ELISA LISBOA E FERNANDO GASPAR por João Carlos Callixto

25 Jul 1974 - "As Palavras"

Os dois nomes de hoje no “Gramofone” têm carreiras tanto na Música como no Teatro, sendo que Elisa Lisboa (n. 1944) é mais conhecida por esta última vertente e Fernando Gaspar (1938-1998) pela primeira. Ambos partilharam palco na Casa da Comédia, sendo estas imagens da encenação feita por Norberto Barroca em 1974 da peça de teatro “Um Barco para Ítaca”, da autoria de Manuel Alegre. O livro tinha sido publicado três anos antes e estivera proibido pelos Serviços de Censura até Abril de 1974, razão também para que apenas três meses depois da revolução se assistisse a esta chegada aos palcos.

A canção, com palavras precisamente de Manuel Alegre, tem música de Fernando Gaspar, que se tinha destacado cerca de quinze anos antes como uma das metades do duo Os Conchas. Ao lado de José Manuel Concha, os primeiros passos consequentes das novas linguagens rock em Portugal foram dados por eles e por Daniel Bacelar, sendo que em 1960 ambos ocupavam os dois lados do EP “Caloiros da Canção 1”. A carreira de sucesso dos Conchas render-lhes-ia mais seis discos publicados até 1962, sempre pela Valentim de Carvalho. O Serviço Militar Obrigatório, em plena Guerra Colonial, interrompeu-lhes o percurso, e em 1964 é já a solo que encontramos Fernando. Assinando ainda como Fernando Concha, grava nesse ano dois discos acompanhado pelo Conjunto Mistério com versões dos Beatles, de Pete Seeger ou de Leonard Bernstein.

O regresso de Fernando aos discos ocorreu apenas em 1971, com um EP publicado pela Philips em que contava com produção do “jazzman” Luiz Villas-Boas e com arranjos de Jorge Machado. Com excepção do clássico “Nostalgia”, de Jerónimo Bragança e Joaquim Luiz Gomes, as restantes três canções do disco eram assinadas pelo cantor a partir de poemas de João de Deus, de Almeida Garrett e de Luís Augusto Palmeirim, denotando um alinhamento com as novas tendências de então da canção portuguesa.

Pouco antes, em 1969, tinha-se dado a estreia nos discos de Elisa Lisboa, com um EP também dirigido por Jorge Machado e constituído por originais em português e francês saídos da pena de Nuno Nazareth Fernandes. Apenas um deles, “Mulher-Mágoa” (mais tarde recuperado por Maria Armanda e depois por Mísia), não tinha letra deste mas sim de José Carlos Ary dos Santos. Afinal de contas, Elisa Lisboa tinha sido a escolha anunciada publicamente para defender “Desfolhada” no Festival RTP da Canção de 1969, mas os ensaios para uma peça de teatro ditaram a sua substituição por Simone de Oliveira dias antes do certame.

O segundo e último disco de Elisa Lisboa seria publicado no início do ano de 1975, poucos meses portanto depois deste momento de hoje no “Gramofone”. Trata-se de um single com “Os Poetas” (de José Régio e com música de José Cid) e “Old Uncle Tom” (uma co-autoria de Mike Sergeant e José Cid), cabendo o arranjo musical próximo de algum rock progressivo ao Quarteto 1111. Entre 1975 e 1976 seriam também publicados os últimos discos de Fernando Concha, dois singles e dois EPs, em que surgia indistintamente na capa o apelido artístico (Concha) ou o verdadeiro (Gaspar). Com arranjos de outro “jazzman”, o saxofonista Rui Cardoso, aqui encontramos apenas originais do cantor para poemas também de José Régio ou Manuel Alegre – como a “Trova do Emigrante”. Mas est’“As Palavras” ficariam inéditas em disco, tal como aconteceu com a canção “Leilão da Lata” (letra de Fernando Pinto Ribeiro, música de Pedro Jordão), que Fernando Gaspar levou ao Festival RTP da Canção de 1975 e com a qual se classifica em último lugar. Aqui, que não temos canções a concurso, Fernando Gaspar e Elisa Lisboa estão sempre em primeiro lugar!