LUCÍLIA DO CARMO por João Carlos Callixto

30 Nov 1969 - "Não Digas Mal Dele"

Hoje o “Gramofone” viaja 51 anos no tempo e traz imagens de um programa especial feito pela RTP dedicado a Alfredo Marceneiro. Mas não é o “patriarca” do fado que está aqui em destaque, já que no referido programa uma das convidadas é Lucília do Carmo, outra voz grande do género. Mãe de Carlos do Carmo, um dos nomes maiores da Música Portuguesa, Lucília geriu durante anos a casa de fados "Faia", em Lisboa. Nascida em Portalegre em 1919, começa a carreira artística ainda menor, em 1937, mas só grava os primeiros discos mais de dez anos depois. Estávamos na viragem dos anos 40 para 50 e a editora com quem Lucília assina contrato é a Valentim de Carvalho. Será, aliás, para esta editora que grava a maior parte do seu legado discográfico, com curtas incursões na Philips ou na Trova (selo criado pelo seu filho). O disco de vinil tinha sido lançado nesta altura mas a mudança de suportes demora sempre o seu tempo até se tornar comum. Assim, Lucília do Carmo publica então alguns discos de 78 rotações, em que conta com letras de Frederico de Brito ou de Gabriel de Oliveira, cabendo o destaque entre os músicos para as melodias originais do guitarrista Jaime Santos – que a acompanhava à época, ao lado de Alfredo Mendes.

Já na recta final da década de 1950, chegavam então os primeiros vinis de Lucília do Carmo. Secundada agora por dois nomes grandes do fado – Francisco Carvalhinho e Martinho d’Assunção – saem de uma assentada outros tantos EPs. Aqui encontramos fados de sucesso na sua voz, como "Olhos Garotos" ou "Foi na Travessa da Palha", o primeiro com letra de outro grande letrista do fado – Linhares Barbosa. Cerca de dois anos depois, em 1960, são publicados outros dois EPs, desta vez com Jaime Santos no lugar de Carvalhinho. O fado “Loucura”, que depois seria a alavanca para a carreira a solo de Carlos do Carmo, é incluído no segundo destes trabalhos, onde está também o standard “Lisboa Antiga”. E seria precisamente ao lado do filho que Lucília gravaria o seu primeiro álbum, em 1966. Editado na Philips, com quem Carlos do Carmo tinha então contrato, “Fado Lisboa - An Evening at the "Faia” trazia uma desgarrada entre mãe e filho, quatro guitarradas de Jaime Santos e outros temas que seriam publicados na mesma altura em EPs individuais de Carlos e de Lucília.

Em 1968, a “moda” de publicar dois EPs de seguida volta a marcar lugar, com os discos “A Cor da Mágoa” e “Verdades Que a Noite Encobre”, de novo pela Valentim de Carvalho. Ao lado de Carvalhinho, estão aqui os músicos Ilídio dos Santos, Orlando Silva e Liberto Conde. No capítulo dos fados, encontramos nestes trabalhos temas como “Tia Dolores”, “Nossa Senhora” ou “Maria Madalena”. O momento deste “Gramofone” foi portanto captado no ano seguinte, mas “Não Digas Mal Dele” nunca chegaria a disco pela voz de Lucília do Carmo. Tinha sido gravado por Amália Rodrigues e, mais recentemente, conheceu nova versão por parte do projecto algarvio Al Mouraria. Contando com letra de Linhares Barbosa, é cantado no fado Mayer, de Armandinho.

A década de 1970 veria a publicação dos dois únicos álbuns de originais em nome próprio de Lucília do Carmo. “Recordações”, em 1971, pela Valentim de Carvalho, trazia as guitarras de Fernando de Freitas ou António Chainho, músicos que marcam de novo presença no álbum homónimo de 1978, publicado pela Trova. Em ambos, surgia também como compositor o nome de Moniz Pereira, que tinha em Lucília do Carmo uma das suas vozes de eleição. Mais de 20 anos após a sua morte, ocorrida em 1998, a fadista continua a aguardar a edição duma integral da sua obra.