RÁDIO MACAU por João Carlos Callixto

15 Jul 1985 - "A vida num só dia"

O boom do rock de 1980 foi responsável pelo surgimento de muitos grupos nesses primeiros anos da década, mas ao chegarmos a meados da mesma a força não era já igual e as editoras não estavam disponíveis para editar tudo o que cheirasse a rock. Bastava assim um grupo despontar dois ou três anos depois dessa leva inicial para que o caminho a trilhar pudesse não ser aparentemente tão fácil, o que tornava ainda mais meritório o percurso de quem soubesse ir de forma segura pela estrada do sucesso. Podemos dizer que foi esse o caso do nosso grupo de hoje no “Gramofone”. Formados em 1983, no Algueirão (Mem Martins), os Rádio Macau têm a sua origem numa banda de finais de 70s, os Crânio, onde já estavam Alex, Flak e Xana. Entre as raízes punk e a new wave, os Rádio Macau captam as atenções da Valentim de Carvalho e aí publicam no Verão de 1984 o seu primeiro álbum, homónimo. No grupo estão já Luís Filipe Valentim (teclas, ex-Popeline Beije) e Emanuel Ramalho (bateria, ex-Corpo Diplomático e ex-Street Kids, entre outros projectos).

Unindo sabiamente as influências do rock alternativo com a atenção dada às letras (da autoria de Pedro Malaquias, de Vitinha ou dos próprios membros da banda), esse primeiro álbum trazia canções como o emblemático “Bom Dia Lisboa” ou a versão de “No Comboio Descendente”, de José Afonso (sob poema de Fernando Pessoa), e foi bem recebido pelo público e pela crítica. No ano seguinte, saía em single “A Vida num Só Dia”, a canção deste “Gramofone”. Com letra de Vitinha (nome com que assina o professor e escritor Vítor Lindegaard) e música dos Rádio Macau, surge aqui interpretada ao vivo no programa "Arroz Doce", que a RTP então transmitia e que tinha autoria e apresentação de Júlio Isidro.

Em 1986, é publicado “Spleen”, o segundo álbum dos Rádio Macau. Com Carlos Maria Trindade, dos Heróis do Mar, ao leme da produção, aqui encontramos o grupo a firmar o seu caminho, mantendo as referências artístico-literárias como algo de muito próprio. “O Elevador da Glória”, de 1987, é a consagração junto de um público mais vasto, especialmente por via do enorme sucesso da canção “O Anzol” (com letra de Pedro Malaquias, também radialista na RDP, e música de Flak), que tem conhecido várias versões até aos dias de hoje. Na bateria, estava já Alberto Garcia, ex-elemento dos Ocaso Épico.

O ritmo frenético dos Rádio Macau trouxe em 1989 novo álbum, “O Rapaz do Trapézio Voador”, e novo clássico do pop rock nacional: “Amanhã É Sempre Longe Demais”, que poucos anos depois conheceria nova vida também na versão dos Resistência. Em 1991, o álbum ao vivo “Disco Pirata” marcava um ponto de viragem até em termos editoriais, com o fim da ligação do grupo à EMI-Valentim de Carvalho. Publicado numa época de transição entre o suporte vinil e o CD, a versão neste último formato trazia várias faixas a mais, entre experiências próximas da música contemporânea e duas versões novas de José Afonso: “Por Trás daquela Janela” e “Maio Maduro Maio”.

“A Marca Amarela”, em 1992, seria o último álbum da primeira fase do percurso dos Rádio Macau. Com a canção “O Hábito Faz o Monstro” e Luís San Payo na bateria, o trabalho mostra no entanto um grupo sempre pronto a não estagnar. Assim, quer os percursos a solo de Xana e Flak então iniciados quer o alistamento deste último ao lado de Alex no Palma’s Gang trazem outros lados da escrita e da intepretação dos membros dos Rádio Macau, mostrando que “Onde o Tempo Faz a Curva” (nome do álbum de regresso do grupo, em 2000) há sempre novidades a espreitar. O século XXI tem sido a prova disso mesmo, com os álbuns “Acordar” (2003) e “Oito” (2008), e o mergulho nos arquivos do grupo com “Space Monster”.