CONJUNTO DE GUITARRAS DE RAUL NERY, por João Carlos Callixto

8 Mar 1962 - "Rapsódia Popular"

O nome de Raul Nery é sinónimo de um dos pináculos da arte da guitarra portuguesa no âmbito do fado, com uma carreira começada ainda em criança (com estreia em público aos 9 anos) e que desde logo maravilhou quem o escutava. Quando, mesmo no final da década de 1950, o músico forma o conjunto de guitarras com o seu nome, chama a si três outros instrumentistas com provas dadas: Fontes Rocha, Júlio Gomes e Joel Pina. Começam desde logo a acompanhar nomes como Amália Rodrigues, Fernando Farinha, Frei Hermano da Câmara, Maria Teresa de Noronha ou Teresa Tarouca, tanto em actuações ao vivo como em gravações em estúdio, totalizando estas muitas e muitas dezenas ao longo da década e meia de existência do conjunto.

Destacando-se naturalmente no âmbito dos conjuntos de guitarra da sua época, o Conjunto de Guitarras de Raul Nery começaria o seu percurso discográfico em nome próprio em 1961 com o formato então mais popular da indústria: um extended play (EP). Seria a firma Rádio Triunfo, através da etiqueta Alvorada, quem o deu à estampa, e nele se incluíam “Lisboa ao Entardecer” (que dava título ao disco), “Motivos Regionais” (com arranjo de Joel Pina), “Rapsódia de Fados” e “Variações em Mi” (de Armandinho). Dois anos depois, é publicado o EP “Velha Lisboa”, que juntava a composição homónima de Fausto Caldeira a três sucessos garantidos: “Sempre Que Lisboa Canta” (de Carlos Rocha), “Uma Casa Portuguesa” (de Artur Fonseca) e “Coimbra” (de Raúl Ferrão). É entre um e outro registo que encontramos o momento recuperado neste “Gramofone”: estamos em 1962, com imagens do programa comemorativo do 5.º aniversário da RTP. A apresentação coube a Henrique Mendes e nesta rapsódia popular interpretada pelo Conjunto de Guitarras de Raul Nery encontramos canções como "No Alto daquela Serra", "Oliveirinha da Serra", "Malhão de Cinfães" ou "Castelo Branco".

Em termos discográficos, se nos dois primeiros registos do Conjunto as capas ostentavam fotografias de cariz “turístico” (com a Praça dos Restauradores, em Lisboa, e com um barco de pescadores), no terceiro disco, publicado pela firma portuense Rapsódia, surgia já o conjunto em destaque na capa, numa fotografia de Octávio Teixeira. Seria no entanto a Alvorada a publicar os dois discos seguintes, o primeiro em 1964, constituído integralmente por composições de Frederico Valério, e o segundo em 1965, que abria com “Portugal Cor de Rosa” (de Jan Tisky e com arranjo de Fontes Rocha) e que trazia ainda dois arranjos de Joel Pina para composições tradicionais. O primeiro álbum do conjunto é o passo seguinte na sua discografia e foi neste caso publicado pelo selo norte-americano Monitor, representado em Portugal pelo empresário Emílio Mateus (futuro fundador da editora discográfica Estúdio). Sob o título “Guitarras de Portugal”, o disco era constituído por originais ou arranjos de todos os elementos do quarteto, com a única excepção de Júlio Gomes.

Em 1966, de novo na etiqueta Alvorada, o Conjunto de Guitarras de Raul Nery regista um EP que de certa forma homenageia uma das vozes que mais acompanhou: a de Fernando Farinha. Com efeito, todos os temas desse disco (“Mãe Há Só Uma”, “Belos Tempos”, “Guitarra Triste” e “Fado das Trincheiras”) pertencem ao repertório do fadista. Sete anos depois, é publicado o segundo álbum do Conjunto, de título genérico “Raul Nery e o Seu Conjunto de Guitarras”, e que para além de ser também o seu derradeiro momento discográfico em nome próprio, constituía uma nova homenagem - desta vez a Carlos do Carmo, voz maior que Raul Nery viria a acompanhar nessa década de 70.