ANTÓNIO VARIAÇÕES por João Carlos Callixto

"Estou Além" - 22 Mai 1982

Começando uma nova série aqui no “Gramofone”, que melhor forma de o fazer do que sob a égide da revolução? Foi isso que António Variações significou para a música portuguesa, quando surgiu em 1982 com o seu primeiro disco.

Nascido em Fiscal de Amares, no Minho, a 3 de Dezembro de 1944, António era já um barbeiro conhecido pela sua excentricidade quando em 1981 diz a Júlio Isidro, um dos seus clientes, que gostava que ele ouvisse as canções que escrevia. A cassete que entrega ao apresentador atrai este desde logo, a tal ponto que o chama para participar na emissão seguinte do programa “Passeio dos Alegres”, na RTP. “Toma o Comprimido” e “Não Me Consumas” são os dois originais apresentados ao vivo, e que apenas conhecem edição em disco numa colectânea de 2006, “A História de António Variações”.

Mas a história do músico poderia ter começado pelo menos três anos antes, em 1978, data em que assinara contrato com a Valentim de Carvalho. A editora, incapaz de chegar a uma conclusão sobre o tipo de arranjos que mais convinham aos originais de Variações, acaba por ir protelando a marcação de gravações em estúdio. A pressão de Jaime Ribeiro, advogado e irmão do cantor, e o empurrão de Júlio Isidro fazem a editora finalmente compreender que não podiam esperar mais para revelar ao mundo o diamante em bruto que tinham entre mãos.


O primeiro disco, editado em formato single e máxi-single, tinha no lado A a nossa canção de hoje aqui no “Gramofone”, “Estou Além”, e no lado B uma versão bem particular de “Povo Que Lavas no Rio”, imortalizado por Amália Rodrigues – uma das referências confessas de António. A produção desse trabalho ficou a cargo de Nuno Rodrigues, da Banda do Casaco, e de Ricardo Camacho, que surgiria com a Sétima Legião pouco depois.

Em 1983, quando é publicado o álbum de estreia de Variações, “Anjo da Guarda”, a produção era dividida entre Moz Carrapa, então nos Salada de Frutas, e dois membros dos GNR, Tóli César Machado e Vítor Rua. O famoso som “entre Braga e Nova York”, nas palavras do cantor, tomava finalmente forma no meio da modernidade pop da época. A Vítor Rua, Variações disse que queria sentir “o som da terra a tremer” no arranjo para “Visões-Ficções (Nostradamus)”, a canção apocalíptica com que fechava esse primeiro álbum.


“Dar & Receber”, publicado um ano depois, continuava a veia exploratória, desta vez com a cumplicidade dos membros dos Heróis do Mar. Carlos Maria Trindade e Pedro Ayres Magalhães assumiram as funções de produtores e chamaram ainda a acordeonista Eugénia Lima e o guitarrista Jorge Fontes para as sessões de um trabalho que ninguém esperava então que encerrasse uma carreira que, após a estranheza inicial, prendia agora todos os tipos de públicos.

A morte prematura de António Variações, a 13 de Junho de 1984, significou no entanto apenas o início de um culto merecido e influente até aos dias de hoje. Logo em 1987, os Delfins gravam a sua “Canção do Engate” e Lena d'Água faz o mesmo com “Estou Além”. Em 1989, esta última dedica o álbum “Tu Aqui” a Variações, e nele inclui cinco inéditos do músico. Alguns deles viriam a integrar o projecto Humanos, que em 2004 dá corpo e voz – com Camané, David Fonseca e Manuela Azevedo – a uma verdadeira homenagem ao músico minhoto. Antes e depois, muitas têm sido as vozes a provar a singularidade e perenidade deste legado que, hoje como então, continua a estar além.