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Ilustração Portuguesa Hemeroteca Nacional de Lisboa

O Aragão

O caso Aragão marcou o verão de 1915 de forma quase caricata, opondo o Governo ‘guerrista’ do Partido Democrático a um militar de carreira, defensor da República e da participação de Portugal na guerra mas que recusou todas as honras que lhe queriam impor para o tornar num herói do regime. Francisco de Aragão tinha sido feito prisioneiro em Naulila, no sul de Angola, em combate contra os alemães, em finais de dezembro de 1914. Libertado por forças sul-africanas, regressou então em agosto de 1915 à metrópole que o julgava morto. Este postal, ficcionado, reflete que, tal como o próprio Aragão, muitos se demarcavam da propaganda do regime.


Foi grande a excitação no país ao saber-se do regresso dos oficiais e soldados aprisionados a 18 de dezembro em Naulila. 



Jornal Ilustração Potuguesa - Hemeroteca Nacional de Lisboa

Embora regressasse acompanhado de vários soldados, do tenente António Rodrigues Marques e do alferes Raúl José Andrade, era o tenente Francisco Xavier da Cunha Aragão, do alto dos seus jovens 24 anos, quem atraía todos os olhares e todas as honras. Que ele próprio refutava, como explicava então uma extensa entrevista publicada pela Capital realizada à chegada ao Funchal.

O mesmo artigo conta pela boca de Aragão o que se passou no sul de Angola e levou ao desastre de Naulila. 


Jornal A Capital - Hemeroteca Municipal de Lisboa

O jovem tenente, que o Parlamento por aclamação promovera a capitão, mostra-se admirado e rejeita o novo posto, por considerar que cumpriu apenas o seu dever e por faltar ainda o relatório do seu superior, tenente-coronel Alves Roçadas, que comandava a expedição.

Eram ainda reproduzidas as entrevistas feitas ao tenente Marques e ao alferes Andrade sobre o ocorrido em Naulila. 

Jornal Ilustração Potuguesa - Hemeroteca Nacional de Lisboa

Alegadas ordens de Alves Roçadas referidas noutros artigos sobre Naulila foram ainda motivo de diversas cartas do tenente Marques. Vários artigos denegriam ainda a ação de vários soldados e oficiais, apelidados de “marathonistas” pela velocidade com que alegadamente haviam fugido dos combates.

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Aragão nasceu em Pangim a 15 de maio de 1891. Estudou no Colégio Militar e na Escola do Exército completando o curso do Colégio Militar em 1907 e o curso de Cavalaria na Escola do Exército em 1911.

De acordo com o Almanaque republicano, “em 5 de Outubro de 1910 foi um dos jovens militares aliciados para participar na revolução republicana, estando colocado no Regimento de Cavalaria 4, juntamente com João Sarmento Pimentel.”

O mesmo artigo refere brevemente o percurso dos anos seguintes.


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“Enquanto alferes esteve integrado no Regimento de Cavalaria nº 11, tendo aí sido requisitado para a realização de comissão de serviço no Ministério das Colónias. A partir de 1913, já com a patente de tenente, é colocado em Angola. Nesse período de permanência em terras africanas Francisco Aragão participa nos primeiros confrontos com as topas alemãs tomando parte no combate de Naulila. No dia 30 de Julho de 1915, foi um dos que combateu nos duros confrontos com as tropas alemãs Era comandante do 1º Esquadrão dos Dragões do Planalto, no sul, onde realiza tarefas de fiscalização da fronteira luso-alemã ao sul do rio Cunene. Comandado por Alves Roçadas, participou nos combates juntamente com o corpo de tropas formadas pelas forças expedicionárias portuguesas e pelo corpo de tropas de landins como eram chamados aos combatentes locais.”

Na sequência de uma ofensiva alemã em dezembro de 1918, Aragão é feito prisioneiro, sendo dado como morto. Mas acaba por regressar em agosto de 1915, tornando-se símbolo para as forças republicanas guerristas.


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Torna-se então figura-chave nos debates e comentários esgrimidos nos jornais até porque assume ainda uma posição ‘guerrista’ de apoio à entrada de Portugal na Grande Guerra e consequentemente ao novo Governo do Partido Democrático recém-empossado depois de um golpe em que fora deposto o Unionista Pimenta de Castro. 

A posição do jovem militar gerou uma onde de artigos a favor e contra, tendo Fernando Pessoa escrito vários textos de crítica a Aragão, intitulados “Carta a um herói estúpido” mas que não chegaram a ser publicados. 

Igualmente confuso foi o episódio de uma espada que lhe quiseram atribuir. 

A espada acabaria por ser entregue como recorda um artigo do jornal O Paiz em 1923. 

Depois do regresso de Angola, o Tenente Aragão integrou o grupo de oficias da Marinha e do Exército que frequentaram o primeiro curso de pilotagem de aviões e se tornaram a base de formação de novos pilotos aeronáuticos. 

Ao lado do Capitão de Cavalaria Salvador Cifka Duarte, do Alferes de Cavalaria João Barata Salgueiro Valente e do Alferes de Infantaria Carlos Esteves Beja, faz o curso no Signal Corpos Aviation School em S.Diego, Califórinia, Estados Unidos da América.

“Em 1917 organiza a Esquadrilha Colonial, que vai servir em operações contra os alemães em Moçambique. Porém, a falta de meios impede que a esquadrilha chegue a desempenhar algum papel. Aragão serve nessa altura como oficial de cavalaria nas tropas em operações”, recorda o Almanaque Republicano.

Durante a participação de Portugal na Grande Guerra os pilotos foram depois transferidos para França, onde frequentaram a Escola de Aviação de Juvisy e de Chartres tendo Aragão obtido o brevet de piloto na Escola de Aviação de Chartes.

Depois do fim da Guerra, integra em 1923 o grupo fundador da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, servindo depois como chefe de gabinete do ministro da Guerra Ribeiro de Carvalho.

A carreira de Cunha Aragão acabaria por seguir o evoluir da aeronáutica. Criou o Conselho Nacional do Ar, de que foi secretário perpétuo. Criou ainda os serviços de aviação civil em Portugal., sendo em 1926, com a patente de tenente-coronel, nomeado subdiretor de Aeronáutica.

A sua crescente oposição à Ditadura Militar decretada em 1928 e a participação em atos e grupos revolucionários que tentavam derrubar o regime acabaram por decretar a sua demissão do Exército em 1933. Após vários exílios em Espanha e França e desiludido com os fracassos dos revoltosos, acabou por assumir uma posição pacífica regressando a Portugal. Detido pela PVDE em 1940, com Jaime Cortesão, Álvaro Poppe e Maria Judite Cortesão, acabou por se afastar definitivamente da vida política, dedicando-se à gerência fabril.