VICENTE DA CÂMARA por João Carlos Callixto

1 Jun 1963 - "Moda das tranças pretas"

Neste “Gramofone” a paragem é de novo no universo do fado e com uma das vozes que com mais nobreza o defendeu: Vicente da Câmara. Com pergaminhos bem distintos, quer em termos históricos quer em termos do meio artístico (era 5.º neto do Rei D. João VI; era filho do locutor D. João da Câmara, um dos mais respeitados da Emissora Nacional; para além de ser sobrinho de Maria Teresa de Noronha, uma das vozes mais representativas do fado), costumava dizer que o aristocrata era apenas aquele que tinha sobressaído, podendo surgir de entre qualquer classe.

Nascido em 1928, começa a cantar na rádio no final da década de 40. Assina contrato pouco depois com a editora Valentim de Carvalho, onde se estreia logo no início dos anos 50 com dois discos de 78 rotações – então o formato ainda mais comum da indústria, apesar de o disco de vinil ter começado a ser comercializado em 1948. José Marques e Castro Mota foram os dois guitarristas ao lado de Vicente da Câmara nesses registos iniciais, que incluíam por um lado “Os Teus Olhos” e “Uma Oração” e por outro “Fado das Caldas” e “A Varina”. O fadista assinava já as letras da primeira e última destas composições, destacando-se assim desde cedo também nesta vertente autoral. O “Fado das Caldas” é desde logo um sucesso, com o Conjunto de Mário Simões a gravá-lo em 1953, o cançonetista Hernâni Ribeiro em 1954, o fadista humorista Neca Rafael em 1955 (como “Jericada”) e a cançonetista Teresa Torga (mais conhecida pela canção homónima de José Afonso) em 1959.

Editando para a firma Rouxinol (da casa Custódio Cardoso Pereira) a partir de 1953, é aí precisamente que Vicente da Câmara vem a gravar pela primeira vez esta icónica “Moda das Tranças Pretas”, com letra sua. Inspirando-se parcialmente, pelo que referia em entrevistas, na história da canção “La Violetera” (que Dalida grava em 1956 mas que era na realidade uma canção do início do século), surge no lado B de um disco de 78 rotações - com “Fado do Rosário” no lado A. Esta “pouca fé” na canção (cantada no fado ginguinhas, de Lino Teixeira) está em consonância com o entusiasmo nulo demonstrado pelo pai do cantor quando o filho lha mostra pela primeira vez. No entanto, contra tudo e contra todos, veio a tornar-se no maior ex-libris da carreira de Vicente da Câmara. Aqui, vêmo-lo a cantá-la num programa de fados emitido pela RTP em 1963 no qual era a estrela, acompanhado dos guitarristas Fontes Rocha e Fernando Alvim (que nessa época gravava os primeiros discos com Carlos Paredes).

Após breves passagens em finais da década de 50 pelo selo Alvorada e de novo pela Valentim de Carvalho (onde grava uma réplica para o seu sucesso, “Menina de uma Só Trança”), Vicente da Câmara regista um total de 10 discos para a Alvorada entre 1966 e 1971. Acompanhado pelos Conjuntos de Guitarras de Raul Nery, de António Luís Gomes (com um muito jovem Pedro Caldeira Cabral) e de Fontes Rocha, aqui grava letras suas e de alguns dos nomes mais marcantes na sua carreira: Francisco Branco Rodrigues, João Dias ou Maria de Jesus Facco Viana. O primeiro álbum de originais, depois de algumas colectâneas, surge apenas em 1981 e o título era significativo da visão de Vicente da Câmara: “É Tudo como Era Dantes”. Na realidade, não era bem assim: em 1985, encontramo-lo a dar voz a “Fado do Pescador”, um original com letra de José Luís Tinoco e música de Pedro Osório e que fazia parte da banda sonora da telenovela “Chuva na Areia”.

Cinco anos depois da estreia discográfica do seu filho José da Câmara, Vicente da Câmara homenageia em 1993 a sua tia Maria Teresa de Noronha ao lado deste e do primo Nuno da Câmara Pereira com o disco “Tradição - Fados de Maria Teresa de Noronha”. Já em 2004, grava novo álbum a solo, “O Rio Que Nos Viu Nascer”, com originais que considerava dos mais bem conseguidos da sua lavra. Sete anos depois, veria

ainda a luz do dia “Câmara - Um Nome, Três Gerações”, em que de novo a família se juntava em disco. Com a sua morte em 2016, há muito que urge uma edição que reúna todos as gravações que nos deixou ao longo de um percurso de cerca de 65 anos no fado.