escala as mulheres. Operários que entretanto se encontram a combater nas trincheiras são chamados de volta à retaguarda para fabricar munições. O número de pessoas a trabalhar na indústria de guerra salta de 50 mil para mais de um milhão e meio.

Os 20 mil que Albert Thomas pede a João Chagas são, para a França, uma gota de água no oceano. Ao mesmo tempo, o Governo francês está preocupado em manter longe das fábricas de munições qualquer factor de agitação. Ao selecionar os trabalhadores, os políticos franceses e portugueses planeiam pôr de lado os que não se adequem ao trabalho pretendido e excluir também aqueles que se considere indisciplinados ou reivindicativos.


João Chagas

Em 5 de Junho de 1916, Chagas explica para Lisboa os contornos do pedido: “A forma de mobilização daria lugar (…) a que os dois governos tivessem sobre o pessoal operário português uma autoridade militar. Esta autoridade (…) apenas permitiria aos dois governos afastar deste serviço aqueles que pela sua manifesta incapacidade, ou irregularidade da sua conduta, não conviessem”.



Meses depois, o Governo francês irá pedir 4 mil soldados da arma de Artilharia, “para servirem no exército francês”. Estamos em 17 de Dezembro, o CEP ainda não está em França. O Governo de Lisboa não vê inconveniente em que estes soldados vão à frente dos outros e fiquem sob as ordens de oficiais franceses.



Em Março, o CEP já há dois meses que chegou a França, e está integrado num sector da frente inglesa. Os ingleses pedem agora 4 mil operários para construir linhas de comboio. O ministro da Guerra, general Norton de Matos, recomenda que, sob certas condições, seja aceite o pedido. Portugal não é visto como aliado de parte inteira. 

É um fornecedor de mão-de-obra barata e de tropas sedentárias para um sector pouco activo da frente. Mais adiante, no episódio de La Lys, ficará patente que o sedentarismo das tropas não lhes garante a segurança. 

Em grande parte deixadas a si próprias, elas ficarão reduzidas ao papel de figurantes passivas e carne de canhão no colapso da frente.