HERÓIS DO MAR por João Carlos Callixto

27 Jun 1982 - "Brava Dança dos Heróis"

A história das músicas pop rock em Portugal tem diversos momentos marcantes, coincidentes na sua quase totalidade com as grandes modas internacionais e com a forma mais ou menos bem conseguida como a indústria nacional e os seus artífices souberam urdir sons também mais ou menos próximos das raízes nacionais. Se na década de 1960 o percurso do Quarteto 1111, com José Cid, foi um desses pontos altos, a de 1980, com os Heróis do Mar, foi indiscutivelmente outro.

As raízes dos Heróis do Mar estão num grupo punk pioneiro, os Faíscas, onde estavam Paulo Pedro Gonçalves e Pedro Ayres Magalhães. Nunca tendo chegado a editar discos, deram origem a um outro projecto que alcançou esse desiderato: o Corpo Diplomático, onde encontramos já um terceiro Herói do Mar, Carlos Maria Trindade. No mesmo ano de 1979, publicam o LP “Música Moderna” e o single com “Festa” e “Engrenagem” (de José Mário Branco), marcando este último um pioneiro momento de revisitação do universo dos cantautores pelos grupos vindos do punk.

Apresentando-se em 1981, os Heróis do Mar juntavam ao trio acima referido o baterista António José de Almeida (ex-Tantra, com quem Pedro Ayres Magalhães também tinha tocado) e o vocalista Rui Pregal da Cunha. Com uma proposta musical em linha com a pop electrónica da época, também em termos visuais o grupo rompia com os padrões mais habituais por cá – surgindo com indumentárias e artefactos associados aos Descobrimentos, numa altura em que glorificar a História de Portugal era por vezes entendido como um acto saudosista do Estado Novo. Assim, as polémicas não tardaram em surgir, tentando associar o grupo a movimentos de extrema direita - o que acabou por trazer também uma maior cobertura jornalística às suas actividades.

O primeiro disco do grupo, um single, juntava “Saudade” e esta “Brava Dança dos Heróis”, com letra de Pedro Ayres Magalhães e de Carlos Maria Trindade e música de todos os Heróis do Mar. Foi editado no Verão de 1981 e serviu de cartão de apresentação para o celebrado primeiro álbum, chegado pouco antes do Natal desse ano. Com produção de António Avelar de Pinho, que saíra pouco antes da Banda do Casaco, juntava mais seis canções às duas anteriores e abria o jogo de forma cabal em relação à forma íntima como o olhar sobre a História e a modernidade pop se cruzavam no seio do grupo.

Com os sucessos em single e em máxi "Amor" (1982) e "Paixão" (1983), intervalados pelo álbum “Mãe”, o grupo conquistava tanto a crítica como o público. O máxi “O Rapto”, em 1984, trazia “Supersticioso” e “Só Gosto de Ti”, e continuava a relação privilegiada com António Avelar de Pinho como produtor, que se estenderia até “Alegria”, de 1985. Mudando então para a Valentim de Carvalho, o grupo destila no álbum “Macau” (1986) as suas visões e sensações de uma digressão a terras do Oriente. Do álbum, destacar-se-ia a canção “Fado” como uma das mais icónicas de todo o percurso do grupo.

O sucesso do single “O Inventor”, no Verão de 1987, antecederia em um ano o último álbum de originais do grupo. Homónimo, trazia algumas influências africanas bem marcadas, quer através dos ritmos quer da presença de músicos como Paulino Vieira ou Waldemar Bastos. O grupo termina o seu percurso pouco depois, com Pedro Ayres Magalhães já envolvido na aventura Madredeus, a que se viria a juntar Carlos Maria Trindade, e com Paulo Pedro Gonçalves e Rui Pregal da Cunha a orientarem a sua carreira a partir de Londres, com os LX-90 e depois com os Kick Out the Jams. António José de Almeida, por seu lado, dedicar-se-ia à área audivisual, fundando a produtora Panavídeo. Em 2011, toda a obra dos Heróis do Mar, entre discos e videoclips, foi reunida na caixa "Heróis do Mar - 1981-1989", num esforço inter-editorial raro no mercado discográfico.