ANAMAR, por João Carlos Callixto

19 Mar 1987 - "Roda"

Abrimos esta oitava temporada do “Gramofone” com um nome marcante da cena lisboeta dos anos 80: a cantora e actriz Anamar, que nessa época foi também porteira do bar “Frágil”, em Lisboa. O seu percurso na música começa logo na primeira metade da década, através da hoje “mítica” etiqueta discográfica Fundação Atlântica. Assim, com produção de Pedro Ayres Magalhães, é publicado em 1983 o disco de estreia - "Baile Final", anunciado como single de avanço do álbum “Cartas de Portugal”. No entanto, este longa-duração nunca veria a luz do dia e assim apenas as canções “Baile Final” (com letra de Miguel Esteves Cardoso e música de Ricardo Camacho, da Sétima Legião) e “Lágrimas” (aqui com texto do publicitário Pedro Bidarra e música do próprio Pedro Ayres Magalhães) chegaram até aos dias de hoje, mostrando desde logo o lugar entre a modernidade e a tradição em que Anamar se queria inserir.

O passo seguinte na obra musical da cantora chega então em 1986, com a edição do máxi-single "Amar por Amar". Saído da forja da independente Ama Romanta, de João Peste, aqui se confirma a vontade de cruzar referências só aparentemente díspares. Ora partindo de um poema de Pedro Homem de Mello (que dava título ao disco) ora juntando músicos como Nuno Rebelo, Emanuel Ramalho (que também produzia o trabalho), António Emiliano e Pedro Caldeira Cabral, a voz e a música de Anamar (que só não assina a melodia da lenga-lenga tradicional “Ana”) fazem com que o antigo soe a novo e o novo tenha um sabor secular. A própria postura em palco de Anamar torna isto ainda mais claro, como podemos ver neste momento gravado pela RTP para o programa "A Quinta do Dois", apresentado por Carlos Cruz, e em que Emanuel Ramalho (nas percussões) e Nuno Rebelo (na guitarra) surgem como perfeitos cúmplices da cantora.

O álbum de estreia de Anamar, "Almanave", foi publicado ainda neste ano de 1987, e mais uma vez navega entre o fado, o folclore e todo o tipo de transgressões. Agora na multinacional PolyGram, aqui encontramos reportório amaliano (“Sabe-se Lá” e “Canção do Mar”), as vozes do povo e a ele abraçadas (“Maçadeiras” e “Ana Ai Maria”, com versos de Fernando Pessoa) ou o talento próprio de Anamar, sozinha na escrita ou aliada de novo a Emanuel Ramalho e Nuno Rebelo. A produção estava agora a cargo de Ramalho e do técnico de som Jorge Barata.

Após o segundo álbum, “Feiabonita” (1989), com direcção musical do guitarrista José Peixoto e com produção da própria Anamar e de um dos técnicos de som mais respeitados no nosso país (José Fortes, com percurso iniciado em finais dos anos 50 para a histórica etiqueta Orfeu), segue-se uma pausa de quase uma década. “M”, em 1997, traz o guitarrista Joaquim d’Azurém e o ex-Croix Sainte André Louro de Almeida, encerrando assim o século XX de Anamar com uma viagem quase cósmica. Neste século, entre dois álbuns de originais, um ao vivo e novas cumplicidades com o letrista Tiago Torres da Silva, fica apenas a certeza que esta voz marcou já o seu lugar na História da nossa Música – ainda que o grande público a conheça porventura mais como actriz no pequeno ecrã.