GNR por João Carlos Callixto

1 Mai 1982 - "Hardcore (1.º Escalão)"

Falar dos GNR é falar de um dos grupos mais ousados, longevos e populares da cena pop rock nacional. Com efeito, raros são os casos de bandas destas áreas musicais a passar as três décadas de vida – no caso dos GNR, temos pela terceira vez um grupo nacional a chegar às quatro décadas, depois dos UHF e dos Xutos & Pontapés. Não é pouco significativo dizer que só a popularidade e a persistência, aliadas naturalmente a trabalhos carismáticos e que marcaram e continuam a marcar o seu tempo, pode explicar estes percursos duradouros.

No caso dos GNR, a viagem começou em Setembro de 1980. Com Alexandre Soares (guitarra, ex-Pesquisa) e Vítor Rua (guitarra e sintetizador, ex-King Fisher’s Band, que viriam a gravar um single já depois da saída de Rua), o convite é desde logo feito ao baterista Tóli César Machado para se juntar aos dois primeiros. No início do novo ano, tem lugar o primeiro concerto, com uma fugaz vocalista (Isabel Quinas) e com Mano Zé no baixo. Este grava ainda o primeiro single, “Portugal na CEE”, com o seu questionamento sobre a entrada de Portugal na organização europeia, algo que só viria a acontecer em 1986. O vocalista nesta fase é Alexandre Soares, que exerceria ainda as mesmas funções também no trabalho seguinte.

“Sê um GNR”, publicado no Outono de 1981, acentuaria a polémica à volta do nome do grupo. Se no seu caso o acrónimo queria dizer Grupo Novo Rock, a histórica Guarda Nacional Republicana não achou grande piada a ver os seus efectivos classificados como pessoas com pouca instrução e muita gordura… A nível de formação, tinha-se juntado Miguel Megre, que co-assina o tema do lado B do single, “Instrumental N.º 1”. De certa forma, esta coexistência de uma vertente mais pop e de outra mais experimental acabou por marcar a estética dos GNR até aos dias de hoje e mostrou-se pela primeira vez em formato longa-duração com o clássico “Independança”, produzido pelo grupo e por Ricardo Camacho (futuro Sétima Legião) e onde entra pela primeira vez o novo vocalista Rui Reininho.

A estreia em LP da banda trazia canções como “Agente Único”, “O Slow Que Veio do Frio” ou “Bar da Morgue”, mas ficou também marcada por um lado B fora de todas as normas pop. Com 26 minutos, o tema “Avarias” ia do início ao fim das espiras e fazia exaltar os valores do ensaísta musical Jorge Lima Barreto – que integrava os GNR nas correntes musicais mais modernas de então, ao lado dos franceses Marquis de Sade ou dos americanos Talking Heads. Curiosamente, um fragmento destas “Avarias” veio a ocupar o lado B do single de “Hardcore (1.º Escalão)”, outra das canções desse primeiro LP e cujo videoclip está em destaque neste “Gramofone”.

O universo lírico de Rui Reininho, verdadeiras páginas da melhor literatura pop, está bem patente nesta canção, que mistura todo o tipo de referências e as devolve em formas aparentemente desconexas e desafiando as convenções. O próprio videoclip, gravado no aeroporto então ainda chamado de Pedras Rubras, mostra também o gosto em provocar tão caro aos GNR – e que perpassa vários dos seus sucessos, como “Dunas” ou “Efectivamente”, em formas mais ou menos subtis. Em termos de formação, a mudança fundamental na sequência deste momento aqui recordado foi a entrada de Jorge Romão para a banda, mantendo-se ele, Tóli e Rui Reininho como trio bem sólido até aos dias de hoje.